Europa triplica orçamento da missão de vigilância do Mediterrâneo

Orçamento da operação Tritão aumenta, mas não há acordo sobre número de refugiados a receber. Hollande disse que será pedida autorização ao Conselho de Segurança para destruir barcos de traficantes.

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Organizações Não-Governamentais promoveram manifestação Bruxelas, exigindo medidas ao Conselho Europeu para travar as mortes em naufrágios no Mediterrâneo Yves Herman/Reuters
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Conselho Europeu iniciou a reunião com minuto de silêncio sobre aqueles que morreram em naufrágios tentando chegar à Europa Yves Herman/Reuters

Os líderes europeus decidiram nesta quinta-feira triplicar os meios financeiros e operacionais da missão europeia Tritão, que apoia a Guarda Costeira italiana nos seus esforços de interceptar embarcações de refugiados no mar Mediterrâneo. O orçamento actual é de 2,9 milhões de euros por mês.

O Presidente francês, François Hollande, anunciou também que será apresentada uma proposta de resolução às Nações Unidas para dar cobertura à destruição de navios usados pelos traficantes.” Foi tomada a decisão de apresentar todas as opções para garantir que os navios [dos traficantes] possam ser apreendidos, aniquilados”, disse. “Isso só pode se feito no quadro de uma resolução do Conselho de Segurança e a França tomará a iniciativa, como outros”, designadamente “o Reino Unido”, acrescentou.

A decisão de reforçar o orçamento da Tritão, da responsabilidade da agência europeia para o controlo das fronteiras, Frontex, permitirá à missão europeia ter um orçamento semelhante à operação italiana Mare Nostrum, à qual o primeiro-ministro, Matteo Renzi, pôs fim o ano passado, por falta de apoio e também devido a pressões, designadamente do Reino Unido.

“Queremos agir depressa, o que significa triplicar os recursos financeiros” da operação, anunciou a chanceler alemã, Angela Merkel, após a cimeira de urgência de chefes de Governo, realizada em Bruxelas. “Sentimos que duplicar [o orçamento] não era credível, quisemos elevá-lo para o mesmo líder da Mare Nostrum”, disse o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker. A Mare Nostrum permitiu que fossem socorridas cerca de 150 mil pessoas em 2014.

A medida não implicará  contribuições financeiras dos Estados-membros, explicou o primeiro-ministro português, Passos Coelho, devendo ser financiada pelas reservas do orçamento comunitário e pela contribuição do Reino Unido, que até agora não participava na missão da Frontex.

Também, não haverá uma mudança do mandato da Tritão para a tornar numa operação de salvamento e resgate, como era a Mare Nostrum.

“A nossa opinião é que não precisamos de mudar o mandato [da missão]”, disse o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, após a reunião em que foi discutida a reacção europeia ao naufrágio que vitimou mais de 800 pessoas, no fim-de-semana. “O mandato actual já permite à Tritão resgatar náufragos”, explicou Juncker. 

No entanto, não permite à missão Tritão operar a mais de 30 milhas náuticas da costa italiana, o que  impede que preste auxílio aos barcos que naufragam perto da costa líbia. “O que fazemos com mais barcos em Itália? Precisamos deles nas água líbias”, reagiu a eurodeputada alemã Ska Keller, do grupo dos Verdes. A Mare Nostrum operava com um limite de cem milhas.

Vários analistas alertam que a quantidade de refugiados que tentam atravessar o Mediterrâneo para chegar à Europa deverá aumentar à medida que se aproxima o Verão. O que motivou o pedido de ajuda por parte de Renzi, que há muito reclama mais apoio dos seus parceiros europeus para gerir o fluxo de imigrantes que tentam chegar à costa italiana.

Ficou também mais uma vez claro em Bruxelas que há falta de vontade política para receber mais refugiados, como tem pedido repetidamente o Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados.

O primeiro-ministro britânico, David Cameron, por exemplo, que disponibilizou três navios e três helicópteros, teve o cuidado de referir que está pronto a contribuir para as operações de salvamento no mar. Mas com condições: desde que os imigrantes resgatados “sejam levados para o país seguro mais próximo, que será muito provavelmente a Itália” e não tenham automaticamente direito a pedir asilo no Reino Unido.

A ONU tinha emitido ontem um comunicado em que pedia à União Europeia para se comprometer a receber um número “significativamente maior de refugiados”, e a estabelecer canais de entrada que permitam aos imigrantes chegar à Europa de forma “legal e segura.”

Hollande fez saber que “a França fará a sua parte” acolhendo “entre 500 a 700 sírios”. Mas a única coisa que, em comum, ficou decidida em Bruxelas, na cimeira convocada a pedido de Renzi, é que haverá uma “experiência-piloto voluntária” para distribuir entre os Estados-membros os imigrantes que entrem ilegalmente na Europa e os requerentes de asilo.

Jean-ClaudeJuncker prometeu, no entanto, que haverá mais pormenores sobre as acções que a UE pretende tomar, quando, no dia 13 de Maio, a Comissão Europeia apresentar a sua estratégia sobre migrações.

Apesar do anúncio de Hollande — que adiantou ir falar hoje com o Presidente russo, Vladimir Putin, sobre o projecto de resolução que permita a destruição de embarcações — também vai ser preciso esperar para saber exactamente como agirá a UE contra os traficantes que operam sobretudo a partir da Líbia, transportando imigrantes em perigosas travessias rumo a Itália. Mateo Renzi tem insistido sobre a necessidade de intervir para apreender ou destruir os barcos, o que poderia ser feito através de uma missão europeia no quadro da política europeia de segurança e defesa (PESD).

O Conselho concedeu um mandato à Alta Representante da UE para os Negócios Estrangeiros, Federica Mogherini, para estudar a possibilidade de lançar uma tal operação. Os chefes de Estado e de Governo não impuseram nenhuma data a Mogherini para que apresente as suas ideias.

Manifestação-funeral
À margem do Conselho Europeu decorreu em Bruxelas uma manifestação convocada por várias organizações não-governamentais, incluindo a Amnistia Internacional e os Médicos do Mundo. Simulando um cortejo fúnebre em honra das vítimas do fim-de-semana, cerca de mil manifestantes exigiram da UE uma resposta determinada ao drama dos naufrágios no Mediterrâneo. A Amnistia Internacional emitiu um comunicado no qual considerava que as que eram então as propostas de conclusões conhecidas do Conselho “uma resposta vergonhosa à crise no Mediterrâneo”, que não acabariam com a “espiral de mortes no mar.”

Na Catânia, em Itália, realizou-se ontem uma cerimónia fúnebre interreligiosa de 24 das vítimas do naufrágio do fim-de-semana. Estiveram presentes o comissário europeu Dimitris Avramopoulos, o ministro italiano do Interior, Angelino Alfano, e a Presidente de Malta, Marie-Louise Coleiro Preca. Os caixões estavam apenas identificados por números.

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