Algum dia vamos mesmo deixar de fumar?

Desde a década de 1950 que há medidas a restringir o uso do tabaco em Portugal. Alguns países já antecipam gerações sem fumadores dentro de duas décadas. Mas nem tudo está a caminhar neste sentido.

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Na União Europeia, até Maio de 2016 todas as embalagens de tabaco terão de ter imagens chocantes do seus efeitos na saúde WILLIAM WEST/AFP

Primeiro foram os cinemas, teatros e salas de concertos. Em 1959, entre a centena de artigos do Regulamento dos Espectáculos e Divertimentos Públicos, lá estava uma pioneira proibição de fumar em recintos fechados em Portugal. Era uma medida parcial, que admitia a interdição e o seu contrário, conforme a sala.

Depois vieram os transportes públicos urbanos em 1968, os recintos desportivo fechados em 1977, os autocarros e comboios interurbanos em 1978, os infantários, escolas e hospitais em 1982, os locais de atendimento públicos e os elevadores em 1988. E, por fim, uma longa lista, em 2007, com praticamente todos os ambientes fechados, incluindo escritórios, hotéis, centros comerciais, aeroportos, parques de estacionamento, postos de abastecimento e até cabinas telefónicas.

As novas restrições ao tabaco aprovadas na quinta-feira passada pelo Governo, se aprovadas pelo Parlamento, vão reforçar este rol, com mais interdições de fumar em recintos fechados e mais mensagens de alerta nas embalagens de tabaco.

E depois? Qual será o próximo passo na luta para travar os efeitos do tabagismo?

A história do cerco ao tabaco é tão antiga quanto o próprio hábito de fumar. No século XVI, depois dos navegadores que acompanharam Colombo à América terem descoberto o tabaco, já havia proibições de fumar nas igrejas do México e do Peru. Quando o hábito chegou à Europa, foram os próprios papas – como Urbano VIII, em 1642, e Inocêncio X, em 1650 – que interditaram o tabaco durante o culto.

Antes disso, em 1604, o rei James I, da Inglaterra, lançou-se contra o acto de fumar, dizendo que era “repugnante para os olhos, odioso para o nariz, nocivo para o cérebro e perigoso para os pulmões”. E em 1791, o médico britânico John Hill apresentou os resultados de um primeiro ensaio clínico a sugerir que cheirar tabaco causava cancro no nariz.

Nada travou, no entanto, a exponencial disseminação do tabaco, sobretudo depois do aparecimento do cigarro no século XIX, muito mais prático do que o cachimbo.

Nos anos 1950, já havia evidências científicas sólidas de que fumar causava cancro do pulmão. Na década seguinte, nos Estados Unidos e no Reino Unido já se advogavam restrições à publicidade, a interdição de venda a menores e a proibição de fumar em locais públicos.

Cinco décadas depois, tais medidas estão hoje em prática em parte do mundo e a luta anti-tabágica continua a abrir novas frentes de batalha. Na União Europeia, até Maio de 2016 todas as embalagens de tabaco terão de ter imagens chocantes do seus efeitos na saúde, cobrindo pelo menos 65% da frente e do verso do pacote. Esta medida já está em vigor em pelo menos 20 países extra-UE, quase todos do mundo em desenvolvimento, segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS). Mais três vão agora juntar-se à lista: Burkina Faso, Namíbia e Chade.

A Austrália foi mais longe e adoptou embalagens “neutras” para os cigarros, com as tais imagens chocantes e outros alertas, mas sem os logótipos das marcas. Não vai mais haver nada que distinga um pacote de tabaco do outro, a não ser o nome da marca, timidamente escrito sobre um fundo verde escuro.

Na Europa, o Reino Unido e a Irlanda seguiram o mesmo caminho, e também terão embalagens genéricas a partir de 2016.

Já a Finlândia quer tornar-se num país livre do tabaco até 2040, segundo um plano aprovado no ano passado. Em França, também está em discussão uma estratégia para que dentro de 20 anos possa nascer a primeira geração que não irá fumar. O plano inclui proibir o tabaco em automóveis onde haja crianças – medida já aprovada no Reino Unido.

Nos Estados Unidos, o campo de batalha agora são os espaços ao ar livre. Já há 1073 cidades que proíbem o tabaco em parques, 337 em zonas de piqueniques, 232 em praias e 70 em jardins zoológicos.

Há pelo menos um país que foi além e tentou simplesmente proibir o tabaco: o Butão. Uma lei de 2010 interditou o seu cultivo, fabricação, venda e distribuição. Fumar continua a ser permitido, mas a importação de cigarros para consumo pessoal ficou sujeita a normas e limites apertados.

A lei causou enorme controvérsia, sobretudo depois de um monge ter sido preso e condenado por contrabando, em 2011, por não ter provado a origem de 480 gramas de tabaco. A lei acabou por ser emendada, atenuando as penas e aumentando as quotas de importação.

Banir o tabaco não é medida que inspire grande confiança. “Não sei se levaria a algum resultado”, afirma Emanuel Esteves, presidente da Confederação Portuguesa para a Prevenção do Tabagismo (Coppt). “Mas há uma forma de se chegar lá: o preço. As taxas sobre o tabaco poderiam ser mais altas”, completa.

A indústria não concorda. “Não apoiamos o aumento excessivo de impostos, pois podem ter o efeito negativo de subverter os objectivos de saúde pública”, argumenta a multinacional Philip Morris, que detém a empresa portuguesa Tabaqueira. “Os governos devem encontrar um equilíbrio entre manter impostos em níveis que realizem os objectivos da sua política, sem fazer com que os produtos de tabaco atinjam preços inviáveis para os fumadores adultos”, refere o grupo, numa posição publicada no seu site na Internet.

As taxas constituem cerca de 80% do preço de um maço de cigarros em Portugal. São receitas importantes para o Estado. Em 2014, só o Imposto sobre o Tabaco rendeu 1,4 mil milhões de euros para os cofres públicos.

Quanto custam os malefícios do tabaco no país, ninguém sabe ao certo. Uma estimativa parcial elaborada em 2005 apontava para 490 milhões de euros por ano, apenas em internamentos hospitalares, consultas e exames. Não estão aí contabilizadas outras componentes do custo social do tabaco, como medicamentos, consultas privadas,  prestações sociais ou o impacto do fumo passivo.

No Reino Unido, está agora em discussão pública uma nova taxa a aplicar sobre o lucro das tabaqueiras. A ideia é onerar o produtor e não apenas o consumidor.

Mas ao mesmo tempo em que se testam novos passos, há ainda trabalho de casa por fazer. “É importante que todos os países adoptem as medidas da Convenção Quadro para o Controlo do Tabaco, da OMS”, afirma Amanda Sandford, da organização britânica Action on Smoking and Health (ASH).

Adoptada em 2005, esta convenção urge os seus 190 signatários a adoptarem medidas que estão já em curso nalguns países, mas não noutros, como o aumento do preço do tabaco, a proibição da publicidade ou as restrições ao fumo em espaços fechados. “Todos os países do mundo deveriam estar alinhados com essas medidas. Isto teria um impacto dramático na redução dos hábitos tabágicos no mundo”, diz Amanda Sandford.

A realidade, porém, não é essa. Sem medidas adicionais, o consumo de tabaco pode aumentar drasticamente em África e no Leste do Mediterrâneo nos próximos dez anos, segundo um estudo publicado em Março na revista científica Lancet. Entre mais de 170 países avaliados, menos da metade está no bom caminho para reduzir a prevalência do tabaco em 30% até 2025, em relação a 2010 – uma meta voluntária adoptada pela OMS em 2013. Em 2025, diz o estudo, haverá 1100 milhões de fumadores no mundo.

De qualquer forma, nos dez anos da convenção da OMS, 80% dos países signatários reforçaram de alguma forma a sua legislação anti-tabágica, o custo de um maço de tabaco subiu em média 150% e há já países com embalagens cobertas a 85% com mensagens de alerta.

Ainda assim, seis milhões de pessoas morrem por ano devido ao tabaco, diz a OMS. Em Portugal, são cerca de 12 mil mortes. “Perdemos todos os dias 30 pessoas por causa do tabaco. É como se caísse um avião todas as semanas”, afirma Emanuel Esteves, da Coppt.

O consumo está a cair em Portugal entre os homens, mas a subir entre as mulheres. Os dados mais recentes indicam que um em cada cinco portugueses é fumador. “Temos de ter uma meta, senão vamos sempre estar a fazer coisas só porque a União Europeia nos exige”, acrescenta Esteves.

O director-geral de Saúde, Francisco George, acredita que o reforço das medidas anti-tabágicas e a consciência dos cidadãos vão ser suficientes para reduzir ao mínimo a prevalência do tabaco no país. "Dentro de dez a vinte anos, quem fumar estará a exibir", antecipa. “A própria indústria tabaqueira vai ter de perceber este fenómeno e terá de recuar”, conclui.

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