Entre a música e um emprego

Protesto inédito contra o Governo cabo-verdiano chegou ao AME, que deverá chegar pelo menos às 13 edições – se o novo Governo o quiser salvar.

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Mário Lúcio, ministro da Cultura d DR

Teria sido impossível, até no melhor dos cenários, manter longe do do Atlantic Music Expo (AME) os fortes protestos contra o Governo cabo-verdiano das últimas semanas, mas eles chegaram ao Palácio Ildo Lobo logo na terça-feira de manhã, e através do mais inesperado dos anfitriões, o ministro do Ensino Superior e da Ciência António Correia Silva.

Sentado ao lado do sr. AME, o ministro da Cultura Mário Lúcio, Correia Silva contou que tinha visto essa manhã, day-after de mais uma jornada de manifestações, “o protesto de um jovem contestatário como todos os jovens devem ser” nas redes sociais – algo como “Não queremos mais música, queremos trabalho”. “Quero dizer-lhe: então venha, queremos música que gere trabalho”, declarou o ministro de um Governo em risco. E foi então que, quando nada o fazia esperar depois dos pouco entusiásticos discursos da sessão de abertura, Mário Lúcio garantiu que “vai haver AME por mais dez anos”: “Sempre dissemos que a partir da terceira edição queríamos que o AME saísse das mãos do Governo para se livrar de ciclos políticos. O ministro mais louco que Cabo Verde já teve fui eu, mas pode vir um menos louco e esse fará mais estragos. É preciso salvar as coisas. Coloquei essa questão ao Governo e tanto o primeiro-ministro como a ministra das Finanças disseram que vamos continuar. Quando a sociedade civil e os outsiders se organizarem, haverá acordo. O Governo continuará a co-financiar e a garantir a segurança, o protocolo, a diplomacia. É possível que ainda este ano assistamos à oficialização da perenização do AME, porque o país percebeu.”

A avaliar pelo protesto citado por Correia Silva, é duvidoso que tenha percebido. Com 220 delegados a participarem nesta terceira edição do mercado, metade pagando a sua inscrição, outra metade a convite, Christine Semba, a representante da Womex que produz o AME em parceria com o Ministério da Cultura e com a produtora Harmonia, estava mais uma vez optimista: “A música representa 25 mil empregos num país com cerca de 500 mil habitantes. Há dias estava num café e a empregada de mesa só dizia ‘obrigada, obrigada, esta é a semana mais forte do ano’. Não é só um acontecimento musical, tem um impacto económico enorme – basta ver como estão os hotéis e os restaurantes.” Nisso, repete Christine Semba, o AME voltou a ser “vítima do seu próprio sucesso”, que a representante da Womex mede sobretudo pela reacção dos estreantes. “Esse feedback continua muito positivo. Há sempre esta energia incrível, e esta incrível doçura também – e há sempre esta música, evidentemente”, frisa ao PÚBLICO bem agarrada à sua disputadíssima cadeira do Café Sofia, mesmo em frente ao palco onde anteontem o Presidente da República e Mário Lúcio encerraram oficialmente mais um AME antes de um concerto com entrada gratuita.

Confiante no sucesso dos conferências e dos intercâmbios one-to-one, “nomeadamente com figuras tutelares como Awadi [ver texto principal]”, e da abertura do mercado à cultura DJ, a representante da Womex lamenta apenas que continuem a faltar “mais delegados cabo-verdianos”. Culpa do “processo revolucionário” em curso? “Confesso que não o senti verdadeiramente”, responde Christine. Minutos depois, uma gigantesca ovação ao Presidente da República José Carlos Fonseca, acabado de vetar o diploma que previa um aumento de 65% na remuneração dos deputados, dá por encerrada mais uma edição do mercado: “A nossa identidade é construída particularmente pela nossa música e espero que o sucessor do Mário Lúcio tudo faça para que o AME continue e se torne a marca de Cabo Verde.”

O PÚBLICO viajou a convite da Tumbao
 

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