Do que necessitamos num candidato presidencial

Os tempos são outros, mas há algo de intemporal na boa liderança.

Uma corrida presidencial representa um misto de esperança e de ceticismo para os eleitores. Uma forma de aumentar a primeira e reduzir o segundo consiste em avaliar o perfil dos candidatos. Tendo estudado a liderança ao longo de anos, entendemos que algumas pistas podem ser úteis.

Inspiramo-nos num artigo recente de David Brooks, no The New York Times. Brooks costuma cumprir duas tradições nas eleições presidenciais. Cobre a campanha com a leitura de um livro sobre Abraham (Abe) Lincoln, o ex-Presidente norte-americano que continua a ser amado pelos seus concidadãos. E, finda a eleição, depois da meia-noite, visita a estátua erigida no Lincoln Memorial.

Pese embora a diferença entre os modelos políticos português e norte-americano, podemos aprender sete lições com Lincoln. Primeira: Lincoln pretendia que os EUA fossem a terra onde crianças pobres ambiciosas como ele pudessem transformar-se através de trabalho árduo e moralmente regenerador. Segunda: embora fosse ávido pela leitura dos clássicos, a educação formal de Lincoln era escassa. [Lincoln] não esteve enclausurado num campus universitário, mas despendeu anos de formação em contacto diário com uma espantosa variedade de pessoas. Em termos literários, preferiu a profundidade à amplitude. Esta educação deu-lhe uma visão moral que emergiu da vida, não da leitura.” Terceira: Lincoln combinava, poderosamente, elementos contrastantes. Envolvido numa sangrenta guerra civil, era visceralmente pacífico. Comprometido com as suas causas, era capaz de dar um passo atrás quando necessário. Advogado apaixonado pela defesa do seu cliente, conseguia compreender, com empatia, a perspetiva do adversário. Estava tão ciente do seu próprio poder quanto da sua impotência nas mãos do destino. Extremamente autoconfiante, era profundamente humilde. Quarta: Lincoln colocou os interesses do país acima dos interesses político-partidários. Constituiu, para aflição de muitos, uma equipa em que ponderavam seus rivais. Doris Goodwin ilustra lapidarmente esta opção “estranha” no magistral Team of Rivals: The political genius of Abraham Lincoln. Quinta: Lincoln era provido de enorme astúcia política. Deu mostras de flexibilidade para que, perante as particularidades políticas de cada momento, pudesse prosseguir o seu desígnio. Acreditava no progresso incremental, sem proclamações grandiloquentes. Sexta: Lincoln era profundamente honesto, sendo tratado como "honest Abe". Mas recorreu ao compromisso moral para vencer os opositores à abolição da escravatura. Sétima: Lincoln cometeu erros crassos nos primeiros tempos de presidência. Mas, com autoconfiança e humildade, aprendeu com os mesmos e ganhou a admiração dos que dele haviam troçado.

Em suma: os tempos são outros, mas há algo de intemporal na boa liderança. Citando novamente Brooks: “Uma pessoa com a cara de Lincoln não sobreviveria à era da TV. Uma pessoa com a sua capacidade de introspeção não sobreviveria ao ambiente de campanha de promoção da marca pessoal, 24/7. Mas precisamos de alguém com uma porção dos seus dons que seja filosoficamente fundamentado, emocionalmente maduro e taticamente astuto. Bem, pelo menos podemos procurar a maior aproximação possível.”

Professor na Universidade de Aveiro; professor na Nova School of Business and Economics

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