Não há comuninja que resista

Uma comédia com ideias e alguns bons gagues, cujo voluntarismo e humor ficam a nadar no grande écrã

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Capitão Falcão: uma piada cansativa ao qual a equipa do filme parece achar mais graça do que os espectadores

No papel, há uma ideia com pernas para andar e ir longe: uma paródia lusa da BD de aventuras e dos comic-books de super-heróis de meados do século XX adaptada ao tempo “da outra senhora”, tendo como herói um militar defensor da moral e dos bons costumes salazaristas.

A ideia é tanto melhor quanto o Estado Novo continua a ser um período sub-explorado na ficção nacional; e o humor subversivo de “câmara lenta” dos Gato Fedorento ou dos Contemporâneos (cuja “pré-história” pode ser vista no delírio non-sense dos monólogos de Raul Solnado dos anos 1960 e 1970) não se tinha ainda debruçado a fundo sobre ele. Só por essa ideia politicamente incorrecta de um filme a meio caminho entre o kitsch paródico de um período cinzento (onde os “Capitães de Abril” surgem em fardas multi-cor) e a nostalgia pós-moderna da ficção serial de baixo orçamento (como o Batman televisivo dos anos 1960), Capitão Falcão leva a primeira estrela. A segunda vai para o mais que evidente gozo com que toda a equipa do filme, com destaque para o elenco liderado com garra por Gonçalo Waddington, se delicia a subverter o maniqueísmo demagógico do regime salazarista com alguns gagues bastante inspirados (como, por exemplo, a invenção dos “comuninjas”).

O problema, depois, é que há uma coisa essencial da comédia que Capitão Falcão não consegue cumprir: chama-se “ritmo”. E se é verdade que o filme se inscreve na linhagem de um certo “humor do desconforto”, que nasce da aparente ausência de piada ou do efeito de repetição a longo prazo, a primeira longa-metragem de João Leitão, esticada despropositadamente a quase duas horas, sofre de uma dramática ausência de ritmo. A estrutura do argumento como uma sequência de gagues que poderiam perfeitamente existir como episódios autónomos, filmados com pouca imaginação e desaproveitando as potencialidades quer dos cenários quer do écrã panorâmico, torna Capitão Falcão numa espécie de piada cansativa ao qual a equipa do filme parece achar mais graça do que os espectadores. A sensação é a de que o habitat natural do Capitão Falcão e do seu ajudante Puto Perdiz seria o pequeno écrã – os próprios “intercalares” inspirados abertamente no Batman sugerem uma espécie de compacto de uma série de televisão, como se a distância do cinema para a televisão fosse “apenas” dar “mais” num écrã “maior”. Não é, e é pena: porque as boas ideias que aqui há e a certeza de estar aqui um filme português pensado para o “grande público” sem o tomar por estúpido, a par do voluntarismo da equipa, mereciam um resultado mais consistente.
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