IPQ acusado de seleccionar empresas “entre amigos” e sem concurso público

Tribunal de Almada aceitou providência cautelar que põe em causa a escolha do Instituto Português da Qualidade das empresas que passaram a controlar os sistemas de medição nos postos de abastecimento de combustível.

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AFP

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada aceitou analisar uma providência cautelar interposta por uma empresa alemã com actividade em Portugal, a Dekra, que acusa o Instituto Português da Qualidade (IPQ) de ter escolhido três entidades para fazerem o controlo dos sistemas de medição nos postos de abastecimento de combustível sem concurso público, nem transparência.

Contactado pelo PÚBLICO, o IPQ confirma que foram apresentados dois pedidos de providência cautelar (outro sobre o controlo de balanças). Estando pendentes “e a decorrer os prazos para a apresentação de defesa das entidades intervenientes, não prestaremos, nesta fase do processo, quaisquer declarações”, comentou por e-mail Jorge Marques dos Santos, presidente do organismo, “louvando” o interesse “em torno da temática da metrologia legal”.

É o serviço público de metrologia que assegura a veracidade das medições quando, por exemplo, um consumidor atesta o automóvel com combustível, garantindo que o valor que surge na bomba equivale à quantidade colocada. De acordo com o documento que fundamenta a providência cautelar, a que o PÚBLICO teve acesso, esta actividade rendia ao Estado quatro milhões de euros por ano e, até Janeiro de 2014, cabia às extintas direcções regionais de economia (DRE) assegurá-la. A partir dessa data e com a extinção das estruturas públicas, a tarefa passou a ser da responsabilidade do IPQ. O instituto podia ter seleccionado os funcionários da DRE necessários para continuar a assegurar o controlo “nos domínios da metrologia e qualidade”, mas decidiu abrir o negócio a empresas privadas.

Quando souberam deste processo, cerca de 14 funcionários da extinta Direcção Regional de Economia de Lisboa e Vale do Tejo, e do Alentejo (dispensados e enviados para requalificação)  contactaram a Dekra, que opera em Portugal na área da indústria automóvel, mas também se dedica à actividade de controlo metrológico em 40 países. Estes trabalhadores solicitaram à empresa “que contactasse o IPQ no sentido de obter a qualificação como organismo metrológico”. A intenção era continuarem a exercer as mesmas tarefas que, até então, asseguravam no Estado, agora com vínculo a uma empresa privada.

A primeira acusação da Dekra prende-se, por isso, com o facto de a selecção das entidades a qualificar ter sido “feita por convite, entre amigos, sem que tivesse sido publicitado ou aberto concurso público, como a lei obriga”.

Em meados de Julho, as várias empresas interessadas participaram numa reunião de pré-qualificação. A 11 de Novembro, o IPQ notificou a Dekra para a realização de uma auditoria a realizar no dia 13 desse mês “sem que estivessem publicitados ou fossem do conhecimento os critérios de qualificação”. Esses critérios só foram divulgados em Dezembro. “Por outras palavras, primeiro escolheram-se as entidades, depois publicitaram-se os critérios de qualificação”, diz a empresa, que diz haver aqui violação do Código dos Contratos Públicos e do Código do Procedimento Administrativo.

Antes de ser conhecido o resultado da auditoria, o IPQ terá atribuído as funções de verificação metrológica às restantes três empresas candidatas (Overmetron, Servimetro e Instituto de Soldadura e Qualidade). A decisão apanhou a Dekra de surpresa, que pediu ao IPQ informações “sobre o ponto de situação do relatório de auditoria”. Só em Dezembro o documento foi conhecido, apesar da data que consta do relatório ser 25 de Novembro, denuncia.

A auditoria do IPQ concluiu que a Dekra “não tem um número suficiente de pessoal competente permanente, com habilitações, formação profissional, conhecimento técnico, perícia e experiência necessária para actuar com a categoria, o tipo e o volume do trabalho a realizar”. E “não reúne condições para neste momento ser qualificada”. A Dekra contesta. Diz que os trabalhadores da DRE dedicaram a carreira profissional a efectuar o serviço em causa e estavam vinculados à empresa através de contratos de promessa de trabalho, na expectativa de poderem continuar a executar as mesmas funções, desta vez, ao serviço desta organização.

“O IPQ não deu à requerente oportunidade para se pronunciar em sede de audiência prévia. O que consubstancia uma violação do artigo 100 do Código do Procedimento Administrativo”, alega a Dekra. E continua: “Ainda antes de estar concluído o processo de qualificação, quando ainda nem sequer tinha sido finalizada a auditoria à requerente, já o IPQ conferia às contra-interessadas competência para a execução de tarefas de controlo metrológico”.

O tribunal deu agora um prazo de dez dias ao IPQ para responder às acusações.

 

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