Há “fraude” nas empresas de media, diz relatório pedido pela ERC

Documento elaborado por jurista consultor da ERC defende aumento das obrigações de informação sobre proprietários directos e indirectos e mais poder para os reguladores.

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Tudo em Portugal parece ser julgado em função da excitação que causa e dos microfones que atrai Carlos Lopes

A acusação é feita de forma geral, sem se apontar o dedo a um grupo ou órgão de comunicação social específico, e consta de um relatório sobre a caracterização do sector dos media em Portugal encomendado pela ERC – Entidade Reguladora para Comunicação Social. “Há um caminho grande a percorrer em matéria de fraude na área da comunicação social, sendo que têm sido detectadas práticas que evidenciam algum desvio de comércio e de capitais”, lê-se no documento a que o PÚBLICO teve acesso.

O estudo de pouco mais de 30 páginas faz a análise económica e financeira da saúde de sete dos principais grupos de comunicação social portugueses durante o ano de 2013 com base nos relatórios e contas. Não foram estudados os grupos Controlinveste (que detém, por exemplo, o Jornal de Notícias, o Diário de Notícias e a rádio TSF), e Ongoing (dono do Diário Económico e da ETV e com participação na PT) porque os documentos de prestação de contas não estavam disponíveis, justifica o autor, o jurista Guilherme W. d’Oliveira Martins, especialista em questões fiscais, financeiras e de auditoria.

O documento analisa assim as contas da ZON Optimus, resultado da fusão realizada em 2013, da Impresa, Media Capital, RTP, Cofina, Grupo Renascença e Sonaecom (proprietária do PÚBLICO). O trabalho, de carácter anual, foi enviado pela ERC à comissão parlamentar de Ética, onde está em discussão a proposta do PS sobre a transparência dos órgãos de comunicação social que implica, entre outras novas regras, a identificação de toda a cadeia de propriedade das empresas de media.

Questionado pelo PÚBLICO, o autor diz que o relatório tem uma “visão prospectiva” e que não pretende apontar a dedo casos, mas antes alertar para a necessidade urgente de criar mecanismos preventivos. Mas admite que há “áreas mais susceptíveis” onde a fraude é bem possível, como é o caso dos programas e concursos associados a chamadas de valor acrescentado.

O circuito e a forma de gestão dessas receitas não são muito claros e envolvem a criação de empresas intermediárias sedeadas noutros países, não sendo muito fácil perceber a circulação do dinheiro, descreve Oliveira Martins. Não se tratando de mecanismos ilegais ou ilícitos, a verdade é que acabam por distorcer a realidade financeira das empresas, acrescenta o jurista que realça que este cenário é considerado pelas normas internacionais de auditoria com um “indício de fraude”. “Há uma teia de negócios paralelos que estão longe do negócio fundamental da produção de conteúdos que é, afinal, o centro de uma empresa de media.”

Olhando para alguns indicadores, 2013 foi mais um ano cinzento para o sector: dos sete grupos, apenas a Zon Optimus e a Sonaecom tiveram uma taxa anual de crescimento do volume de negócios positiva (25,4% e 12,2%, respectivamente). A Impresa manteve-se em zero, a Media Capital recuou 10%, a RTP caiu 9%, a Cofina perdeu 8,3%, e a Renascença 21,1%. O problema é que este cenário negativo não é só de agora. Quando se analisa a evolução entre 2007 e 2013 percebe-se que o volume de negócios dos sete grupos caiu, no total, quase 30% nesse período, assim como perderam 21% do seu quadro de pessoal.

“A análise mais aprofundada dos dados e a ausência de conhecimento quanto à origem e destino dos meios de financiamento deste sector reclama que seja feito um trabalho (…) quanto à honestidade e integridade da gerência e dos encarregados de governação das entidades”, aponta o autor, que especifica: “Está por clarificar qual a verdadeira relação entre os órgãos de comunicação social e os intermediários financeiros.”

Por isso, tal como o ministro Miguel Poiares Maduro defendeu no Parlamento, também Guilherme W. d’Oliveira Martins considera que a lei deveria obrigar a um controlo mais apertado sobre as fontes de financiamento dos media e sobre toda a rede de propriedade directa e indirecta. Mas não só: é preciso também estabelecer mecanismos pesados de sanção. “Hoje, quem não quiser não entrega a documentação à ERC para o portal da transparência. Mas essa infracção não tem qualquer sanção e isso quer dizer que então vale a pena não cumprir”, aponta o jurista.

“Seria útil proceder a alterações legislativas no campo do aprofundamento das obrigações de divulgação de informação até aos efectivos beneficiários das participações que, muitas das vezes, são detidas, a um nível intermédio, por meros intermediários financeiros”, vinca Oliveira Martins, acrescentando que as entidades reguladoras, em especial a ERC, deveriam ter “mais poder” nestas matérias.

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