Combustíveis simples não vão ser low cost

Entrou em vigor a lei que obriga os postos a vender gasolina e gasóleo sem aditivos. Mas poucos esperam que os consumidores sintam grande diferença no bolso.

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AFP

Os combustíveis simples, que não têm aditivos e são, por isso, mais baratos de produzir, chegam esta sexta-feira à generalidade das bombas de abastecimento. Trata-se de uma imposição legal concebida pelo Governo, mas é pouco provável que tenha um impacto significativo nos preços.

As petrolíferas, que tiveram custos para adaptar os postos à nova legislação, têm sustentado que a medida não vai trazer os preços mais baratos que o Executivo anunciou e que os consumidores poderiam esperar. O argumento é que os aditivos são apenas uma parte dos custos, não bastando excluí-los para conseguir chegar aos chamados preços low cost das bombas dos supermercados, onde os combustíveis não são aditivados, mas onde também os outros custos de exploração do negócio são mais baixos.

Também a Autoridade da Concorrência não espera grandes descidas. O potencial de redução é limitado porque a lei “não terá um efeito directo nos custos de exploração dos postos convencionais”, tinha já dito o regulador, António Ferreira Gomes, no Parlamento, em Fevereiro.

Pelo contrário, a Associação Nacional dos Revendedores de Combustíveis, que representa empresas retalhistas para além das petrolíferas, está esperançada. “O nosso objectivo é desviar o combustível dos hipermercados para os postos. Temos esperança que isso aconteça”, diz o presidente da associação, João Durão, referindo-se àquela que é já uma batalha antiga. Os postos dos hipermercados têm vindo a conquistar mercado: tinham no ano passado uma quota de 22%, um aumento significativo face aos 13% de 2008. Os operadores independentes mantiveram uma quota em torno dos 7%.

É, no entanto, pouco provável que os postos operados pelos hipermercados sejam muito beliscados. A lei “não virá alterar o modo de comercialização praticado até agora nos postos de combustíveis dos supermercados e hipermercados que, na sua maioria, sempre optaram por colocar ao dispor dos clientes produtos de qualidade comprovada e preços competitivos”, diz Ana Paulo Trigo de Morais, secretária-geral da APED, a associação que representa as empresas de distribuição. 

Com um modelo de negócio diferente do das bombas convencionais, os postos dos supermercados e hipermercados – as bombas low cost ou de marca branca – conseguem praticar preços mais baixos, usando a venda de combustível como chamariz de clientes para o negócio principal.

Segundo a AdC, a diferença entre o preço médio entre estas bombas e as gasolineiras pode chegar aos 15 cêntimos por litro, tanto no gasóleo como na gasolina. Uma diferença que as petrolíferas têm garantido que não é real, porque a maioria do combustível vendido em bomba acaba por ter desconto. Segundo dados enviados pela Entidade Nacional do Mercado dos Combustíveis (ENMC), pelo menos 61% do combustível vendido nos postos de abastecimento em Portugal tem alguma forma de desconto associado.

O presidente da Entidade Nacional para o Mercado dos Combustíveis (ENMC), Paulo Carmona, defende que a lei vem “dar pistas aos consumidores”, permitindo que estes tenham uma melhor percepção da margem de lucro dos vendedores.

 A obrigatoriedade de ter “exactamente o mesmo produto em todos os postos de abastecimento, em conjugação com os preços de referência [que a ENMC publica online desde Novembro] torna mais fácil ao consumidor fazer comparações”, argumenta Carmona. O preço de referência não tem em conta factores como a margem de lucro, os impostos, os custos de transporte e os aditivos. A lei virá, assim, tornar mais evidente “o custo de produção e a margem que está a ser cobrada pelas empresas ” nos diversos postos, diz. 

Nem todas as petrolíferas revelaram antecipadamente os detalhes da estratégia comercial adoptada para cumprir a lei, que isenta alguns postos de abastecimento, entre os quais os de menor dimensão. Apenas a Cepsa avançou, na segunda-feira, que decidiu manter a sua gama de topo, substituindo a gama inferior pelos combustíveis simples. No dia do anúncio, o preço para a gasolina e para o gasóleo simples na Cepsa ficava três cêntimos abaixo dos mesmos combustíveis de gama mais alta. A Galp, por seu lado, optou por retirar o combustível de gama mais alta (a marca Gforce) para vender o combustível simples.

Qual escolher?
Na hora de escolher um tipo de combustível, o preço poderá não ser o único factor. A eventual poupança imediata obtida com os combustíveis simples pode ter alguns custos, avisa Luís Serrano, professor no curso de Engenharia Automóvel no Instituto Politécnico de Leiria. “Os aditivos estão lá por alguma razão. Existem porque são úteis para o motor”, observa, explicando que a opção por combustíveis simples pode, em alguns casos, trazer problemas de lubrificação ou aumentos de consumo e perda de eficiência do motor.” Não tenho problemas mecânicos, mas posso ter de carregar mais no acelerador”, exemplifica. 

Luís Serrano ressalva, porém, que a utilidade dos aditivos varia consoante os carros e que são os mais recentes que tendem a ser mais exigentes no que diz respeito à qualidade do combustível.

Por seu lado, Fernando José Ferreira, director do curso de Engenharia Mecânica Automóvel no Instituto Superior de Engenharia do Porto, afirma não ter dúvida de que os aditivos têm utilidade. “Os fabricantes não os põem lá à toa”, diz. Mas acrescenta que o valor que trazem “é discutível” e salienta que “todos os combustíveis que são vendidos são necessariamente bons, porque cumprem requisitos”.

Esta posição é semelhante à de Paulo Carmona, da ENMC, que é responsável por fiscalizar a qualidade dos combustíveis. Para Carmona, a designação combustível simples é usada com “alguma carga pejorativa”. Porém, o combustível simples “sai directamente da refinaria sem aditivos, mas cumpre os mais altos padrões de qualidade”. com Ana Rute Silva

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