PZ já não se aguenta de pé e tem de tomar café

Há muito humor na electrónica saltitona e nas palavras que brotam do subconsciente de Paulo Zé Pimenta, ou seja PZ. Tem novo álbum: Mensagens da Nave-Mãe. Audição exclusiva do álbum aqui até segunda- feira

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Não é fácil expor em doses semelhantes humor e autenticidade, não só através de palavras como de música, mas Paulo Zé Pimenta tem-no feito ao longo dos anos, mostrando o ridículo da condição humana na vida moderna.

Em particular com o alter-ego PZ. Depois dos álbuns Anti-Corpos (2005) e Rude Sofisticado (2012), no ano passado transformou-se num fenómeno viral, devido a vários videoclipes, em particular os singles Cara de Chewbacca, em parceria com DB, e Croquetes. Agora chega o álbum Mensagens da Nave-Mãe, mais um tratado de pop electrónica caseira.

No meio da diversidade de projectos em que está envolvido, a identidade PZ é a mais pessoalizada. “Como PZ o processo de trabalho é mais caseiro”, reflecte ele. “Gosto muito de trabalhar ritmos quando estou em casa e de pensar as letras quando vou ao frigorífico, ou quando estou no quarto de banho ou no chuveiro. É um processo solitário, sem grandes regras.”

O seu outro projecto solitário, Pplectro, é mais direccionado para os devaneios electrónicos, enquanto os Paco Hunter (com o irmão Zé Nando Pimenta) constituem uma sátira a algumas influências americanas ancoradas na country ou na folk, sem perder de vista uma estrutura pop, e o colectivo Zany Dislexic Band é um processo de improvisação sempre em aberto. Se existe algo que conecta estas diferentes aventuras é o gosto pela irrisão, a liberdade formal, o desejo de evasão e o humor.

No caso de PZ, com um som electrónico assumidamente artesanal, não pairando sobre uma superfície plana, tanto podendo ser inspirado no electro ou no hip-hop como em soluções mais dançantes como o house. “Gosto de me rir de mim próprio, sempre gostei de fazer música para me divertir, e é natural que a sonoridade acabe por reflecti-lo. Tem muito a ver com essa vivência caseira e com a capacidade de nos rirmos de nós próprios, que é das coisas que nos tornam mais humanos.”

Para além de nos devolver o seu diário doméstico, Paulo Zé Pimenta tem essa capacidade de absorver o que se passa à volta, captando o imaginário do Porto, até na forma como utiliza algumas expressões locais. “Fico contente que isso se perceba”, afirma, “porque o que me define tem também a ver com Famalicão e o Porto, as raízes, a família, as vivências. Por outro lado revejo-me nessa ideia do radar e o título do álbum tem muito a ver com isso: são coisas que me vêm à cabeça, filtradas pelo meu passado, pelo momento, pelo estado emocional e, claro, pelo espaço da cidade onde me movo”.

Ao vivo, tanto se apresenta sozinho como na companhia de André Simão e Fernando Sousa, em guitarra, baixo e sintetizadores. No álbum agora lançado é tudo tocado por ele, enquanto as letras transportam-nos para o seu, nosso, mundo.

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O pijama é parte da persona PZ, cujos vídeos assumem características de produção artesanal típicas da geração Internet

Um universo 100% natural, repleto de Bestas, que o deixa com a Neura, enquanto dá uma Trinca na chamuça. Em Colapso ouve-se que “a [...] vida é um colapso em banho-maria”, enquanto em Sempre a nanar há uma voz a censurar quem passa o tempo na Internet, daí que muito possivelmente “estejamos lixados com tamanha inércia e depois achamos que é assim na Suécia“ (É só um facto). Solução? “Já não me aguento de pé, vou ter de tomar um café” (em Auto-estima).

A estética do pijama
A ironia que está sempre presente nas letras de PZ nem sempre é entendida. No ano passado, a canção Cara de Chewbacca viu-se envolvida em polémica quando a Provedora da rádio pública (RDP1), Paula Monteiro, argumentou que a letra era sexista, quando era evidente que o propósito era desmascarar a objectificação da mulher, expondo-a com recurso ao humor.

“Há sempre a possibilidade de esse tipo de interpretações acontecer quando falamos de vários níveis de leitura”, diz ele. “Não faço música para agradar a toda a gente e percebo que existam as mais diferentes interpretações. Esse episódio da rádio é um exemplo. Há pessoas que não têm sentido de humor, é o que me ocorre dizer. E nesse caso era alguém que parecia ter de mostrar trabalho e que fez uma análise detalhada da letra que foi das coisas mais absurdas que já vi. Foi surreal, mas ao mesmo tempo constituiu um sintoma de que a música chegou às pessoas e que a letra provocou reacções, o que é interessante, porque na música portuguesa isso perdeu-se.”

O videoclipe dessa canção tornou-se viral. Tal como em algumas canções PZ assume as imperfeições, também nesse vídeo as características de produção são quase artesanais, muito em voga na geração Internet, traduzindo a sua linguagem singular e o surrealismo do seu imaginário. “Os vídeos acabaram por ter um grande impacto no meu percurso”, reconhece ele, “porque as pessoas ouvem hoje muito a música a partir dos vídeos”. Curioso é o facto de alguns desses videoclipes terem surgido de maneira meio improvisada, ao sabor do momento, como no caso de O que me vale és tu. “Acordei às três da manhã, estava de pijama, às tantas pus uma câmara a filmar e comecei a dançar, e foi isto”, ri-se ele, explicando que o videoclipe feito para a canção Passeio seguiu uma estratégia semelhante e Cara de Chewbacca também surgiu do nada. “Tinha comprado uma máscara, a minha prima chegou a casa naquela altura, disse-lhe para pôr a máscara e fomos para a rua filmar. Foi tudo muito rápido.”

Mas nem todos os vídeos surgem de forma tão casual. “Também gosto de trabalhar com realizadores e pensar num conceito em conjunto com eles. A pessoa com quem tenho trabalhado mais é o Alexandre Azinheira que realizou o vídeo para os Croquetes, por exemplo, e os dois últimos vídeos referentes ao novo álbum – o Dinheiro e o Neura. Confio muito na estética dele e ele acredita e percebe o que estou a fazer. E é assim que me faz sentido, tal como com a Joana Areal ou a Filipa Cardoso, com quem já trabalhei também.”

Nos videoclipes, ou nas apresentações ao vivo, é quase sempre desarmante, expondo-se de uma forma que tem tanto de espontâneo como de encenação. Não encenação como artifício. Mas como via de acesso à verdade. Como se utilizasse uma máscara para paradoxalmente se dar a conhecer melhor. “Fui construindo um pouco isso”, concorda ele. “Toda aquela estética, o pijama e a vivência da casa, ajuda-me a dar sentido ao personagem, que sou eu. Dessa forma liberto-me para fazer o que quero. O PZ é isso: é transmitir quem eu sou sem merdas! Há coisas que surgem na altura, em momentos de catarse, mas é preciso fazê-las. No fim de contas tudo resulta numa espécie de encenação imediata, sem mediações, da minha vida.”

Para além de todos os projectos, mantém com o irmão Zé Nando Pimenta a editora Meifumado, que foi lançando discos de Corona, Expeão, Guta Naki, We Trust ou Peixe. Ele acha que vivemos tempos contraditórios. “Há muita coisa a ser feita que vale a pena, mas não há valorização em Portugal”, afirma. “A maior parte dos músicos que conheço tem de ter outro trabalho, não consegue sobreviver da música. Conseguimos algum retorno com a Meifumado, mas confesso que tenho a sorte de nunca me ter faltado nada e isso deu-me liberdade para fazer só música. Mas se estivesse numa situação menos desafogada, como a maior parte, tal não seria possível.”

Este sábado PZ mostra o novo álbum nos Maus Hábitos, no Porto, seguindo-se, domingo, o Mercado Musical Independente em Lisboa, e várias datas em Maio e Junho. O álbum é lançado (edição física e digital) na segunda-feira. Até lá fica em streaming exclusivo no servidor do PÚBLICO.

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