“Lisboa tem tudo para ser, se quiser, a sede da Volvo Ocean Race”

José Pedro Amaral, líder da empresa que organiza a etapa portuguesa da competição, quer redefinir o papel da capital na maior regata à volta do mundo. E acredita que as condições oferecidas são “imbatíveis”.

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Nuno Ferreira Santos

A Volvo Ocean Race, a maior regata à volta do globo e um dos cinco maiores eventos desportivos a nível mundial, chegou no início desta semana ao Brasil e tem o regresso previsto para Lisboa, o último stopover da prova 2014-15, a 25 de Maio. A organização da etapa nacional da competição, que se realiza de três em três anos, estará a cargo da Urban Wind, empresa liderada por José Pedro Amaral, que quer fazer “crescer uma relação mais permanente e duradoura” entre a Volvo Ocean Race e a capital portuguesa. No entanto, por existirem “poucos eventos desportivos que tenham tanto a ver com o país e com Lisboa como esta prova”, Amaral aponta para objectivos mais ambiciosos, que passam por fazer da capital portuguesa a base da Volvo Ocean Race a partir de 2020.

A pouco mais de mês e meio da chegada a Lisboa, como estão os preparativos para receber a Volvo Ocean Race?
Estão em ritmo de 100 metros, mas a correr uma maratona. O caderno de encargos é exigente. Estamos a falar de um dos cinco maiores eventos desportivos a nível mundial e a exigência é bastante grande. Mas estaremos preparados. Estamos na fase final dos preparativos antes de entrarmos em obra e iniciarmos a construção da Race Village. Daqui até aos barcos chegarem, será um saltinho, mas tudo estará pronto.

O orçamento rondará os quatro milhões de euros…
Esse será o valor total, o orçamento conjunto. O investimento da Urban Wind será de cerca de três milhões de euros, que se dividem em dois milhões do caderno de encargos, mais um milhão que decidimos investir. Entendemos esta prova, para além de um evento desportivo, como uma plataforma comercial e queremos ter uma zona corporate, onde as empresas se possam encontrar. A Volvo Ocean Race já traz muitos patrocínios agarrados a ela, quer pela própria prova, quer pelos barcos concorrentes e temos muitos patrocinadores nacionais. Quisemos, por isso, iniciar uma plataforma comercial que permita a todos os patrocinadores ter o retorno do seu investimento.

Numa época de crise, foi difícil reunir os apoios necessários?
Não foi fácil, é um facto. Mas também não posso dizer que tenha sido verdadeiramente difícil. Gosto sempre de analisar isto de duas maneiras. Por um lado, o timing não é o melhor e as empresas nacionais e o país sofrem com a crise. Mas esta prova tem o encanto de ser um evento que não é preciso explicar muito. Um campo de futebol é um campo de futebol em qualquer sítio, tal como um palco de um festival de música — e não estou a tirar mérito a esses eventos —, mas Lisboa é insubstituível na Volvo Ocean Race.

Que impacto terá para a economia do país?
Todos temos bem presente a importância e o valor que a chama-da “economia do mar” já tem para o nosso país. Do ponto de vista turístico, e numa outra vertente da economia, é preciso sublinhar que, para além do número de turistas, que serão muitos, que vão visitar Lisboa, a prova traz agregado um dos nossos produtos turísticos mais importantes, que é o mar. Há toda a simbiose destes vectores e mais-valias, que fazem desta prova uma competição muito especial. O momento não ajuda, mas é nestas alturas que se encontram novas oportunidades. A tendência no retorno económico é de crescimento e, se nós quisermos, se a cidade de Lisboa quiser e se o país quiser, vai ser fácil fazer crescer uma relação mais permanente e duradoura com a Volvo Ocean Race…

Que passará por…?
Depois da aventura de organizar um evento deste tamanho em seis meses, o desafio é estabelecer uma relação mais permanente entre Lisboa e a Volvo Ocean Race. Sinto esse empenhamento na Câmara Municipal de Lisboa, na Administração do Porto de Lisboa e na Direcção-Geral de Política do Mar. Organizaremos a prova em 2015 e 2018, mas estamos empenhados em que esse hiato de três anos seja ocupado de forma permanente por alguma estrutura significativa da Volvo Ocean Race em Lisboa. Depois, com a saída da prova em 2017 de Alicante, Lisboa tem tudo para ser candidata a sede da Volvo Ocean Race. Há poucos eventos desportivos que tenham tanto a ver com o país e com Lisboa como esta prova.

O contrato com Alicante termina na próxima edição, em 2017-18. Lisboa vai avançar como candidata a substituir Alicante a partir de 2020?
Lisboa tem tudo para ser, se quiser, a sede da Volvo Ocean Race. É um local único. É a única capital europeia que faz parte da rota, temos um fantástico campo de regata de vela oceânica e não é por acaso que o Abu Dhabi Ocean Racing, que está à frente da prova, escolheu Cascais para campo de regata de treino. Todas as partes nacionais envolvidas reconhecem esta prova como uma mais-valia. A oportunidade é única.

Havendo as condições ideais e a vontade, o que falta para Lisboa ser a base da Volvo Ocean Race a partir de 2020?
Falta trabalho (risos).

O impacto económico para Lisboa seria muito relevante…
O impacto económico directo é significativo: só com o stopover, é de mais de 30 milhões de euros. Em Alicante, uma cidade média de Espanha, o impacto económico é de mais de 80 milhões de euros. É esta proporção que torna tudo isto numa oportunidade. Se Lisboa adoptar esta prova como sua e formos capazes de organizar o maior e melhor Volvo Ocean Race de sempre, Lisboa tornar-se-á insubstituível no futuro do evento.

Há concorrência?
Sim. Espanha, sempre a Espanha, e França.

Pelo que conhece, o que pesará mais na decisão final?
As condições oferecidas, e penso que aí somos imbatíveis. Em Lisboa, temos óptimas condições climatéricas, o nosso preço-qualidade é muito elevado, Lisboa está na moda, o aeroporto tem boas ligações aéreas e está na cidade, há muitos voos low cost, o que ajuda muito, e há empenhamento institucional…

Esse empenhamento limita-se à Câmara de Lisboa ou será necessário o do Governo?
A Direcção-Geral de Política do Mar é do Governo de Portugal, não fala em nome próprio, mas o empenhamento mais importante é da cidade de Lisboa, e esse é indiscutível.

A mudança na Câmara de Lisboa trará algum recuo nesse apoio?
Foi o actual presidente, Fernando Medina, que fez a apresentação da Volvo Ocean Race e basta consultar as notícias da altura para perceber que o empenhamento para uma ligação mais permanente já era encontrado nas suas palavras.

A prova com uma partida de Lisboa teria, pela sua rota, um simbolismo histórico grande…
Num evento, muitas vezes, o difícil é inventar ou contar uma história. Neste, a história está escrita e confunde-se muitas vezes com a do nosso país. Costumo dizer que demos novos mundos ao mundo e uma rota à Volvo Ocean Race. Se olharmos para as pegadas que esta prova deixa no mar, encontramos a descida do Atlântico, a travessia do cabo Bojador e do cabo da Boa Esperança, a subida do Índico, a passagem por Cabo Verde, Madagáscar, Malaca, pelo Brasil, a travessia do estreito de Magalhães… Se virmos o que é esta volta ao mundo, vamos recordar a viagem dos nossos navegadores e reviver a História do país.

Em 2012, segundo os números da organização, a prova em Lisboa contou com mais de 200 mil visitantes. Em Auckland, neste ano, estiveram quase 400 mil. Que meta têm para este ano? É possível ultrapassar os neozelandeses?
No stopover de Lisboa queremos ultrapassar esses 400 mil visitantes. E é esse sinal que queremos dar e para o qual pedimos ajuda não só aos lisboetas, mas também a todos os portugueses. Auckland ficou perto dos 400 mil e nós temos que ambicionar ser o melhor e maior stopover da Volvo Ocean Race.

O que significa, na prática, ser o melhor stopover?
Os portugueses são fantásticos a receber e é voz comum nos bastidores da Volvo Ocean Race a simpatia que dizem encontrar sempre que vêm a Lisboa. É merecido fazer esse reconhecimento à Lagos Sport, anterior organizadora da prova. Ser melhor é receber bem, é dar as condições para fazerem uma fantástica Race Village, que não terá só a ver com vela, mas também com entretenimento e com a capacidade de acomodar um público que vai dos 8 aos 80 anos. Este é um evento totalmente gratuito em que é exigido ao promotor que estabeleça uma relação muito próxima entre quem visita e quem faz o stopover. Não há limites.

Lisboa é o último stopover da edição de 2014-15, sendo por isso a derradeira oportunidade para os visitantes terem um contacto quase directo com os barcos, que serão retirados da água para manutenção…
Sim, essa é mais uma mais-valia. É toda a construção dessa experiência no evento que o pode tornar o melhor. Além de nos preocuparmos com a construção da estrutura do que vai ser a Volvo Ocean Race, preocupamo-nos muito com a experiência que cada um dos visitantes terá no nosso evento. A parte de gastronomia que haverá na Race Village estará relacionada com o mar, o entretenimento com concertos que terão uma ligação à portugalidade e ao mar, os divertimentos associados às equipas também terão a ver com vento ou mar…

O previsível regresso da equipa dinamarquesa Vestas Wind à competição em Lisboa, depois do abandono na segunda regata, é mais um atractivo?
Sim, provavelmente vão voltar em Lisboa e essa é mais uma cereja para ser colocada em cima do nosso bolo.

A alteração do regulamento, que agora obriga a que todos os barcos sejam iguais, fez aumentar o interesse desportivo da Volvo Ocean Race e no início da semana, na chegada a Itajaí, no Brasil, os dois primeiros cortaram a meta separados por cerca de 15 minutos. Para a organização é um cenário perfeito…
Para a organização e para os espectadores. Após a chegada a Itajaí, recebi vários telefonemas no quais me diziam ser extraordinário que dois barcos [o terceiro e o quarto classificados] chegassem com uma diferença de apenas dois minutos após percorrerem um trajecto entre Auckland e Itajaí, de 12.000 quilómetros. Para quem segue a prova, é o melhor que se podia desejar. Nas últimas quatro etapas houve quatro vencedores diferentes. O que conta é o factor humano. Todos os velejadores que estão naqueles barcos são fantásticos atletas, são experientes, já fizeram várias voltas ao mundo e a competição é sempre renhida. O que tem desempatado é que a Abu Dhabi Ocean Racing [a equipa que lidera após as cinco primeiras etapas] treinou no nosso país (risos)… Está mais preparada.

A Volvo Ocean Race encontra-se neste momento em Itajaí e há uma ligação histórica do Brasil à prova. É quase impossível imaginar a corrida sem uma paragem em terras brasileiras?
O Brasil tem uma presença quase obrigatória e isso é também motivo de orgulho para a lusofonia. Penso que a Cidade do Cabo e a Nova Zelândia dificilmente não farão parte do roteiro da Volvo Ocean Race no futuro, mas o Brasil e Lisboa terão lugar cativo. Serão os quatro pilares da prova no futuro.

Compreende a troca do Rio de Janeiro, até 2012 a paragem habitual no Brasil, por Itajaí?
Pelas informações que recebi, houve uma tentativa de fugir ao congestionado Rio de Janeiro, que estava carregado de eventos: Campeonato do Mundo de futebol, em 2014, e Jogos Olímpicos, em 2016. Mas, por outro lado, a organização da prova está também a tentar criar um conceito de proximidade que será muito difícil de produzir numa cidade como o Rio de Janeiro e que é fácil em Itajaí, onde estava a cidade toda na doca à espera dos barcos. É provável que a prova não fique definitivamente em Itajaí, mas compreendo bem a opção e as imagens da chegada são a prova de que a opção foi correcta.

João Lagos, promotor do stopover anterior em Lisboa, equacionou contar com o apoio de empresas brasileiras para a organização da prova em Portugal. O mercado do Brasil é um filão a explorar?
Posso dizer-lhe que a Boulevard, que é uma das empresas que faz parte do consórcio Urban Wind, começou a sua ligação à Volvo Ocean Race por Itajaí. Neste momento, está uma equipa nossa lá, a trabalhar em conjunto com a organização brasileira. É preciso construir uma ligação entre os sítios e a prova e, para além disso, há a ligação da língua portuguesa, que nos une ao Brasil. Temos trocado opiniões com Itajaí.

Continua a faltar um tripulante português num dos barcos…
Por pouco (risos). Temos o Renato Conde, que está numa equipa de terra, e já fez uma regata costeira. Sim, falta, mas não falta vontade. Vários velejadores portugueses já me disseram que têm o sonho de participar na Volvo Ocean Race. O Renato é um exemplo e está a lutar pelo sonho dele. Está na equipa de terra da Mapfre e é o único responsável por uma parte decisiva no barco, que é mastro. Tem tido imenso sucesso e um dia vai fazer a Volvo Ocean Race num barco.

Em 2020 teremos a Volvo Ocean Race com partida de Lisboa e um velejador português num dos barcos?
Gostava muito… Tudo farei para que isso aconteça.

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