Carlos Vargas regressa ao São Carlos à espera de um programador

Gestor cultural conhece bem a estrutura que gere o São Carlos e a CNB. Pinamonti poderá retomar funções como consultor, mas para já não há qualquer confirmação oficial.

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O novo director-geral – o primeiro, já que até aqui o cargo não existia dentro do Opart – não assume estar à espera de Pinamonti Enric Vives-Rubio

Carlos Vargas é o novo director-geral do Organismo de Produção Artística (Opart), entidade que gere o Teatro Nacional de São Carlos e a Companhia Nacional de Bailado. O convite a este gestor cultural com um currículo já longo ligado tanto a este teatro de ópera como à companhia de dança partiu do presidente do Opart, José Monterroso Teixeira, com quem aliás trabalhou num livro editado recentemente sobre o São Carlos.

Apesar de estar em funções há quase um mês, e de a notícia da sua nomeação ter sido avançada pela agência Lusa a 27 de Março, só esta quarta-feira foi mais amplamente difundida, quando o semanário Expresso, na sua edição online, associou a sua chegada ao regresso de Paolo Pinamonti como consultor artístico do São Carlos, cargo que deixou em Dezembro do ano passado, envolto em grande polémica. O PÚBLICO não conseguiu, até agora, confirmar a recondução de Pinamonti como responsável pela programação, nem junto do Opart, nem da Secretaria de Estado da Cultura, já que José Monterroso Teixeira, presidente do conselho de administração daquele organismo, permaneceu incontactável e Jorge Barreto Xavier, tutelar da pasta, preferiu manter a distância. Pinamonti, contacto pelo PÚBLICO, remeteu para mais tarde as suas declarações.

Reagindo à nomeação de Carlos Vargas, e ao hipotético regresso do musicólogo italiano, o secretário de Estado esclareceu apenas, através de um breve email enviado pelo seu assessor de imprensa, João Póvoas, que a criação de um cargo de director-geral numa empresa pública – no caso, o Opart – “decorre das competências do respectivo conselho de administração no quadro da legislação em vigor”. O mesmo se passa com o de consultor artístico: “No que diz respeito à situação contratual entre Paolo Pinamonti e o OPART, essa é uma matéria da competência do OPART."

O musicólogo e programador, que já foi director do teatro de ópera entre 2001 e 2007, tendo visto o seu trabalho largamente reconhecido, renunciou ao lugar de consultor artístico, que assumira em Setembro de 2013, no final do ano passado. Em causa estava a lei espanhola que regula a actividade dos detentores cargos públicos e que não lhe permitia acumular as funções em Lisboa com as do Teatro da Zarzuela, em Madrid, que dirige desde 2011.

Carlos Vargas, 48 anos, o novo director-geral, também ainda não tem conhecimento de que a situação de Pinamonti esteja já resolvida. “Sei que tem havido negociações entre Paolo Pinamonti e o Opart, através de José Monterroso Teixeira, mas não fui informado oficialmente de que haja um desfecho que me permita dizer que já temos um consultor artístico e que esse consultor continua a ser Pinamonti.”

Vargas diz, no entanto, que "a casa" está completamente preparada para receber uma nova programação lírica e coral-sinfónica, a que vai de Setembro de 2015 a Julho de 2016, já que o musicólogo deixou desenhada a que termina em Julho deste ano. "Não tenho qualquer data [para o anúncio do consultor artístico]. Mas espero, e desejo, que aconteça a qualquer momento."

O novo director-geral – o primeiro, já que até aqui o cargo não existia dentro do Opart – não assume estar à espera de Pinamonti, mas não lhe poupa elogios nem deixa de dizer que não concebe um cenário em que o São Carlos não tenha à frente da sua programação “alguém com créditos dados”.

“Tive a sorte de trabalhar na Companhia Nacional de Bailado [CNB] com o Jorge Salavisa e é o Paolo Pinamonti que me convida para o São Carlos naqueles que foram três anos muito felizes, os do Anel”, diz Vargas, referindo-se ao período de direcção artística em que o programador italiano apresentou no teatro lisboeta a tetralogia O Anel do Nibelungo, de Wagner, numa encenação do britânico Graham Vick. “Salavisa e Pinamonti são dois profissionais excepcionais que têm a particularidade de gostar de ensinar.”

O mediador

O currículo de Carlos Vargas na gestão cultural é vasto e cruza-se por diversas vezes com o universo do Opart. Um cruzamento que é, ao mesmo tempo, um testemunho das mudanças a que o São Carlos tem sido sujeito desde os finais da década de 1990.

Com uma formação em Línguas e Literaturas Clássicas e um doutoramento em Políticas Públicas, Vargas iniciou os seus contactos profissionais com o São Carlos quando o teatro era ainda uma fundação (foi membro do Conselho de Fundadores em representação do então Ministério da Cultura entre 1995 e 1998) e com a CNB como subdirector, entre 1997 e 2004. É precisamente em 2004 que se torna vogal do conselho directivo do teatro, já transformado em instituto público, cargo que ocupou até passar a presidente interino do mesmo conselho, três anos mais tarde. Mas, justamente em Maio de 2007, a criação do Opart determina a sua passagem a vogal do conselho de administração da nova entidade gestora (2007-2010).

Vargas conhece bem as casas que agora deverá interligar como director-geral. Isso foi, aliás, o que lhe pediu o historiador de arte e gestor cultural Monterroso Teixeira quando o convidou. “Aceitei o convite porque queria voltar a viver a experiência incrível de ver toda esta filigrana trabalhar, sobretudo os vários corpos artísticos”, diz. “O presidente do Opart chamou-me para que eu construa uma ponte estável entre esta entidade de gestão e os diferentes corpos artísticos - teatro e companhia - e os seus directores. Chamou-me para criar um efeito de mediação sistemática." Facilitar é imperioso, reconhece, já que os obstáculos existem e são grandes.

Por "indicação política"

“A falta de um director artístico no São Carlos é uma questão central, mas que tem sido atenuada porque esta casa está muito unida internamente para garantir a execução da programação.” Vargas salienta o trabalho de Joana Carneiro, maestrina titular da Orquestra Sinfónica Portuguesa, o de Giovanni Andreoli (maestro titular do coro) e o de João Paulo Santos (director de estudos musicais e coordenador do estúdio de ópera), “apoio extremo na resolução de problemas na ausência de um director artístico”.

Pelo contrário, na CNB a situação é de grande estabilidade no plano artístico. Vargas e Luísa Taveira, que dirige a companhia há cinco anos, já trabalharam juntos e reconhecem competências um no outro. “Tenho uma admiração imensa pela Luísa e pelo seu projecto artístico para a companhia. Tem funcionado muito bem”, diz o director-geral. “Há muito tempo que não me sentia tão apoiada”, acrescenta por seu lado Taveira, que sexta e sábado leva a companhia ao Rivoli, no Porto, para a apresentação do programa de homenagem ao Ballet Gulbenkian. “O Carlos Vargas é culto, pragmático e muito atento à cultura em Portugal e no estrangeiro. É um interlocutor esclarecido. Esta chegada deixa-me felicíssima, é uma óptima notícia.”

Vargas quer ver a estabilidade artística na CNB alargada ao São Carlos, mesmo sendo obrigado a reconhecer - as palavras são suas - de que a tarefa tem vindo a ser dificultada porque há uma rotação "verdadeiramente alucinante" na gestão do Opart. "Como vogal, fiz parte do único conselho de administração que chegou ao fim do mandato. É preciso reflectir sobre o modelo, é certo, mas também é preciso reflectir sobre o facto de, desde o início, terem existido várias nomeações de indicação política."

Na sua passagem pela gestão da CNB, Carlos Vargas foi acusado, assim como Ana Pereira Caldas, de irregularidades financeiras no valor de mais de três milhões de euros. Estas irregularidades – entre elas estão o pagamento de despesas e a celebração de contratos individuais de trabalho não autorizados – foram identificadas pelo Tribunal de Contas numa auditoria de 2006, relativa ao exercício de 2004. Identificados os problemas, o Ministério Público propôs uma acção de responsabilidade financeira, acabando Vargas por restituir 23.500 euros ao Estado, o valor que lhe havia sido indicado.

Notícia actualizada às 18h50

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