A receita do PS

De repente, o país político descongelou. Acabou o estado de anestesia geral em que o debate político caíra.

O PS apresentou o relatório que servirá de base aos capítulos económicos e financeiros do seu programa eleitoral.

Preparado por doze economistas coordenados por Mário Centeno, o documento surgiu na semana seguinte ao primeiro-ministro ter apresentado na Assembleia o Pacto de Estabilidade e o Plano Nacional de Reformas, que contém o que deverão ser as linhas mestras do programa eleitoral da coligação. Com a respectiva política económica e financeira definida pelos dois principais contendores das legislativas, os portugueses podem agora começar a decidir o seu voto.

De repente, o país político descongelou. Acabou o estado de anestesia geral em que o debate político caíra. Um tal torpor que em vez de se disuctir o que poderão ser as soluções e as apostas para o próximo ciclo político — cujo arranque tem sido adiado desde a saída da troika à espera que se façam eleições legislativas permitiu o empolamento do peso das presidências, com uma antecedência de meses e num tom em que parecia estarem já definidos os nomes que irão disputar o Palácio de Belém, numa lista que só em Outubro ficará fechada.

É agora possível começar a perceber a separação de águas entre os modelos económico-financeiros que os principais partidos defendem. E fica claro também que nem PSD, nem CDS, nem PS estão disponíveis para faltar aos compromissos que o Estado português tem com os seus credores, para sair do caminho estreito que tem sido traçado para a recuperação financeira do país pela Comissão Europeia.

Do lado da maioria que suporta o Governo, é proposta a continuação de uma intervenção mais protectora das empresas e que aposta em benefícios fiscais aos empresários, pois vê nestes o motor para a criação de emprego e o desenvolvimento económico. Do lado do PS, as linhas gerais mostram uma aposta em devolver poder de compra aos trabalhadores a curto prazo como forma de dinamizar o consumo e assim bem como através do investimento público dos fundos europeus estimular o emprego e o crescimento económico. O PS assume também uma aposta clara no papel do Estado Social como forma de proteger os mais pobres e necessitados.

É isso que leva o PS a dizer que irá acelerar em dois anos a reposição do poder de compra dos trabalhadores e não em 2019 como prevê o Governo. Assim o relatório promete para 2017 o fim da austeridade com a devolução gradual dos salários de função pública e o fim da sobretaxa do IRS. Em termos de IRS, o quociente familiar desaparece e regressam as deduções por filho. E as pessoas beneficiarão ainda do regresso do IVA na restauração à taxa de 13%. 

Quanto ao aumento das prestações sociais é proposto um novo complemento salarial anual que consiste num crédito fiscal, para os trabalhadores que vivem abaixo do limiar de pobreza. Bem como o regresso do Rendimento Social de Inserção, do Complemento Social para Idosos e do abono de família aos valores de 2012.

Estas medidas eram relativamente expectáveis, lendo a Agenda da Década e ouvido o discurso dos socialistas, e são claramente medidas de esquerda. Mas há dois conjuntos de propostas que não eram esperadas e que podem ser questionáveis do ponto de vista do interesse dos trabalhadores. Trata-se das bases para as novas reformas Laboral e da Segurança Social.

A Reforma Laboral que o documento indicia procura combater o trabalho precário e impõe penalizações às empresas que abusarem de contratos a prazo, sendo estes aceites apenas para substituição temporária. Mas a grande surpresa é o facto de o documento ir mais longe na flexibilização dos despedimentos do que a maioria governamental e do que alguma vez o PS foi ao propor a “via conciliatória na cessação de contratos de trabalho”, uma aproximação ao modelo italiano e alemão.

A surpresa surgiu também na Segurança Social. O PS propõe que a TSU desça de 11% para 7% até 2018, definitivamente para as empresas e temporariamente para os trabalhadores, à excepção dos que têm agora 60 ou mais anos. Para os trabalhadores, a taxa subirá de novo até 11% a um ritmo de 0,5% até 2026. Só que esses trabalhadores terão, a partir de 2021, reformas reduzidas gradualmente entre 1,25%, logo nesse ano, até 2,6% em 2027.

Para financiar a Segurança Social é proposto um imposto sucessório para heranças acima de um milhão de euros, o fim da redução do IRC e a taxa de penalização das empresas que abusam de contratos precários. É a primeira vez que numa proposta eleitoral do PS poderá surgir definida a data e o limite de cortes nos valores de reformas. Se aceitar esta ideia, o PS irá não só baixar o custo individual do trabalho, mas também o valor individual do trabalho, através da baixa da reforma.

Com estes dois conjuntos de propostas radicais, inspirados no ideário neoliberal europeu, o PS estará certamente a dificultar qualquer acordo com os partidos à sua esquerda. Mas poderá abrir portas a um acordo de Bloco Central.

Jornalista; sao.jose.almeida@publico.pt

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