Solos e águas do Ecoparque da Chamusca estão contaminados com metais pesados

Empresa que detectou problema diz que entregou relatório em Novembro mas a Agência do Ambiente nunca reagiu e alega desconhecimento. Câmara faz prospecções em todo o ecoparque.

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Adriano Miranda

Uma empresa recém-instalada no Eco-Parque do Relvão comunicou, em Novembro, à Agência Portuguesa do Ambiente (APA), que as análises que mandou efectuar a uma firma da especialidade detectaram a presença de metais pesados - substâncias que têm elevada toxicidade - no solo e nas águas subterrâneas da zona. O alerta para esta contaminação não produziu, todavia, qualquer resposta e a APA diz desconhecer a situação. A mesma empresa remeteu recentemente para a Agência tutelada pelo Ministério do Ambiente um segundo conjunto de análises que denota algum agravamento do problema.

A Câmara da Chamusca, que alega ter sido alertada pela comunicação social, também garante que não tem conhecimento oficial da questão e diz que tem feito inúmeras prospecções, nas últimas semanas, no Ecoparque instalado na freguesia da Carregueira, para tentar localizar o problema. Já a Quercus sabe que o assunto foi abordado na última reunião do Observatório dos CIRVER (centros integrados de recuperação, valorização e eliminação de resíduos perigosos) e também considera que já deviam ter sido tomadas medidas por parte da APA.

Certo é que um relatório elaborado pela BioVia-Engenharia e Gestão Ambiental, com data de 31 de Outubro passado, é claro ao apontar a presença de quantidades de arsénio, bário e zinco acima dos valores limite recomendados nas amostras recolhidas nos terrenos da unidade industrial. A fábrica em causa começou a laborar já depois da recolha das amostras e dedica-se à regeneração de óleos usados, actividade que não tem qualquer relação com os metais detectados. Mas os seus responsáveis mostram-se preocupados porque não querem vir a ser responsabilizados no futuro por uma situação que já existiria no local antes da sua instalação. Sublinham que fizeram tudo o que lhes competia, alertaram devidamente as entidades responsáveis, mas estranham que, cinco meses passados, não tenha havido nenhuma reacção visível, nem com averiguações no terreno, nem com contactos com os laboratórios que fizeram a recolha e a análise das amostras.

A presença destas quantidades de arsénio, de bário e de zinco é considerada potencialmente nociva para a saúde humana e para o ambiente. E as análises efectuadas em Outubro (repetidas em Março) revelam, igualmente, a presença de teores elevados de carbono orgânico total, indicador de contaminação com matéria orgânica. “O que achamos é que as autoridades deviam ir à procura da origem do problema. São substâncias altamente estranhas naquela área, são venenos, quer o arsénio, quer o bário. Estamos a falar de substâncias muito perigosas”, sublinha o mesmo responsável da empresa, que não pretende, para já, identificar-se, mas explica que receia que, dentro de alguns anos, a situação atinja uma dimensão ainda mais preocupante.

Em 2010, a empresa de regeneração de óleos adquiriu três lotes de terreno à Câmara da Chamusca e iniciou o processo de licenciamento. Investiu 9 milhões de euros na instalação da sua unidade industrial no Ecoparque do Relvão e obteve as licenças definitivas ao fim de 43 meses. Entretanto, em Agosto de 2013, foi publicada nova legislação que obriga estes operadores que lidam com matérias perigosas a apresentarem o chamado Relatório Base (RB). Foi neste âmbito que a empresa contratou a BioVia para fazer a caracterização dos solos e águas subterrâneas e elaborar o respectivo relatório. “Foi tudo feito por uma entidade independente, não teve qualquer intervenção nossa, a não ser pagar. As análises foram feitas por laboratórios certificados e as amostras recolhidas por eles”, acrescenta o responsável da empresa.

O relatório da BioVia, a que o PÚBLICO teve acesso, explica que foram feitas recolhas através de seis colunas de 5, 5 metros de solo e de três piezómetros, colocados em pontos distintos do espaço industrial. Submetidas a análises laboratoriais, as amostras revelaram a presença daqueles metais pesados e do carbono orgânico. Foi investigada a existência de 13 metais dissolvidos nas águas subterrâneas e 10 deles não foram detectados ou surgiram em quantidades muito pequenas. As concentrações referentes ao arsénio (uma amostra), ao bário (todas as amostras excepto uma) e ao zinco (três amostras) “excedem os limiares de qualidade ou valores limite” estabelecidos, refere o relatório da BioVia, precisando que no caso do arsénio o valor detectado é o dobro do recomendado e relativamente ao bário chega a atingir o triplo.

Esta firma de gestão ambiental propôs a repetição das análises em 2015 (o que já foi feito e confirmou as contaminações detectadas em Outubro) e a monitorização das águas subterrâneas com uma periodicidade anual.

O PÚBLICO questionou o Ministério do Ambiente sobre esta matéria a 12 de Fevereiro, mas só teve resposta (depois de diversas insistências) mais de um mês e meio depois. O gabinete do ministro Jorge Moreira da Silva refere que “a APA não recebeu qualquer denúncia acerca de eventual contaminação de solos e de águas subterrâneas na zona do Ecoparque do Relvão” e que, nos termos da Lei, cabe aos operadores a elaboração dos chamados Relatórios Base. “Os documentos recebidos até à data, alguns relativos a instalações localizadas no Ecoparque do Relvão, dizem respeito às três primeiras fases do RB, onde se identificam as substâncias perigosas relevantes utilizadas. Assim, esta Agência não possui, nesta fase, resultados de análises a solos, matéria a disponibilizar apenas na fase seis”, sustenta a resposta da tutela do Ambiente, remetendo para a Direcção-Geral de Saúde questões relativas “às consequências da contaminação dos solos com zinco e arsénio”.

Já Rui Berkemeier, coordenador do Centro de Informação de Resíduos da Quercus, disse, ao PÚBLICO, que este assunto foi discutido na última reunião do Observatório dos CIRVER. “Ficou decidido que iria ter lugar uma troca de informação entre a Câmara e a Agência Portuguesa do Ambiente, de forma a poder identificar-se o local em causa”, refere Rui Berkemeier que, entretanto, defendeu, em declarações à Rádio Renascença, uma intervenção rápida do Ministério do Ambiente para “dissipar quaisquer dúvidas e evitar o agravamento da situação”.

Câmara da Chamusca faz prospecções e não tem respostas da APA
O presidente da Câmara da Chamusca também se mostra preocupado e disse ao PÚBLICO que a autarquia tem-se desmultiplicado em prospecções para tentar detectar algum eventual foco do problema. A autarquia afirma que não recebeu nenhuma informação sobre o local da alegada contaminação, nem da empresa em causa, nem da APA. “Precisamos de saber onde é. Nos últimos dias foram feitas novas recolhas, também nos locais de acumulação de águas pluviais, e anda uma empresa contratada por nós a tentar perceber. Já adoptámos uma série de procedimentos, mas ainda não conseguimos saber”, sustenta Paulo Queimado, garantindo que a Câmara também já contactou as administrações das empresas instaladas no Ecoparque e que todas disseram que “não sabem de nada” e que desconhecem esta alegada contaminação. “Estamos a fazer prospecções no ecoparque todo”, acrescenta o autarca, frisando que também não tem obtido respostas da APA e do Ministério da tutela, que são responsáveis pela fiscalização do funcionamento destas unidades industriais.

O Ecoparque do Relvão estende-se por cerca de 1400 hectares da freguesia da Carregueira. Neste espaço funcionam dois CIRVER, três aterros e uma dezena de empresas ligadas à recepção e transformação de resíduos considerados perigosos.

 

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