Luísa Andrade, uma investigadora à conquista do mercado das novas energias

Jovem de 31 anos coordena o laboratório FEUP/EFACEC. Tecnologia para produzir painéis solares mais eficazes e estéticos ali desenvolvida conquistou recentemente empresa australiana. Fazer investigação é "uma luta constante"

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Maria João Gala

A química de “tubinho de ensaio” não lhe agradava particularmente e fazer doutoramento e carreira académica não fazia parte dos planos. Mas o contacto com o mundo da indústria revelou-se “castrador da criatividade científica” e Luísa Andrade não se deu bem com isso. “A dada altura, percebi que era no mundo académico que ia integrar-me melhor.” Aos 31 anos, é investigadora auxiliar da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto e coordena o laboratório da FEUP/EFACEC, situado no centro de inovação do Parque de Ciência e Tecnologia da Universidade do Porto (UPTEC), onde trabalham 18 cientistas e doutorandos, todos com menos de 40 anos. A patente de um projecto que quer produzir painéis solares mais eficazes e estéticos — e que foi desenvolvido em parte neste laboratório — foi vendida recentemente a uma empresa australiana.

Há vários projectos a ganhar forma neste laboratório da FEUP. Mas, nos últimos meses, há um que tem dado que falar: o desenvolvimento de uma tecnologia que permite transformar energia solar em eléctrica de forma mais barata e eficiente através de um dispositivo que garante uma durabilidade de 20 a 25 anos. A equipa, liderada pelo professor catedrático Adélio Mendes, não criou a tecnologia em si. “Esse sistema existe desde que se inventou a fotografia”, explicou ao P3 Luísa Andrade, a primeira aluna de doutoramento na área. O foco foi na forma como a selagem das células sensibilizadas com corante (DSC) é feita.

A tecnologia existente apresentava alguns problemas técnicos que impossibilitavam uma entrada no mercado, nomeadamente o “encapsulamento dos materiais activos da célula fotovoltaica”. Estas células são constituídas por duas placas de vidro e é entre elas que estão armazenados os componentes activos, responsáveis por transformar energia solar em eléctrica. Mas para que essa transformação aconteça, é preciso que a selagem das duas placas seja feita de forma eficaz, explica a investigadora: “O que acontece é que é extremamente difícil garantir que durante vinte anos aquele líquido vai estar encapsulado sem que haja fuga.”

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No laboratório FEUP/EFACEC trabalham 18 cientistas e doutorandos, todos com menos de 40 anos Maria João Gala

Os resultados promissores obtidos pela equipa portuguesa convenceram os australianos da empresa Dyesol e foi fechado um negócio que pode valer até cinco milhões de euros. “Todos os testes de selagem que temos feito garantiram uma durabilidade entre os 20 e os 25 anos”, congratula-se Luísa Andrade. Agora, durante 18 meses, os investigadores do laboratório FEUP/ EFACEC vão trabalhar na “passagem desta tecnologia laboratorial para tamanhos industriais”. E depois de transpor esse conhecimento para a Dyesol, os australianos comprometem-se a pagar “royalties” de venda até um valor máximo de cinco milhões de euros.

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O objectivo deste produto é o mesmo dos tradicionais painéis fotovoltaicos de silício, geralmente instalados nos telhados de edifícios. Mas por serem semi-transparentes, com uma cor associada, podem tornar-se “esteticamente mais agradáveis”, podendo ser colocados nas fachadas, janelas ou claraboias. “Do ponto de vista arquitectónico pode ser muito interessante, sobretudo agora que é quase obrigatório integrar este tipo de dispositivos”, acredita Luísa Andrade, acrescentando que estes novos painéis têm uma maior capacidade de “absorver a radiação difusa”.

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O consumo de energia acontece cada vez mais em zonas urbanas, mas a produção continua a estar deslocalizada e, por isso, a implicar um transporte — que “custa dinheiro e tem perdas”. “A produção de energia junto ao sítio onde é consumida é, por isso, um objectivo. As zonas urbanas têm pouco espaço, mas muitos prédios. Se as fachadas puderem ser utilizadas para instalar estes dispositivos esse problema é resolvido.”

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Ser investigador: vidas a prazo

Com a coordenação científica e financeira do laboratório FEUP/ EFACEC nas mãos, Luísa Andrade passa boa parte do tempo a “resolver problemas”. “Quando me perguntam o que faço, obviamente digo que sou investigadora, mas a primeira coisa que me vem à cabeça é que resolvo problemas. Sou diariamente confrontada com 1001 desafios e problemas que têm de ser resolvidos”, conta.

Neste momento, e até 2018, Luísa está com um contrato de investigadora. Antes disso, fez doutoramento com uma bolsa FCT. A vida de quem faz ciência em Portugal é “uma luta constante”. “As bolsas não são más, mas andar uma vida inteira com bolsas de investigação é muito complicado. Felizmente, tenho agora um contrato, mas o primeiro que tive foi aos 29 anos. Até lá, foi como se não existisse na sociedade. Não se desconta para a Segurança Social. E quando a bolsa termina não se tem subsídio de desemprego”, lamenta.

Os contratos de investigadora como o que Luísa Andrade tem são muito raros. A maioria dos investigadores trabalha como bolseiro, “na ansiedade de conseguir a seguinte”. “Já ando a pensar que, se em 2018 não surgir nada mais, terei de ter um plano b.” Emigrar pode ser uma solução? “Nunca foi minha intenção emigrar. Gosto de passar tempos fora, mas a ideia de sair de malas e bagagens não me seduz. Mas também acho que ninguém vai porque quer. Em algumas situações, as pessoas sentem que para concretizarem o que querem têm de ir. Ainda não senti essa necessidade.”

No laboratório situado na UPTEC, há outros projectos a serem desenvolvidos. Patenteado pelo professor Adélio Mendes, um colega dinamarquês e Luísa Andrade, a ideia de uma bateria solar que junte num único dispositivo o armazenador e o produtor de energia está a ser trabalhada, essencialmente, para uso doméstico.

Está também a ser desenvolvido um fotocatalisador capaz de transformar um poluente em algo inerte. Uma solução que poderia ser utilizada, por exemplo, na Avenida da Liberdade, em Lisboa, que recentemente deixou de estar aberta a veículos comprados depois de 2000 por razões ambientais. “Queremos usar materiais fotocatalíticos, como tintas, por exemplo, com os quais possamos pintar estradas, monumentos ou os próprios edifícios e fazer com que haja um abatimento do poluente logo à superfície.” Os resultados desta investigação são promissores. Já foi desenvolvida uma tinta que obteve resultados e o laboratório está agora a trabalhar na durabilidade da mesma.

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