Arquitecto Paulo Moreira propõe demolição parcial do Aleixo

Vencedor do prémio Távora 2012 tirou um projecto de 2014 da gaveta para “relançar o debate” em torno do Aleixo. Proposta passa por reduzir torres a apenas seis pisos. “Havendo vontade política, ainda há tempo” de mudar o rumo desta história, acredita

Ana Marques Maia
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Ana Marques Maia Paulo Moreira
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Reduzir as torres a apenas seis pisos, como previa o projecto original, e realojar os moradores dos andares mais altos nos de baixo, mantendo o Aleixo como bairro camarário. Na semana em que se assinalaram os dois anos de demolição da torre 4 do Aleixo — e com o processo de realojamentos e abatimento dos restantes edifícios parado —, o arquitecto Paulo Moreira, vencedor do prémio Távora em 2012, mostrou ao P3 um projecto de reabilitação do bairro que tem na gaveta desde Julho de 2014.

Paulo Moreira mergulhou no assunto Aleixo no início do ano passado, quando decidiu fazer um artigo sobre “o processo de desconstrução” do Aleixo para o Jornal de Arquitectura. A dada altura, sentiu que podia fazer mais: “Como arquitecto, e sendo contra este processo de demolição total, achei que podia e devia fazer alguma coisa.” A demolição parcial das três torres, agora com 13 pisos, podia ser “uma espécie de compromisso” entre o desejo dos moradores e a vontade dos decisores, explicou: “Como arquitecto, acho que tenho esse papel de mediador. A capacidade de perceber no terreno as vontades das pessoas e a sensibilidade para entender as vontades dos decisores.”

Para Paulo Moreira, a decisão de demolição das torres foi puramente política. “Como diz o [investigador] Luís Fernandes, quis trocar-se o tráfico de droga pelo tráfico de terrenos. Querem fazer especulação imobiliária à custa do álibi da droga.” A “solução intermédia” que propõe tem em conta um inquérito feito em 2007 pela Associação de Moradores nas cinco torres. Nessa altura, 6% diziam querer sair do Aleixo e 27% estavam indecisos.

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Paulo Moreira Studio

Foi a partir daí que o arquitecto portuense começou a fazer contas. Juntou os dados do inquérito aos números fornecidos pela DOMUS Social em Novembro de 2013, que revelavam que 42% dos apartamentos das três torres existentes estavam já desocupados. Se dos 192 apartamentos existentes nas três torres, 81 estão desocupados significa que há uma média de 27 apartamentos sem moradores por piso, o equivalente a cerca de cinco pisos por torre.

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Câmara investe na solução Mota-Engil

Com o processo oficialmente congelado desde a entrada de Rui Moreira na autarquia, depois das eleições de 29 de Setembro de 2013, os números de moradores não sofreram alterações significativas. O “fundo do Aleixo”, constituído durante o mandato de Rui Rio, previa a demolição das cinco torres, a construção de novas habitações para venda e o realojamento dos moradores em habitações construídas de raiz noutros locais da cidade. “Devido a dificuldades de liquidez, o fundo entrou em incumprimento com a câmara e, ainda no mandato anterior, as demolições foram suspensas e parte das famílias alojadas em habitação municipal pré-existentes”, escreveu ao P3 o gabinete de comunicação da autarquia.

No passado dia 26, a Mota-Engil mostrou interesse em integrar o fundo do Aleixo, situação que “permitiria, depois das devidas correcções ao contrato e ao programa, concluir o projecto com os mesmos princípios”. É nesse cenário que o executivo de Rui Moreira está a trabalhar para “viabilizar o projecto e avançar mais rapidamente para a solução que resolverá, nomeadamente, o problema de cerca de cem famílias que ainda habitam as torres existentes”. “Esta é, portanto, a solução em que a Câmara Municipal investe neste momento, procurando acautelar, desta forma, o interesse público”, resume.

Em relação ao projecto alternativo de Paulo Moreira, a autarquia “não toma qualquer posição”. “As propostas e soluções académicas que arquitectos ou outros cidadãos vão concebendo, do ponto de vista conceptual, para a cidade e seus equipamentos, são sempre interessantes e bem-vindos à discussão abstracta da cidade, mas não devem ser comentadas pela Câmara enquanto instituição que, neste caso concreto, está contratualmente comprometida com outras soluções.”

Para além da autarquia e do empresário António Oliveira (36,8% do capital do fundo), os outros participantes no Fundo Especial de Investimento Imobiliário constituído em 2010 e alterado em 2012, são duas empresas do Grupo Espírito Santo, que detêm 33% do fundo e que se vão manter no negócio, apesar de impedidas de aumentar o capital (uma delas, a Rioforte, foi mesmo declarada insolvente em Dezembro no Luxemburgo).

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Simulação das torres do Aleixo com apenas seis pisos (clicar para aumentar) Paulo Moreira Studio

Tecnicamente, a demolição parcial seria feita andar a andar, a partir do topo. “Com a vantagem de que quando se chega ao andar onde se quer a obra está pronta”, disse Paulo Moreira, que já viu intervenções destas serem feitas em Luanda, onde está a fazer um doutoramento e onde aprofundou o interesse por bairros problemáticos. É uma solução “mais cara” do que a demolição total, mas como não exige construção posterior é, no total, mais barato.

A solução de torres de seis pisos seria, na verdade, um regresso ao projecto inicial de 1968, da Repartição de Casas da Câmara Municipal do Porto, com autoria do arquitecto Manuel Teles, feito com objectivo de realojar 320 famílias atingidas pelas demolições da Ribeira-Barredo. Posteriormente, a autarquia alterou o projecto inicial — não só lhe juntou mais sete pisos como “o conjunto de equipamentos sociais que unia três torres no piso térreo foi suprimido, a dimensão das janelas foi diminuída, o revestimento exterior foi alterado e as canalizações de água quente e chuveiro consideradas desnecessárias”, conta o Jornal de Arquitectura. 

O estado adiantado do processo Aleixo não é impeditivo de um recuo no processo? Havendo vontade política ainda há tempo. Só não sei se há vontade”, responde o vencedor do prémio Távora em 2012 que foi também aluno do arquitecto Manuel Teles. “A ideia fundamental, sublinha, é “relançar o debate” e “mostrar que há alternativas”.

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