Nova vaga de emigração: quem quer este país?

Ricardo Correia, que levou para Londres o livro “Todos os Poemas” de Ruy Belo, encontrou na frase “O meu país é o que o mar não quer” a melhor fórmula de descrever a mágoa que sente quem olha, e se vê forçado a olhar, o país de longe. Uma história verídica. E muitas estórias de emigração.

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Não foram as palavras textuais que ficaram a zunir na cabeça de Ricardo Correia, um jovem actor e encenador de Coimbra, mas a mensagem que o primeiro ministro transmitiu numa entrevista televisiva dada em vésperas de Natal de 2011 era só uma e era clara: não arranjam emprego? Emigrem! “Foi isso que ele nos quis dizer. Quem não encontra cá emprego, que emigre”, recorda o actor. Foi o que ele fez, logo no ano de 2012, não por não encontrar emprego, não porque tenha sido obrigado, mas antes porque teve a feliz oportunidade de aproveitar uma bolsa de valorização académica concedida pela Gulbenkian e ir passar um semestre a Londres, na LISPA - London International School of Performing Arts. Na sua turma estavam alunos de 17 países diferentes, mas não foi a multiculturalidade que impressionou Carreira. O que o impressionou foi ter encontrado tantos conterrâneos à procura da sobrevivência na cidade britânica.

 

"Não tinha ideia de que havia tantos portugueses a viver em Londres, nem que havia uma espécie de rede de entreajuda, muito ao estilo dos anos 60, para apoiar quem, como eu, ali chegava à cidade para viver”, conta Ricardo Correia ao P3. Teve a oportunidade de conhecer muitas histórias de vida: “Histórias muito diferentes, de quem agarrou uma oportunidade de trabalho, de quem lá chegou à procura de algo, de quem pretendia voltar para Portugal mas não tinha como”, explica. E acabou, no projeto final da bolsa que o levou a Londres, por transformar essas histórias em “provas concretas e factos verídicos” acerca da matéria de que é feita a emigração. “Se hoje em dia me parassem na Alfândega e me perguntassem se tinha alguma coisa a declarar, responderia: “Sim, tenho! E muito”.

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A peça "O nosso país é o que o mar não quis”, que é apresentada quarta feira, dia 9, no Teatro Académico Gil Vicente (TAGV) é um espetáculo documental auto-biográfico que deixa somar ao relato pessoal de Ricardo Carreira os muitos testemunhos que recolheu, através de cartas, e-mails, entrevistas e telefonemas junto da comunidade portuguesa a viver em Londres. Relatos que transformou em provas: os jovens fizeram o que o primeiro ministro disse; mas não estará a ser, propriamente, uma experiência fácil para todos.

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A frase escolhida do poema de Ruy Belo para o título da peça remete para mágoa. E para raiva. “Sim, encontramos tudo isso. Há uns que emigraram por opção, outros por necessidade, uns lutam pela sobrevivência, outros não têm condições de voltar. Mas todos eles, mesmo longe, recusam-se a deixar de olhar para o país, e para o que lá se passa”, esclarece o ator. A "morte ao meio dia", texto de Ruy Belo a retratar o Portugal de 1973 ganha actualidade, quatro décadas depois.

 


Ricardo Correia é diretor artístico da Casa da Esquina, a instituição que assina a produção deste espetáculo que foi apresentado em Portugal pela primeira vez, no Festival  de  Teatro  Cena Contemporânea  em  Matosinhos, num registo intimista que decorreu no café-concerto. Depois disso, esteve três semanas em exibição na Casa da Esquina, sempre em formatos pequenos e reservados.

 

 

Com a apresentação no TAGV é a primeira vez que se apresenta em teatro aberto, para um grande auditório. Depois disso, segue em itinerância, para Lisboa, Montemor-o-Velho e Bragança.


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