Análise da 17ª jornada do Campeonato de Empatia

Há 15 dias, fiquei angustiado com o acidente aéreo da Germanwings. Vi os noticiários de todos os canais; andei pela Internet a pesquisar os parâmetros de segurança da cabine do Airbus A320; concordei com o meu vizinho de cima quando, no elevador, me disse que era um horror; cliquei em coraçõezinhos de várias fotografias do Instagram. Ao nível técnico-empático, estive estupendo.

Mas estraguei tudo na semana seguinte, ao não dedicar a mesma atenção ao massacre na Universidade de Garissa. Vi só o telejornal da noite e nem sequer me dei ao trabalho de ir ao Google Maps ver onde fica Garissa. Beneficiei os Alpes em detrimento do Quénia.

Sou relapso nesta inconsistência. Já me tinha acontecido o mesmo depois do massacre no Charlie Hebdo. A aflição pelo que aconteceu em Paris não foi a mesma em relação às chibatadas aplicadas a Raif Badawi, o bloguista saudita.

Felizmente, posso sempre contar com a multidão de apontadores de hipocrisia que, de imediato, assinalam incoerências na intensidade dos compadecimentos.

São os super-heróis da comiseração. Depois das equipas de salvamento à procura de caixas-negras, vêm os guardiões da empatia há procura de ovelhas negras que não dediquem exactamente o mesmo grau de tristeza a todas as tragédias. Pesam o pesar, em pequenas balanças pleonásticas. À velocidade com que denunciam a dualidade de compaixão, é provável que também meçam a olho.

Pugnam pela equidade na lamentação, opõem-se a hierarquias de transtorno. E exigem que todas as calamidades tenham o mesmo espaço nos jornais, seja uma inundação em Alcântara ou em Manila.

Esta semana, voltei a falhar. Enquanto a morte de Manoel de Oliveira me fazia pena, lembrei-me que não lamentei o falecimento de Wu Tianming, o realizador chinês que se finou no ano passado. Eram ambos cineastas venerandos, assisti ao mesmo número de filmes de Wu Tianming e de Oliveira (cerca de zero), estão igualmente cadáveres. O que me faz borrifar na equidistância?

Ainda por cima, sou faccioso não só na resposta a grandes catástrofes e desgraças menores, mas também face a bagatelas sem carga dramática. Por exemplo, há tempos li uma notícia sobre os possíveis nomes para a filha do Príncipe William e, após breve reflexão, concluí que não sei o nome de nenhum dos 25 filhos do Rei Mswati III, da Suazilândia. Aliás, na altura nem sabia que o Rei Mswati III tem 25 filhos. Ou, sequer, que é o Rei da Suazilândia. Aliás, ignorava que a Suazilândia é uma monarquia. Vou ser franco: nem sabia que é um país, julgava que era um parque temático. Tive de me wikinformar para escrever este texto.

Tenho inveja dos paladinos da equidade, que conseguem racionar a mesma quantidade de lágrimas para uma morte na família, a morte de um vizinho ou a morte de um estranho. Apresentam uma notável regularidade exibicional na comiseração. Devem ter descoberto o segredo para se comoverem o mesmo por todos. Desconfio que seja não se comover por nenhum.     

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