Gulbenkian rescinde ligação com António Pinto Ribeiro “com efeitos imediatos”

Comunicado do conselho de administração diz que houve uma "uma quebra de confiança institucional".

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António Pinto Ribeiro dirigia o Programa Gulbenkian Próximo Futuro desde 2009 Miguel Manso

O comunicado tem apenas dois breves parágrafos, mas deixa claro que o conselho de administração da Fundação Calouste Gulbenkian não tenciona prolongar, mesmo que seja só até Setembro, a sua ligação ao programador António Pinto Ribeiro, que era até à passada sexta-feira seu consultor e director do programa Próximo Futuro.

“O Conselho de Administração da Fundação Calouste Gulbenkian deliberou rescindir, com efeitos imediatos, a ligação do Dr. António Pinto Ribeiro com a Fundação, no seguimento das declarações por ele prestadas à Agência Lusa”, lê-se no documento publicado no site da instituição.

As declarações feitas à agência na sequência de uma notícia do PÚBLICO em que Pinto Ribeiro (Lisboa, 1956) confirmava ter pedido a demissão de funções devido a “um conjunto de episódios de autoritarismo tomados por alguns membros do Conselho de Administração”, precisavam que as “atitudes autoritárias” tinham partido do próprio presidente da fundação, Artur Santos Silva, e classificava-as como “inapropriadas numa sociedade livre e democrática".

“O teor dessas declarações configura, para o Conselho, uma quebra de confiança institucional que inviabiliza o prosseguimento da relação como coordenador do Programa Gulbenkian Próximo Futuro”, diz ainda o comunicado.

O documento não revela se a próxima edição do programa coordenado por Pinto Ribeiro desde 2009 irá ou não realizar-se. Contactada pelo PÚBLICO, Elisabete Caramelo, directora de comunicação da Gulbenkian, não acrescentou qualquer informação: “Por agora, não há mais nada para dizer além do que está no comunicado do Conselho de Administração.”

Prevista para arrancar a 18 de Junho, embora já lhe esteja associado um debate a 15 de Maio com três autores de BD, a edição do Próximo Futuro deverá terminar a 15 de Setembro, data em que o programador cultural contava deixar, em definitivo, de ser consultor da casa. “Devido aos compromissos assumidos com os participantes e à divulgação feita, pedi ao conselho de administração que autorizasse a próxima edição e o conselho autorizou. Saio no dia em que o Próximo Futuro acaba”, disse ao PÚBLICO na sexta-feira.

Entre as “atitudes autoritárias” estaria – Pinto Ribeiro não o confirmou na altura – a ordem para que não se vendesse na livraria da fundação o álbum de BD Papá em África, do sul-africano Anton Kannemeyer (cidade do Cabo, 1967), um dos autores que a Gulbenkian deverá receber no debate de 15 de Maio (com Posy Simmomds e Marcelo D'Salete).

Editado em Portugal pela Chili com Carne e classificado pelo crítico do PÚBLICO José Marmeleira como um livro ácido e feroz em histórias e imagens, Papá em África é uma crítica violenta ao colonialismo e à sociedade afrikaner em que o próprio Kannemeyer cresceu, mostrando o Tintin de Hergé, bastante mais velho, a abater animais e um africano negro.

O programador cultural, que está em Paris na montagem de Modernidades: Fotografia Brasileira (1940-1964), exposição que já passou por Lisboa no Próximo Futuro, respondeu esta terça-feira às perguntas do PÚBLICO a meio da tarde e por email, confirmando que falou com Artur Santos Silva de manhã e que foi nessa ocasião que o presidente da Gulbenkian lhe perguntou se dissera à Lusa que ele tinha “tomado atitudes autoritárias”: “Respondi afirmando que o acto de ter censurado a venda do livro de Anton Kannemeyer Papá em África não podia deixar de ser considerado uma atitude autoritária (o livro foi posto à venda dois dias depois face às perguntas insistentes da comunicação social).” A directora de comunicação da Gulbenkian explicou na sexta-feira que o livro fora apenas “retirado temporariamente para que se pudesse identificar que se trata de uma banda desenhada para adultos”.

Perante a resposta, escreve ainda no email Pinto Ribeiro, Artur Santos Silva “considerou que tal lhe era ofensivo e que produzia uma quebra de confiança” entre os dois, sobretudo tendo em conta que o programador era colaborador da fundação. “Nenhuma outra questão me foi colocada”, acrescenta. “Acabo de ver no site da Gulbenkian que a fundação decidiu rescindir o contrato de consultor que tinha comigo há vários anos.”

Entretanto, Artur Santos Silva numa declaração enviada ao PÚBLICO, desmente que Pinto Ribeiro não tenha sido informado da sua saída na conversa que tiveram. “O Dr. António Pinto Ribeiro foi claramente informado esta manhã que a sua colaboração com a Fundação Gulbenkian cessaria imediatamente, a partir do momento em que confirmou o teor das suas declarações à Agência Lusa. O Dr. António Pinto Ribeiro não pode ter sabido da decisão pelo site da Fundação, uma vez que a sua saída lhe foi transmitida na conversa que o próprio refere ao PÚBLICO.”


Surpreendente

A notícia da sua saída, na sexta-feira, revelou-se uma surpresa porque, além da direcção do Programa Gulbenkian Próximo Futuro, a terminar no final de 2016, Pinto Ribeiro deveria vir a assumir o cargo de coordenador de todas as áreas da fundação com oferta artística, do museu ao Centro de Arte Moderna, passando pelo prestigiado serviço de música com o seu coro e orquestra, que gere o maior orçamento da casa no domínio da cultura. O anúncio de que Pinto Ribeiro viria a ser “coordenador-geral da programação” foi feito em Fevereiro pela própria Gulbenkian, salvaguardando, no entanto, a autonomia dos actuais directores dos serviços.

Uma das razões que Pinto Ribeiro evocou no final da semana passada para se afastar foi precisamente uma divergência de opiniões em relação ao que a fundação esperava do seu novo coordenador-geral, defendendo que o conselho de administração queria apenas um “técnico de coordenação”, função para a qual garantia não estar disponível: “Não posso aceitar que, tendo sido convidado para este cargo, encontre já a maior parte da programação definida e, no caso das exposições, praticamente desenhada até Junho de 2017”, disse o programador, lembrando que, caso viesse a aceitar a nomeação, ela deveria produzir efeitos logo em 2016.

Em negociações para assumir a coordenação-geral desde o Verão do ano passado, António Pinto Ribeiro fez ainda notar o “desencontro total” entre a sua visão e a do conselho de administração sobre o que deve ser a oferta cultural de uma instituição como a Gulbenkian que, na sua opinião, precisa de se inovar e de se internacionalizar. A fundação, defende, “não pode continuar a fazer uma programação fechada ao mundo, que não tem uma dimensão contemporânea”.

O cargo de coordenador-geral, que António Pinto Ribeiro não chegou a assumir embora tenha sido anunciado como tal, é novo na estrutura da Gulbenkian. Ainda não é claro se a fundação tenciona substituí-lo ou se esta função desaparece com a saída do programador.

Notícia actualizada às 17h30 e às 19h

 

 

 

 

 

 

 

 

  

 

 

 


 

   


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