Uma jóia no lixo

Até há pouco havia eufemismos para o fenómeno cada vez mais aterrador das bibliotecas a desfazerem-se de livros para instalarem computadores e outros equipamentos audiovisuais.

Quase todos os livros usados que compro a alfarrabistas do Reino Unido são exemplares que já pertenceram a bibliotecas públicas. Para mim é bom, porque os livros estão bem encadernados e, para mais, são reforçados para durarem mais um século ou dois.

Vendem-se por quase nada, porque, do ponto de vista dos bibliófilos, não têm valor comercial, já que estão estampados e numerados pelas bibliotecas. Isso só lhes dá mais personalidade, claro.

Por outro lado, é inegável que inspiram melancolia. Até há pouco havia eufemismos para o fenómeno cada vez mais aterrador das bibliotecas a desfazerem-se de livros para instalarem computadores e outros equipamentos audiovisuais. A mais conhecida era "deaccessioning", um palavrão que tudo faz para não dizer "deitar fora": "Não, não estamos a deitar fora o livro; estamos apenas a remover a linha de acesso ao livro que previamente existia por ser inferior a X o número de leitores que a ele procuram aceder..."

Esta semana li um livro divertidíssimo — quase um Huckleberry Finn autobiográfico do jazz contado pelo músico e professor Garvin Bushell e escrito por Mark Tucker. Chama-se Jazz from the Beginning e foi publicado em 1988, três anos da morte de Bushell.

O livro pertenceu à Sprinfield Kent County Library e só foi emprestado uma vez, em 2006. Pouco depois levou com um carimbo fatal: "Discarded": deitado fora. Recomenda-se a honestidade da palavra, mas não deixa de ser brutal. Sabe-me mal a sorte que tive.

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