O desporto português corre o risco de viver apenas de "exemplares únicos"

O Comité Olímpico de Portugal diz que não é o reduzido financiamento ou a falta de infra-estruturas que explicam a escassez de resultados desportivos e aponta outras causas.

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Emanuel Silva e Fernando Pimenta conquistaram a medalha de prata nos Jogos Olímpicos de Londres DARREN WHITESIDE/Reuters

O desporto português não fica bem no retrato elaborado pelo Comité Olímpico de Portugal (COP), num documento que será apresentado nesta quarta-feira aos partidos políticos com assento parlamentar e às federações desportivas. A questão do financiamento é desdramatizada (mas não desvalorizada), a proliferação de centros de alto rendimento merece críticas e as conclusões são pouco animadoras. Os resultados obtidos em grandes competições são fortuitos e dificilmente repetíveis, porque os atletas em causa são a excepção que confirma a regra: falta um modelo de desenvolvimento estável e sustentável. O papel do sistema escolar deve ser repensado, sublinha o COP, e encorajado o envolvimento das grandes empresas ao nível do financiamento do desporto.

O diagnóstico fica feito logo no segundo parágrafo: “Portugal tem um número diminuto de modalidades na primeira linha da alta competição mundial e, nas que alcançam esse estatuto, o número de atletas é igualmente diminuto. Os êxitos individuais em competições de primeira grandeza (Jogos Olímpicos, Campeonatos do Mundo ou da Europa) são devidos, na sua maioria, a ‘exemplares únicos’, circunstancialmente emergentes de contextos particulares e normalmente irrepetíveis, que não reflectem nem podem assegurar ao país um nível representativo estabilizado”, pode ler-se no documento intitulado “Valorizar e afirmar socialmente o desporto: Um desígnio nacional”, a que o PÚBLICO teve acesso.

A irregularidade dos resultados verifica-se apesar de as condições logísticas serem actualmente muito superiores ao que alguma vez foram: “O quadro de carência generalizada ao nível das infra-estruturas de qualidade que ‘explicava’ a modesta expressão do país no concerto desportivo das nações foi razoavelmente alterado, sem que os ganhos qualitativos tenham acompanhado esse enorme investimento. Com efeito, muitos desses equipamentos estão subutilizados, quando não mesmo inoperacionais.”

Um caso paradigmático dos investimentos realizados “sem uma clara visão” e “sem um rigoroso estudo e definição estratégica” é, para o COP, o dos Centros de Alto Rendimento – entre aqueles já construídos e a funcionar e os que estão em análise, há 13 pontos no mapa desenhado pela Fundação do Desporto. “Verificou-se a disseminação de estruturas e equipamentos oficialmente classificados como Centros de Alto Rendimento, os quais, em diversos casos, estão longe de reunir os requisitos necessários para uma oferta de serviços nos termos anteriormente mencionados, vulgarizando e banalizando o conceito de ‘alto rendimento’”, lamenta o COP.

Esta realidade também é prova de que há outros problemas que não os estritamente relacionados com o dinheiro disponível para investir no apoio aos atletas, admite-se no documento do COP: “O financiamento é uma questão relevante, mas que não assegura por si só a excelência desportiva de um país, como se pode deduzir da comprovada superioridade olímpica de muitos países cujos indicadores económicos e sociais, ou o seu índice de desenvolvimento humano, os situam abaixo dos valores que Portugal apresenta.”

Há dados que ajudam a perceber esta discrepância, como o número de atletas a praticar desporto federado em Portugal. “Não apresenta crescimentos significativos e várias são as modalidades em que a tendência é regressiva”, aponta o COP. E, ainda que a actividade física desportiva informal ou de lazer traduza uma maior participação quantitativa, a constatação do organismo liderado por José Manuel Constantino é que “o desporto de excelência/alto rendimento tem vindo a tornar-se de difícil sustentabilidade pontuado, aqui e ali, pelo êxito ocasional de alguns excelentes atletas.”

Outro facto com influência é a falta de envolvimento do sistema escolar no desporto. “Porque a natureza não é pródiga em talentos excepcionais, são precisamente esses que o sistema educativo tem a responsabilidade de identificar”, frisa o COP, lançando críticas à “menorização e desvalorização das actividades físicas e desportivas” no processo educativo. Neste âmbito, são feitas propostas concretas como a introdução da “obrigatoriedade do desporto/jogos pré-desportivos nas actividades curriculares das crianças do 1º ciclo”, desenvolver os programas de preparação olímpica numa base temporal mínima de dois ciclos olímpicos (oito anos), ou ainda organizar o percurso escolar dos jovens atletas de modo a compatibilizar os estudos e a preparação desportiva, nos termos já adoptados para outras áreas artísticas.

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