Vamos comer Gabo

Quem passar pela FILBo entre esta sexta-feira e domingo, pelo meio-dia, terá a oportunidade de levar Gabo à boca no pavilhão dedicado a Macondo

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Alejandro Gutiérrez, 32 anos é o chef do Salvo Patria dr

Não era exactamente nisto que o escritor espanhol Javier Cercas estava a pensar quando sugeriu cortar García Márquez ao meio, assá-lo na grelha, deitar-lhe molho picante e devorá-lo (essa recomendação, publicada há um ano na revista colombiana Arcadia, dirigia-se aos escritores de língua espanhola, para que deixassem de resistir ao mestre e o assimilassem).

Figuras de estilo à parte, quem passar pela FILBo entre esta sexta-feira e domingo, pelo meio-dia, terá a oportunidade de levar Gabo à boca no pavilhão dedicado a Macondo, o território imaginário de Cem Anos de Solidão. Os chefs de cinco restaurantes de Bogotá foram convidados a confeccionar um prato inspirado em ingredientes presentes naquela obra-prima de García Márquez enquanto se escuta, em voz alta, a leitura de um capítulo do livro.

Alejandro Gutiérrez, 32 anos é o chef do Salvo Patria, um restaurante cosmopolita que privilegia os produtos locais, aberto há um ano e meio no bairro inclinado e gay-friendly de Chapinero Alto. Tatuado e com a pala do boné virada para trás, Alejandro não leu Cem Anos de Solidão no liceu, onde era leitura obrigatória (“é um livro que se desfruta mais quando se sai do colégio”, diz), mas há uns seis ou sete anos, durante umas férias na praia, “com todo o tempo do mundo”.

Quando surgiu o convite para preparar um prato relacionado com o romance, Alejandro lembrou-se do fio de sangue que sai do ouvido direito de José Arcadio Buendía e percorre as ruas de Macondo, dobrando as esquinas, no capítulo sete de Cem Anos de Solidão. O guisado de coelho e morcela em escabeche que vai preparar esta sexta-feira na FILBo foi concebido a partir de referências que aparecem nesse capítulo.

A morcela, por exemplo, é uma representação do fio de sangue. Nessas páginas também há coelhos pendurados na cozinha e menções a folhas de louro e pimenta e vinagre – tudo isso faz parte da receita. As porções de guisado serão enroladas em folhas de bananeira porque as plantações de banana e as disputas pela sua exploração são um pano de fundo do romance.

Alejandro Gutiérrez começou a preparar o prato três dias antes, porque os coelhos têm de ficar em salmoura. Além disso, demoram duas horas e meia a cozinhar. “Só temos uma hora para fazer o prato”, nota.

Agora que inventou um prato novo e singular – e com caução literária –, Alejandro vai certamente voltar a cozinhar o seu guisado de coelho e morcela em escabeche noutras ocasiões, não?

“Não creio. É demasiado conceptual.”

Vamos comer Gabo – mas só desta vez.

 

O PÚBLICO viajou a convite da agência Invest In Bogotá e da Embaixada de Portugal em Bogotá

 

 

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