Governo faz depender fim da sobretaxa do ritmo de devolução dos salários

É uma espécie de programa eleitoral da maioria. Reversão de parte da austeridade será feita de forma gradual até 2019, mas novamente com avisos para o Constitucional. As reformas estruturais, incluindo a redução da TSU, continuam a não passar de hipóteses a ponderar no futuro.

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As medidas foram anunciadas nesta quinta-feira pela ministra das Finanças e pelo ministro da Presidência Daniel Rocha

A poucos meses das eleições, o Governo apresentou um plano para a próxima legislatura em que dominam as medidas que retiram parte da austeridade introduzida nos anos anteriores -embora de forma faseada e dependente de eventuais futuras decisões do Tribunal Constitucional - e em que potenciais más notícias para os bolsos dos portugueses, especialmente na Segurança Social, são apenas apresentadas como hipóteses, ainda a estudar.

É no Plano Nacional de Reformas e no Programa de Estabilidade, documentos que todos os Estados membros têm de enviar este mês a Bruxelas, que o Executivo desenhou a estratégia económica e financeira que o país deve seguir nos próximos quatro anos. São na prática, propostas indicativas das intenções da coligação PSD/CDS para a próxima legislatura. Para se tornarem lei, têm de ser vertidas no Orçamento do Estado para 2016 e anos seguintes, que serão já feitos pelo próximo governo. Como as eleições legislativas se realizam, à luz da Constituição, entre 15 de Setembro e 15 de Outubro, caberá ao executivo saído desse sufrágio a responsabilidade de apresentar o próximo Orçamento.

Com os calendários encavalitados, só no início de 2016 haverá proposta orçamental, e pouco depois, na primavera do próximo ano, o próximo governo terá de cumprir novamente o semestre europeu, podendo alterar de alto a baixo todas as propostas apresentado este ano.  Os planos agora apresentados representam, pois, uma espécie de pré-programa da coligação PSD/CDS (ainda por renovar) para as próximas eleições.

E o que consta desse pré-programa? No resumo feito pela ministra das Finanças dos documentos (que só hoje são entregues no Parlamento), o grande destaque foi para as medidas de austeridade que o Governo promete, embora de forma gradual, deixar de aplicar.

A primeira é a sobretaxa de IRS, no valor de 3,5%, que vigora desde 2013. O Governo diz que quer reduzi-la ao longo dos próximos quatro anos, o que significa que só em 2019 deixará de ser paga. O impacto negativo na receita fiscal estimado pelo Governo é de 760 milhões de euros, ou 190 milhões de euros ao ano.

Maria Luís Albuquerque explicou que a redução da sobretaxa em 2016 é uma medida separada daquela que foi incluída no Orçamento de 2015 prevendo que, no próximo ano, haja um reembolso (parcial ou total) da sobretaxa relativamente ao valor pago pelos contribuintes este ano, caso as receitas do IVA e do IRS fiquem acima da previsão inscrita no orçamento.

Para 2016, a redução prometida é de 0,875 pontos, ou seja, um quarto da sobretaxa (para 2,625%), o mesmo ritmo de corte programado para cada um dos anos seguintes até a taxa extraordinária desparecer.

Depois aos cortes salariais na função pública. O Governo prevê a reposição gradual da redução remuneratória a um ritmo de 20% ao ano, prolongando o que já está a acontecer em 2015. A medida, afirmou Maria Luís Albuquerque, é para ser integrada no Orçamento do Estado para 2016 e deverá custar 150 milhões de euros por ano.
 
IRS depende da função pública
A promessa em relação a estas duas medidas, contudo, mesmo no caso da actual maioria ser reeleita, não está completamente assegurada, já que a concretização de uma depende da outra, avisou o ministro da Presidência e dos Assuntos Parlamentares, Luís Marques Guedes.

“Se, por exemplo – e estou a colocar como mera hipótese –, a opção do país for repor mais depressa os salários, provavelmente não vai poder retirar a sobretaxa tão depressa”, afirmou, lembrando a decisão do Tribunal Constitucional sobre os cortes nas remunerações do sector público, que apenas viabilizou o modelo de reposição de 20% dos cortes em 2015, porque não havia ainda informação orçamental suficiente os anos seguintes.

O Governo vai assim já avisando que, se no futuro viesse a ser forçado pelo Constitucional a repor de forma mais rápida o valor dos salários dos funcionários públicos, já não poderia cortar a sobretaxa ao ritmo agora indicado.

Maria Luís Albuquerque apresentou ainda outras medidas de reversão da austeridade. A ministra confirmou que a contribuição extraordinária de solidariedade (CES), que este ano se aplica às pensões acima de 4611 euros (valor bruto) irá reduzir-se para metade no próximo ano e que “em 2017 já não se aplica”. No próximo ano, a taxa de redução a aplicar sobre o valor que excede os 4611,2 euros passa a ser de 7,5% (em vez de 15%) e a taxa aplicada ao valor acima de 7126,7 euros será de 20% (em vez dos acuais 40%).

Foi também anunciada a redução para metade da Taxa sobre o Sector Energético em 2016, o que deverá diminuir a receita fiscal em 75 milhões de euros. Em 2018, a taxa deixa de existir.

De igual modo, o Imposto Municipal sobre as Transacções (IMT) será progressivamente eliminado, entre 2016 e 2018, perdendo-se 460 milhões de receitas fiscais. Neste caso contudo, passa a ser aplicado o imposto de selo sobre as transacções imobiliárias, a uma taxa que é a metade do actual IMT.

No total, estas medidas agora anunciadas podem ter, só em 2016, um impacto negativo no défice de 530 milhões de euros.

Coloca-se por isso a dúvida sobre como é que tal é compatível com uma meta de défice público para esse ano de 1,8%, menos 0,9 pontos percentuais do que em 2015. O Governo parece traçar para a próxima legislatura uma estratégia orçamental que, mais do que nunca, se baseia no efeito positivo que a economia pode dar para reduzir o défice.

Hipóteses para o futuro
Ao mesmo tempo, pelo menos para já, não foram apresentadas de forma clara, medidas que possam vir a ter um impacto negativo no rendimento disponível dos portugueses. Foram apenas deixadas algumas pistas, que Maria Luís Albuquerque dizem que têm de vir a ser estudadas no futuro. Pelo próximo Governo.

É aqui que entram as reformas estruturais que podem ser feitas aproveitando a flexibilidade das regras orçamentais europeias. A ministra deu três exemplos – a redução da TSU suportada pelas empresas, a introdução de um tecto nas contribuições da Segurança Social dos mais jovens e o pagamento de indemnizações por rescisão do contrato aos funcionários públicos.

E é aqui que entra também a reforma do sistema de Segurança Social, que o Governo escreve no PEC que pode gerar poupança de 600 milhões de euros ao ano, mas que Maria Luís Albuquerque diz que é apenas uma hipótese técnica, que não influencia futuras decisões.

Voltando às medidas de reversão gradual da austeridade, confrontada sobre como pode o executivo assegurar que as medidas agora prometidas vão mesmo para a frente, tendo em conta que são para aplicar em 2016, a ministra reconheceu: “O Governo não garante estas medidas. Mas com este Governo os portugueses sabem com o que contam”. E aproveitou para deixar uma farpa ao PS, criticando o que considera ser a ausência de propostas do maior partida da oposição. “Até agora não sabemos nada”.

“Aquilo que vincula o país [nas medidas a apresentar à Comissão Europeia] é o cumprimento das regras [orçamentais]”, afirmou. E voltaria a criticar o Partido Socialista. O contributo do PS, disse, é “demasiado vago para ter utilidade” para a estratégia apresentada pelo Governo, embora a posição da ministra seja de convite ao envolvimento do PS e de “abertura para acolher propostas que venham a ser apresentadas na Assembleia da República” pelos vários partidos.

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