Carlos Barbosa e o salário de 21 mil euros: “Sou pago como os gestores de empresas”

Actual presidente do Automóvel Club de Portugal rebate críticas ao seu salário e à sua gestão. Instituição estava “completamente podre”, diz.

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Carlos Barbosa, actual presidente do ACP e candidato da lista B Enric Vives-Rubio

Carlos Barbosa lidera o Automóvel Club de Portugal (ACP) há 11 anos e recandidata-se para um novo mandato, desta vez tendo como adversário António Raposo Magalhães. O gestor, de 64 anos, com carreira feita nos media, diz que o ACP estava morto quando entrou e argumenta que hoje “funciona lindamente”. Numa campanha marcada por muitas críticas e polémica, acusa a lista adversária de espionagem e defende que o salário que recebe está ao nível do que é praticado em empresas com o mesmo volume de negócios (30 milhões de euros por ano) do ACP, um clube com 190 mil sócios pagantes. Os votos por correspondência estão em curso e na quinta-feira realiza-se o acto eleitoral presencial, só possível na sede, em Lisboa.

Que papel deve ter o ACP na sociedade portuguesa?
Carlos Barbosa: Hoje em dia, o ACP é um parceiro, o que não era, da sociedade portuguesa em tudo o que é mobilidade. Temos uma participação activa na legislação sobre segurança rodoviária. Isso dá-me uma grande alegria, porque o ACP não era ouvido para nada e hoje é ouvido em tudo o que está relacionado com mobilidade. Em relação aos sócios, conseguimos transformar um clube que estava morto, a perder sócios todos os dias, numa entidade com seis empresas e 15 unidades de negócio, que funciona lindamente e que serve cada vez melhor os sócios, quer na saúde, quer na assistência em viagem, em que somos número um em Portugal.

A campanha tem sido virulenta, com queixas ao DIAP das duas partes. Acha que isto prejudica imagem do ACP?
Desconhecemos qualquer processo da outra parte no DIAP, mas acho que a lista opositora, com esta campanha ignóbil, suja a imagem do ACP, porque durante dez anos os meus adversários tiveram a oportunidade de ver que tudo o que dizem não corresponde à verdade. Tiveram oportunidade de vir a assembleias gerais e nunca apareceram. Falam sem saber. Falam das contas, mas não sabem ler balanços. Tudo o que o presidente faz é escrutinado por uma série de órgãos. Não posso comprar, vender ou alienar património sem passar por vários crivos.

Mas acusam-no de ser centralizador…
O presidente do ACP tem de ser interventivo, porque representa o clube exteriormente. O presidente dá a cara, depois de as decisões serem tomadas pela direcção.

Uma das acusações que lhe é feita é de usar o ACP como púlpito de afirmação pessoal…
Eu não preciso do ACP para ter notoriedade nenhuma. Mas para defender os interesses dos automobilistas, motociclistas, ciclistas e peões, é claro que me vou pôr em bicos de pés. Outra coisa que a outra lista não percebeu é que o ACP tem estatuto de defesa de consumidor, pelo que estamos a defender não só os sócios, mas também os não-sócios.

Ainda sobre os sócios, é acusado de convocar assembleias gerais para horas pouco indicadas, como as manhãs de dias de semana…
As assembleias gerais (AG) do ACP são à hora normal das AG de empresas. Quando eram às horas que eles dizem [noite], a média era de 39 sócios presentes. A média que temos agora é de 62 sócios.  

Acusou a lista adversária de espionagem, alegando que um informático lhe passou dados…
Não vou falar desse caso, porque está em segredo de justiça. Descobrimos que uma pessoa cá de dentro passava informações para fora. Entregámos o caso à Judiciária e à Comissão Nacional de Protecção de Dados. Não sou eu que vou denunciar os receptores dessa informação, mas é estranho como a outra lista andava de porta em porta a recolher votos em nome do ACP, com camisolas e cartões do ACP. Como é que tinham acesso às moradas? É que andavam a bater só a algumas portas.

A lista adversária tem criticado a sua gestão, por ter alienado património.
Os dois andares na rua Rosa Araújo, que não nos serviam para nada, foram alienados em 2006. Com esse dinheiro, comprámos mais dois andares no Prior Velho. Em Braga, a delegação estava num sítio pequeno e agora está no centro da cidade e quintuplicámos o número de sócios. O edifício tinha sido comprado por 148 mil euros e vendemos por 230 mil. Em Coimbra, o edifício estava podre. Só para reparar, eram necessários 600 mil euros e não tínhamos capacidade financeira para o fazer. Além disso, estava em frente à estação de comboios, sem lugar para estacionar. Mudámos primeiro para o centro e agora para um centro comercial. Duplicámos o número de sócios em Coimbra.  O edifício tinha sido comprado por 224 mil euros e foi vendido por 550 mil euros. 

Para onde foi esse dinheiro?
Aplicámos este dinheiro nas outras delegações. Só a obra no Porto custou 750 mil euros. A delegação de Aveiro caiu e fomos obrigados a refazê-la, o que nos custou 225 mil euros. No fundo, a venda de património foi uma troca. Apanhámos um património a cair de podre.

Como vê a situação financeira do clube, que tem sido muito criticada pela outra lista?
Estamos com um volume de negócios de cerca de 30 milhões por ano quando em 2004 era de sete milhões. Em 2014, tivemos um resultado líquido de 195 mil euros. O EBIDTA (lucros antes de juros, impostos,depreciações e amortizações) dos últimos três anos, nas contas consolidadas, é muito positivo: 529 mil euros positivos em 2012, 587 mil em 2013 e 492 mil em 2014. Eles não sabem ler um relatório e contas. Tivemos de fazer provisões em relação a um processo que tínhamos em tribunal com a Repsol. As nossas contas são auditadas, até porque temos de as mostrar ao Estado porque somos uma entidade de utilidade pública.

Mas o passivo subiu?
O que se passou é que não me interessa ter 17 milhões de euros no banco. O dinheiro é para ser utilizado em benefício dos sócios. Hoje tenho dois ou três milhões no banco, mas tenho 25 delegações, todas com obras feitas. Facturo três vezes mais. Se deixasse ficar o dinheiro no banco e a perder sócios todos os anos, o clube tinha acabado. Era preciso reinventar o clube, que foi o que esta direcção fez, para termos mais sócios e mais serviços.

Mas o passivo cresceu para quase 18 milhões…
O que me interessa é o EBIDTA. Isso é que prova a frescura do negócio. Os rácios de autonomia financeira são superiores a 50%. É rara a empresa portuguesa que tem isto. Financeiramente, estamos muito saudáveis. É verdade que temos um empréstimo de três milhões de euros à Caixa, mas já pagámos um milhão e temos um spread de 0,75%, o que é nada. E vamos concentrar os nossos serviços todos no Prior Velho. Se olharmos para lá fora, a maioria dos clubes tem uma grande sede fora da cidade e depois lojas no centro.

O ACP foi alargando os serviços para áreas como os seguros e a assistência médica. Esse crescimento foi sustentado?
Completamente. Antigamente era tudo ao molho e fé em Deus. Não havia discriminação por centro de custos. Separámos por unidades e fechámos algumas coisas, ou limpamos outras, como o ACP Viagens. Agora temos seis pessoas, em vez de 28, no ACP Viagens e ganhamos dinheiro. Antes perdíamos. É que hoje em dia a maioria das pessoas marca viagens pela Internet. Mas como temos uma média de idades de sócios de 60 anos, ainda há algumas pessoas que querem acompanhamento e aconselhamento. Por isso, prestamos esse serviço aos sócios, mas é um negócio que não interessa nada. Mas eu não inventei nada. Bastou copiar o que se passa lá fora. Não é possível, hoje em dia, no panorama europeu, haver um clube destes que seja um clube de amigos. Isto era dominado por uma família e agora não é dominado por ninguém.

Que família?
Isto era completamente dominado pela família de César Torres. Como é possível que durante 18 anos o Rali de Portugal tenha sido feito fora do ACP e que nunca tenha entrado um tostão de receitas, mas todos os anos o clube pagava os custos dessa prova? De 1980 a 1997, o rali foi feito pelo César Torres e pela mulher fora do ACP sem entrar um tostão de receitas e com o ACP a pagar todas as despesas.

Está há 11 anos à frente do ACP, o que é um período considerável. O que lhe falta fazer que justifique esta recandidatura?
Não acho que 11 anos sejam muito tempo numa instituição como esta. No primeiro ano percebi como era a situação do clube. O clube estava completamente podre. E não sabem o trabalho que deu nestes dez anos pôr o clube como está. E ainda não está como eu quero. Temos capacidade de dar mais uma série de serviços, porque a máquina está a rolar. No próximo ano, vamos disponibilizar ambulâncias para o transporte de doentes. Isso é um acrescento a um esquema de saúde. O drama foi montar o esquema de saúde. Acusam-me de fazer publicidade este ano. Este seguro “a idade não conta” demorou dez meses a negociar e agora temos de vender o seguro. A publicidade faz parte do plano de negócio. Isto hoje em dia já não é gerido como no tempo da velha senhora. Se um negócio não funciona, fecha. Se funciona, vamos explorá-lo, como é o caso da assistência de viagem. Temos ganho os concursos do ARC (Associação Europeia Clubes de Automóveis), que é quem distribui pela Europa a assistência das grandes marcas. Isto demorou nove anos. O tempo passou a correr.

O que falta então fazer?
Na assistência em viagem, temos grande concorrência das seguradoras, mas elas não reparam, não desenrascam. Se alguém for com a família para o Algarve e o carro avariar no caminho, o ACP desempana e a pessoa segue viagem. As companhias de seguros rebocam para o concessionário. Demorámos anos a formar as pessoas. Todos os condutores de reboques são mecânicos. Não estou aqui há muito tempo. Tudo isto passa num ápice. Hoje temos seis empresas e 15 unidades de negócio.

Outro dos temas polémicos desta campanha foram as notícias, não desmentidas, de que recebe 21 mil euros por mês de empresas do ACP…
Todos os anteriores presidentes e membros da direcção recebiam ordenados*. Tenho aqui documentos que mostram salários de mil e três mil contos [5000 e 15.000 euros]. Eu nunca recebi um tostão do ACP, porque é uma instituição de utilidade pública sem fins lucrativos. Agora das empresas que geram o que geram, recebo. Se tivesse de pôr gestores em cada uma das seis empresas, pagava muito mais. Eu sou pago como os gestores de empresas com a mesma facturação. Mais, foi a assembleia geral dessas empresas que aprovou [o salário] e a comissão de vencimentos que aprovou [o valor].

Portanto, este modelo é para manter…
Eu passo aqui 24 horas por dia. Quem vier para cá, tem de passar cá 24 horas por dia. O passado já não existe e mesmo assim recebiam todos. Isto hoje em dia é um grupo empresarial e qualquer CEO que venha tem de ser pago. Temos de ter aqui pessoas competentes. E eu só comecei a receber depois de a assembleia geral do ACP me ter autorizado em 2008. Ou seja, só recebo desde 2010 e dos seguros só recebo desde 2013. Foi tudo escrutinado e aprovado em assembleia geral.

A lista A tem exigido uma auditoria independente?
Não faz sentido, porque temos um auditor, a KPMG. Se eles têm na lista deles o presidente da Deloitte como membro da direcção – o que acho mal –, basta ver o que a KPMG fez. O pedido de auditoria é conversa eleitoral.

Vai mudar o processo eleitoral depois das queixas de irregularidades que houve? Enviar um boletim de voto por cada lista para os sócios parece um pouco anacrónico…
Pode sempre melhorar-se o processo eleitoral. Há aqui uma questão mecânica, porque os boletins vão encartados na revista. Os erros detectados foram comunicados à comissão eleitoral e imediatamente corrigidos. Agora, não posso controlar uma máquina que vai embalar 190 mil revistas, com 190 mil boletins e envelopes. Mesmo quando concorri sozinho, havia erros. Quem me dera que o processo eleitoral fosse melhorado, porque custa uma pipa de massa.

Quanto?
Estamos a falar de muitos milhares de euros. Imagine o que é enviar 190 mil boletins duas vezes.

As eleições realizam-se pouco antes do Rali de Portugal. O timing é acertado?
Estamos aqui para ganhar as eleições. Se eu perder as eleições, a minha equipa sai no dia 30 de Abril e o rali é um problema da próxima direcção.

Mas isso pode afectar a realização do rali deste ano?
A minha equipa sai comigo. A lista concorrente sabia que há rali três semanas depois das eleições.

Porque defende a realização do Rali de Portugal no Norte nos próximos quatro anos?
O Mundial de ralis (WRC) está a expandir-se e quanto mais ralis houver fora da Europa, menos haverá na Europa. A ideia da FIA [Federação Internacional do Automóvel] é ter seis na Europa. Portugal está no leque dos dois melhores, juntamente com a Finlândia. E não podemos correr o risco de sair do WRC. A FIA quer os ralis onde haja emoção, público e especiais difíceis. Que era o que não acontecia no Algarve. Quando regressámos ao Mundial de ralis, o Algarve era o melhor sítio para o caderno de encargos da FIA. Recebeu-nos de braços abertos e nunca vou esquecer o que fizeram por nós. O rali no Norte encaixa no novo caderno de encargos. E em 2016 queremos voltar a Arganil. Faz parte da história. E como perdemos os apoios do Turismo de Portugal, temos de ir atrás das autarquias que nos apoiam. E o Norte foi excepcional. As 15 câmaras disseram que iam arranjar o dinheiro, um milhão de euros. O Turismo do Norte fez uma candidatura à CCDR para ir buscar essa verba.

A perda do apoio do Turismo de Portugal foi um revés…
Perdi inaceitavelmente o apoio do Turismo de Portugal (um milhão de euros). O Estado não apoia o maior evento turístico desde o Euro 2004, que acontece todos os anos. O Rali representa 105 milhões de euros de retorno para o país. É uma medida desajustada e prejudica a promoção turística que se fazia lá fora.

Sobre a mobilidade, cada vez há mais restrições à circulação automóvel nas cidades. Como é a sua visão sobre o tema?
Todas as cidades que recorreram a portagens, como Londres, estão arruinadas. O sistema para controlar a entrada em Londres é mais caro do que as receitas que gera. O problema em Portugal é que não conseguimos fazer, como nas grandes cidades europeias, parques de estacionamento à entrada das cidades que permitem que as pessoas usem depois os transportes públicos. Quando Ana Paula Vitorino era secretária de Estado dos Transportes e Carmona Rodrigues presidente da Câmara de Lisboa, nós propusemos que os lugares de estacionamento dos estádios da Luz e de Alvalade fossem durante a semana utilizados para estacionamento para quem tivesse um passe especial, que depois poderia usar nos transportes públicos. Até hoje nenhum Governo quis aprovar isso. É esta política que as autarquias não têm posto em prática. Além disso, os transportes públicos são maus. Devia haver mais corredores BUS. Outro exemplo é o comboio da ponte. Os parques na margem Sul do Tejo são caros. Tenho funcionários que vão ao parque e se está cheio vêm de carro para Lisboa. Se não está, deixam o carro e vêm de comboio.

E o estacionamento nas cidades…
Estou de acordo que o estacionamento à superfície seja caro. Agora, quem vem trabalhar, não pode ter carro à superfície e colocar moeda de quatro em quatro horas. Deve estacionar debaixo de terra. Precisamos de mais parques subterrâneos e com preços mais acessíveis. Outra coisa é que não temos policiamento aos carros parados em segunda fila. Um carro em segunda fila representa sete minutos de atraso no trânsito.

Surpreendeu-o que o seu adversário tenha reunido o apoio dos três presidentes dos grandes clubes de futebol?
Que eu saiba o Luís Filipe Vieira retirou-se do apoio [o candidato da lista A mantém que é apoiado pelo presidente do Benfica]. O Bruno de Carvalho perdeu as eleições contra mim no Sporting: é normal. E o Pinto da Costa desconheço. São os apoios da lista deles. A minha comissão de honra vale dez vezes mais do que os três presidentes dos clubes. E à laia de graça, posso dizer que o apoio do Pinto da Costa deve ter sido pedido por Rui Rio [igualmente apoiante de Raposo Magalhães].

 

* Posteriormente à data de publicação da entrevista, Carlos Barbosa enviou ao PÚBLICO uma correcção a esta resposta: Na entrevista  que concedi ao Público, publicada em 29 de Abril de 2015, proferi uma afirmação que deve ser retificada por respeito à verdade. Onde afirmei que todos os anteriores presidentes  e membros da direção do Automóvel Club de Portugal recebiam ordenados, deveria ter dito – e possuo documentos que me permitem afirmá-lo – que foram remunerados os presidentes e diretores dos mandatos a partir de 1991.

 

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