"Se voltar para Portugal, vou entrar em recessão — e agora estou em crescimento"

Nasceu no Canadá, estudou em Portugal e vive em Singapura há três anos. Carina Ferreira, dupla nacionalidade, não pensa em voltar para "um país que ainda está de joelhos". Governo lançou em Março programa de apoio ao regresso de emigrantes. Pode o VEM fazer a diferença? O P3 foi ouvir jovens portugueses que estão lá fora

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Carina

“Vim parar a Singapura porque tinha o contacto de uma pessoa que queria muito que eu viesse para cá, em 2012. Já lhe tinha mostrado a minha ética de trabalho e fiquei a gerir o "marketing" e as relações públicas de um restaurante e loja de vinhos. Se, na altura, tivesse enviado o meu CV, a partir de Portugal, para uma oferta de emprego na Thomson Reuters, onde trabalho actualmente na área do "marketing", seria automaticamente arquivado. Chegar aqui foi o mais o difícil, a partir do momento que o fiz passou a ser muito mais fácil encontrar trabalho. Vou mudar-me para Hong Kong na semana em que faço 28 anos, em Maio, onde estarei encarregue do "marketing" para o Norte da Ásia, dentro da Thomson Reuters.

Trabalho para uma multinacional enorme, somos 50 mil empregados no mundo inteiro, tenho a oportunidade de trabalhar em outros países e imensos benefícios. Não está nos meus planos, pelo menos nos próximos anos, deixar a carreira que estou a construir para pegar num fundo que o Estado me dá — se eu tiver a sorte de estar nesses 40 ou 50 projectos — e começar um negócio de raiz em Portugal. Sei que isso pode correr muito mal porque os meus pais também foram emigrantes no Canadá e voltaram para Portugal para começarem os seus negócios. Tenho familiares que fizeram a mesma coisa mas, como não tinham estudado o suficiente o mercado e a concorrência, esses negócios acabaram mal. Adoro a ideia de ser empreendedora e gostava de um dia poder fazer o mesmo, mas preciso de uma rede para me apoiar. E o empreendedorismo não me vai dar isso.

Singapura tem as suas vantagens: é super-segura e limpa, parece um jardim, é Verão todo o ano. Mas Hong Kong tem mais personalidade e, lá, estarei mais perto de Macau, onde tenho amigos jornalistas e comida e cerveja portuguesas. Aqui não há notícias de Portugal, a não ser que sejam relacionadas com a crise, o Cristiano Ronaldo ou o José Mourinho. O jornalismo [em Singapura] é uma censura moderna.

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Desde 2012 que Carina vive e trabalha em Singapura, uma cidade super segura e limpa Edgar Su/Reuters

Nunca consegui votar desde que estou fora. Quando era miúda toda a gente queria chegar aos 18 anos para tirar a carta, eu só queria o cartão de eleitor. Sinto-me um bocado esquecida, falta uma ligação com Portugal. Sei que há aqui uma comunidade portuguesa e, de vez em quando, podemo-nos encontrar na rua, mas ninguém tem muito bem a noção de quantos portugueses somos nesta ilha tão perdida no meio do Sudoeste Asiático. Além de uma proposta como esta do programa VEM (Valorização do Empreendedorismo Emigrante), nunca senti entusiasmo da parte do Estado em nos querer de volta.

Talvez faça parte de uma sub-geração que já nasceu fora, com pais emigrantes, e sinto uma confusão interna. Uma parte de mim sente que foi quando nos mudámos para Portugal que comecei a emigrar. Por isso não sei até que ponto Portugal será mesmo o meu país de retorno, ou se será o Canadá. Claro que me sinto portuguesa, não me tirem jamais o passaporte, vendo Portugal como ‘o segredo da Europa’. Voltar acho complicado, por não haver mesmo condições para me sustentar.

Portugal ainda está de joelhos

Quando olho para propostas como o VEM, penso: até que ponto é que Portugal vai apoiar as pessoas a integrarem-se de novo no país? Se o Estado quer ter um papel de intervenção, também o deve ter no regresso, na parte social da integração dos emigrantes. Não faz sentido querer apenas convencer os portugueses a voltarem com um pequeno fundo, isso não chega, não é apelativo. Ainda para mais num país onde a economia não está a crescer. Porque é que eu hei-de querer ser empreendedora num país que ainda está de joelhos?

Não sinto o Estado aqui: Singapura deve ter uma pequena comunidade portuguesa, comparando por exemplo com Toronto, e por isso acaba por ser completamente esquecida. Claro que seria maravilhoso que o Estado pudesse tocar todos os portugueses em todos os países do mundo. Há formas de chegar às pessoas que estão fora dos grandes centros das comunidades portuguesas, qualquer coisa electrónica. Soube disto [o programa VEM] na Internet, mas se o Estado pudesse olhar a formas mais modernas de comunicar com as pessoas era óptimo. Organizar um ‘webinar’ sobre estas medidas, directamente com os emigrantes, não seria uma forma de comunicar connosco? Estão a querer criar um programa para fazer regressar as pessoas, mas estão a comunicá-lo às pessoas que estão em Portugal e não às que estão fora.

Existe sempre uma necessidade de comunidade e ainda há um bocadinho essa ideia de que se nos aguentarmos nos primeiros anos podemos continuar fora — e ir muito mais longe. Os meus pais, assim que se estabeleceram no Canadá, nunca pensaram em ir para outro país, apesar de poderem: já falavam inglês e tinham passaporte canadiano. Se saíssem do Canadá era para voltar para Portugal. E acho que agora já há um tipo de emigrante que pensa em vários destinos. Olho para o mundo de uma forma diferente: nunca me imaginei a viver na Ásia e, quando cá cheguei, nunca pensei que me ia aguentar tanto tempo, muito menos mudar-me para outro país. Mas habituei-me, gosto do que faço, da carreira que estou a tentar desenvolver e vou tentar tirar o máximo de proveito.

Não cabe na minha cabeça continuarem a falar da valorização de talentos nem integrarem ainda mais estágios neste tipo de coisas. Por mais que eu gostasse de voltar para Portugal, por mais que ache que a vida seria tão mais fácil se isso acontecesse, não o vou fazer por um estágio profissional. Lembro-me de o Governo incentivar à saída, agora quer o contrário. É muito cedo, duvido que estas acções realmente tenham algum impacto até 2020, acho que o estado da economia não vai entrar no verde antes disso. Enquanto não vir uma economia que esteja a florescer minimamente, não vou sair de onde estou, não posso. Onde estou pago menos de 10% de impostos no final do ano — e em Hong Kong até vou poder descontar a renda da casa. Se calhar até posso começar a pensar comprar uma casa aos 30, sozinha, coisa que nunca vai acontecer se estiver em Portugal (pelo menos não com o meu dinheiro). Se voltar para Portugal, vou entrar em recessão — e agora estou em crescimento."

Depoimento recolhido a partir de uma entrevista. 

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