Do espanto ao estrondo em dueto de poesia

Dos mestres de cada um à "cidade maravilhosa" e até às palavras que os perseguem. Os poetas Matilde Campilho e Gregorio Duvivier encerraram o evento Minha Língua, Minha Pátria com um duelo que misturou sotaques.

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Matilde Campilho e Gregorio Duvivier na Livraria Cultura Grazi Alcova
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Matilde Campilho e Gregorio Duvivier na Livraria Cultura Grazi Alcova
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Matilde Campilho e Gregorio Duvivier na Livraria Cultura Grazi Alcova
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Na plateia da Livraria Cultura Grazi Alcova
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Gregorio Duvivier na sessão de autógrafos Grazi Alcova
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A Livraria Cultura registou uma enchente na última sessão do evento Minha Língua, Minha Pátria Grazi Alcova
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A sessão foi moderada pela directora-adjunta do PÚBLICO, Simone Duarte Grazi Alcova
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Matilde Campilho e Gregorio Duvivier na Livraria Cultura Grazi Alcova
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Matilde Campilho na sessão de autógrafos Grazi Alcova
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A Livraria Cultura registou uma enchente na última sessão do evento Minha Língua, Minha Pátria Grazi Alcova

Muito prazer. Que bons ventos os trazem. Essa sessão passou rápido. Esta paráfrase, de um poema do escritor e humorista do colectivo Porta dos Fundos, Gregorio Duvivier (embora no original se fale em “essa vida passou rápido”), serve bem para resumir, em três tempos, a sessão Duelo/Dueto de poesia, que juntou quarta-feira à noite na Livraria Cultura Shopping Iguatemi, em São Paulo, Matilde Campilho e Gregorio Duvivier.

Os poetas, apesar de terem partilhado a cidade do Rio de Janeiro, só se conheceram por causa deste evento, Minha Língua, Minha Pátria, organizado pelo PÚBLICO e pela Livraria Cultura com a parceria do Camões -Instituto da Cooperação e da Língua. Numa semana, juntou à conversa dez escritores dos dois países.

“Sensacional!” É a palavra que Pedro Duarte, que “arrisca” fazer poesia mas diz que não chega “a esse nível”, usa para descrever o que sentiu durante a sessão moderada pela directora-adjunta do PÚBLICO, Simone Duarte. “Genial!”, diz, contente, Ana Clara, que “cursa letras” e gostou sobretudo dos poemas que eles leram sobre o quotidiano. “Ela tem um dom!”, acrescenta Lourdes Rechder no final, já na longa fila de autógrafos para os dois participantes. Foi ao evento por causa da filha, que é fã do actor Duvivier. Não conhecia a obra de Matilde Campilho e achou muito bonito o trabalho dela. “Ao ouvi-la dizer a sua poesia, lembrei de um LP que tinha de Drummond a declamar. Ao ler os seus poemas, ela dá alma à expressão da criação. Tem um dom para isso. Devia fazer um áudio”. Ficou fã. Como muitos que compraram o livro dela.

Luís Fernando, estudante de literatura portuguesa, paulistano, admirador da obra de Fernando Pessoa, de Herberto Helder e de Maria Gabriela Llansol, contou também na fila dos autógrafos que morou seis meses em Portugal, mas nunca esteve no Rio de Janeiro. E esta foi a cidade omnipresente na conversa dos poetas. Não só porque está presente nos poemas que leram, como é a cidade em que Gregório vive e aquela que mudou a vida de Matilde.

“O Rio foi o meu grande salto mortal, fez com que eu fizesse da poesia o meu eixo fundamental”, diz a autora do livro de poemas Jóquei. Foi lá, onde apesar de por vezes ter vivido momentos de dificuldades, que conseguiu tirar “a poeira da frente dos olhos”.

Também Gregorio Duvivier, o rapaz que começou a fazer “poesia de agenda”, o que trocado por miúdos significa poesia de amor nos tempos em que ainda se usava agenda de papel, apaixonou-se pela poesia na Faculdade de Letras do Rio de Janeiro. A culpa é de um professor que teve: Paulo Henriques Britto, o tradutor e poeta que com a obra Macau recebeu o Prémio Portugal Telecom 2004. 

Foi aí que se empolgou pela métrica tradicional da escrita de sonetos e também pela poesia norte-americana de que não conhecia nada (Agora adora Frank O’Hara, por exemplo).

As mesmas influências
Num outro lugar do Rio, o CEP – Centro de Experimentação Poética, que era frequentado também por Matilde, percebeu a importância de se dizer poesia ou ler para os outros. “Nunca nos cruzámos, eu e Matilde. Ali passei a gostar de falar poesia, que é outro prazer diferente. O meu primeiro livro, A partir de amanhã eu juro que a vida vai ser agora, é mais escrito; este Ligue os pontos poemas de amor e bang bang é mais falado. Essa experiência do CEP foi aproximando mais este livro da linguagem oral”.

“É engraçado”, acrescenta Matilde. “Somos da mesma geração [ela nasceu em 1982, ele em 1986] e, apesar de termos nascido em países diferentes, fomos formados na literatura na mesma cidade. Recebemos muito as mesmas influências. Tive um grande mestre que foi o Carlito Azevedo, e assim como o Gregorio fala do Paulo [Henriques Britto], o Carlito chamava-me muito a atenção para coisas de que eu não fazia a melhor ideia: íamos também ao Frank O’Hara, ao Antonio Cisneros, ao Octavio Paz. Íamos a países completamente diferentes de onde estávamos. E sozinha, porque estava à frente dos meus olhos, descobria todo este Brasil de poetas que não chegavam tanto a Portugal. O Drummond chegava, o Vinicius também, mas o Oswald de Andrade, o Mário de Andrade... Temos esta sorte de termos muitos amigos em comum. Há troca de emails: ‘O que é que você acha disto?’, pergunta-se. Porque também é bom estar-se rodeado de pessoas que também estão a escrever.”

A sessão dos poetas, que foi aquela que atraiu mais público de todas as que aconteceram em Minha Língua, Minha Pátria, teve um momento de “arrepiar espinha”. Aconteceu quando leram juntos, em duelo, o mesmo poema, cada um no seu sotaque, brasileiro e português.

Puxam tapete
Por agora, a poesia e um possível romance estão escondidos da vida de Gregorio Duvivier. Um dos problemas de ter de escrever semanalmente crónicas para a Folha de S. Paulo e fazer os vídeos da Porta dos Fundos é que estas obrigações estão a sugar-lhe a criatividade. Mas está feliz. Partirá nos próximos meses para Portugal, onde o colectivo irá gravar sketches novos, deverá ver a sua obra literária chegar às livrarias portuguesas e, em Julho, irá percorrer o país de lés a lés com o espectáculo Uma Noite na Lua.

A poesia e o humor “puxam tapete de certezas, os dois jogam um olhar novo sobre o mundo”, diz. Esse olhar do espanto e de surpresa de que a sua colega portuguesa fala no poema que leu na sessão Conversa de fim de tarde depois de três anos no exílio e que termina assim: “Porque você e eu a gente é feito de matéria/ escorregadia, i.e., manteiga, azeite, geleia/ e espanto.”

Como se vê, a palavra que mais persegue Matilde Campilho é “espanto”. “Eu tenho esta palavra espanto que estou sempre a querer tirar de mim e ela constantemente me sai”, conta. Por sua vez, a palavra que mais persegue Gregorio Duvivier é “estrondo”. Uma palavra que, de certa maneira, tem a ver com espanto. “Mas agora fizeram o Bonde da Stronda no Rio de Janeiro, um grupo de música, e estragaram essa palavra para mim”, diz. “Eu tinha um grupo com o Carlito Azevedo, a Alice Sant'Anna, o Chacal, que se chamava Estrondo”, conta.

E a sessão terminou com longas filas de autógrafos como se estivéssemos numa mini-FLIP, a Festa Literária Internacional de Paraty, na qual Gregorio Duvivier esteve no ano passado e para onde Matilde Campilho vai em Julho próximo como escritora convidada. Onde, depois do arrebatamento da plateia que se viu na Livraria Cultura, vai certamente causar estrondo.

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