Viajar é preciso, arquitectar é preciso

A importância do acto de viajar na formação de um arquitecto esteve em discussão num colóquio em Coimbra que contou com a presença de Álvaro Siza. O nome de Fernando Távora foi amplamente evocado

Fernando Távora por Álvaro Siza
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“Nenhum desenho me dá tanto prazer como estes: desenhos de viagem. (…) Haverá melhor do que sentar numa esplanada, em Roma, ao fim da tarde, experimentando o anonimato e uma bebida de cor esquisita – monumentos e monumentos por ver e a preguiça avançando docemente?”. A frase é de Álvaro Siza e nem é preciso ser arquitecto para admitir uma sintonia. Mas para quem for arquitecto - ou pretender vir a sê-lo - esta frase, inscrita no texto “Desenhos de Viagem”,  de Álvaro Siza, e publicado em 1999, no livro “Álvaro Siza. Esquissos do Douro”, pode ser encarada como uma espécie de doutrina.  Na passada quinta feira, dia 16, o auditório da faculdade de Direito da Universidade de Coimbra encheu-se para ouvir o mestre, e participar no colóquio “Aprender com a viagem: Encontros na Formação do Arquitecto”.

 

Inserido na programação da semana cultural da Universidade de Coimbra, que assinala este ano a passagem dos 725 da fundação da universidade portuguesa, este colóquio transformou-se, também, numa espécie de homenagem a Fernando Távora, reconhecido como o pai da chamada “Escola do Porto” (aquela em que Siza se formou). E se  tal aconteceu não foi apenas porque Távora foi o autor do projecto de arquitectura do impressionante auditório que ficou lotado na tarde de quinta. O nome de Fernando Távora foi o mais evocado, por ter sido ele com ele, e por iniciativa dele, que o acto de viajar se transformou numa espécie de trabalho de campo, uma disciplina quase obrigatória para quem queira cursar arquitectura. Ou, melhor dizendo, e como resumiu José António Bandeirinhas, do Departamento de Arquitectura da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra: “As suas lições ensinaram-nos a viajar como arquitectos”.

 

Foi como arquitectos que uma vasta comitiva de professores e alunos do Departamento de Arquitectura da Universidade de Coimbra se lançaram na primavera de 2011 a uma viagem aos Estados Unidos, entre Nova Iorque e Chicago. O resultado foi documentada no mesmo colóquio, com o lançamento do livro “Viagem à América”. Sergio Fernandez que fez a viagem, e co assina o livro, preferiu falar “das três viagens” de Távora que mais o marcaram. São elas a viagem à Grécia, em 1976: “eram monumentos por todo o lado, acabamos por definir que ruínas com menos de 20 centímetros acima do chão seriam postas de parte”, recorda, arrancando sorrisos; da viagem ao Egipto, em 198, lembra que o grupo "era conhecido pelo Grupo dos Atrasados…) e por fim a épica viagem ao Brasil, que levou uma impressionante comitiva, entre eles Alexandre Alves Costa e Agustina Bessa Luís.

 

Voltando a Siza, que foi um dos que muitas vezes acompanhou as viagens organizadas por Távora reconhece-lhe isso: o facto de ele as preparar muito bem. E reconhece o valor e a importância das viagens na própria formação do arquitecto e do trabalho que ele virá a desenvolver. Por exemplo, recorda que a visita à Maison Carré, de Alvar Aalto, teve uma importância enorme no projecto da Casa de Chá da Boa Nova (a primeira obra com que o arquitecto de Matosinhos se notabilizou). Numa entrevista, que deu em conjunto com Eduardo Souto Moura ao também arquitecto Nuno Grande (e que está publicada no livro que assinala a “Viagem à América”),  Álvaro Siza refere ainda que nem sempre a obra corresponde ao que se vê nas milhares de fotos dos livros de arquitectura: “Quando a obra é de grande qualidade, a visita é melhor do que a fotografia. Se a obra é fraca, é uma desilusão.”

 

José Fernandes Gonçalves, que no doutoramento em arquitectura proposto pela universidade de Coimbra é o responsável pela cadeira “Arquitectura e Viagem” recordou que o acto de viajar está muito enraizado na cultura portuguesa e não apenas na arquitectura. Clara Almeida Santos, vice-reitora da Universidade de Coimbra, e a responsável por dar as boas vindas a uma casa que encheu por completo, atreveu-se, disse ela, a comparar os arquitectos aos antigos navegantes. “Se antes fomos conhecidos por ser um país de marinheiros, não estarei a exagerar se hoje pensarmos em Portugal como um país de arquitectos”. E aquela sala estava cheia deles.

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