Cinco galerias concentram 30% dos artistas mostrados em museus dos EUA

Um estudo do jornal The Art Newspaper mostra que um pequeno grupo de galerias tem uma influência desproporcionada na programação dos museus de arte contemporânea.

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No Museu Guggenheim de Nova Iorque, mais de 90 por cento das exposições realizadas entre 2007 e 2013 mostram artistas representados por uma das galerias

Quase um terço das exposições individuais mais relevantes organizadas por museus norte-americanos entre 2007 e 2013 dizem respeito a artistas representados por um núcleo restrito de cinco galerias.

É esta a conclusão a que chegou o jornal The Art Newspaper, que analisou cerca de 600 exposições de 68 museus e verificou que 30% dos artistas eram representados pelas galerias Gagosian, Pace, Marian Goodman, David Zwirner e Hauser & Wirth.   

Num artigo assinado por Julia Halperin, o The Art Newspaper sugere que estes números levantam questões sobre “a influência crescente de um pequeno número de galerias num mercado de arte em rápida consolidação”, questões que se tornam ainda mais pertinentes nos casos em que as galerias oferecem aos museus apoio logístico e financeiro para estas exposições.

Estes resultados também indicam que os museus poderão não estar a fazer tudo o que deviam para divulgar arte à qual o público de outro modo não teria acesso.

Os museus “deviam estar a olhar para um espectro muito mais vasto de artistas”, defende o reitor da Yale University School of Art, Robert Storr, argumentando que “os curadores estão a delegar as suas responsabilidades” em galeristas “muitas vezes mais curiosos e ousados do que os seus parceiros institucionais”.

A influência destas cinco grandes galerias varia consoante o museu em causa, mas há casos, como o do célebre Museu Guggenheim de Nova Iorque, em que mais de 90 por cento das exposições realizadas entre 2007 e 2013 mostram artistas representados por uma delas. E não foge à regra a exposição que ocupa neste momento a célebre rampa em espiral do museu nova-iorquino: On Kawara – Silence, do artista japonês On Kawara, que morreu em 2014 e era há muito representado pela galeria de David Zwirner.

No Museu de Arte Moderna de Nova Iorque (MoMA), a presença de artistas das cinco “grandes” não é tão hegemónica, mas abarca, mesmo assim, 45% das exposições.

Alguns observam que o facto de tanto os museus como as galerias de topo apostarem em artistas em meio de carreira e que estão no pico do seu reconhecimento crítico torna inevitável alguma sobreposição de nomes. Marion Goodman, da galeria homónima, parece confirmar esta ideia quando afirma que prefere investir em “artistas que irão ser reconhecidos por muito tempo, e não apenas durante um ano ou dois”.

Uma elite de 300 artistas
Do lado dos museus argumenta-se que não faria sentido discriminar negativamente os artistas por serem representados por uma das galerias dominantes. Helen Molesworth, do Museu de Arte Contemporânea de Los Angeles (LA MoCa) – que recorre ao cardápio de artistas destas cinco galerias em 40% das exposições individuais –, pergunta: “O que é que havemos de fazer? Eles [os galeristas mais influentes] têm artistas espantosos”.

Já a linha de defesa de Massimiliano Gioni, director artístico do New Museum de Nova Iorque – que partilha nestas estatísticas a posição do LA Moca (40%) –, é a de sugerir que, embora recorra bastante a artistas das referidas galerias, tende a concentrar-se nos que têm ainda menor visibilidade. Segundo os números que adiantou ao The Art Newspaper, 85% dos artistas que o museu apresenta não tinham tido antes qualquer grande exposição num museu de Nova Iorque ou do país.

Mas a sobre-representação de artistas de uma determinada galeria pode também resultar de uma mera coincidência de gostos. Helen Molesworth conta que quando era curadora do Instituto de Arte Contemporânea de Boston, antes de ir dirigir o LA MoCa, constatou a dado momento que a presença de artistas latino-americanos era tão avassaladora que o museu “corria o risco de se tornar numa Kurimanzutto [uma importante galeria com sede na Cidade do México] do Norte”. Molesworth explica que, embora a escolha dos artistas se processasse com toda a naturalidade e não resultasse de quaisquer interesses menos legítimos, “foi preciso fazer ajustamentos para evitar mesmo a aparência de que havia um problema”.

Para se perceber melhor o significado das estatísticas que o seu artigo divulga, Julia Halperin acrescenta outros números relevantes. Os museus americanos mais relevantes estariam desproporcionadamente focados num grupo de cerca de 300 artistas, o que também poderia ficar a dever-se à pressão exercida sobre os curadores para garantirem que cada exposição atraia um número de visitantes considerado satisfatório. Um objectivo que “torna menos provável” , diz Robert Storr, que se arrisquem a “organizar exposições individuais que sirvam para apresentar ao público um artista desconhecido”.

Esta elite de 300 artistas que monopoliza as exposições de arte contemporânea nos museus constitui uma pequeníssima fracção (0,15%) dos mais de 200 mil artistas que vivem nos EUA, de acordo com um relatório de uma agência federal independente de apoio às artes, o National Endowment for the Arts. Do mesmo modo, as cinco galerias que parecem controlar a programação dos museus americanos são uma pequena parcela das centenas de galerias relevantes que participam nas grandes feiras internacionais de arte, incluindo as que têm lugar nos Estados Unidos.

Dinheiro e informação
Se a predilecção dos curadores por artistas representados por determinadas galerias pode ter explicações inocentes, também há boas razões para se crer que os apoios financeiros e técnicos que a galerias se dispõem a prestar influenciam as escolhas dos museus.  

Na preparação de uma grande exposição individual, as galerias oferecem aos curadores acesso a imagens de arquivo, pagam custos de transporte, encomendam centenas de catálogos e ajudam a financiar a festa de inauguração, resume The Art Newspaper com base em várias fontes. “Se um museu importante está a namorar um artista nosso para uma exposição, alinhamos no jogo tanto quanto tivermos de alinhar”, disse ao jornal o director de uma galeria de média dimensão.

Dos responsáveis das “cinco grandes”, só Marian Goodman aceitou falar com Halperin. “Os museus são muito importantes para nós, mas não os queremos comprar, queremos facilitar-lhes o trabalho de investigação, dando-lhes acesso aos nossos arquivos e fornecendo-lhes toda a informação que tivermos”, diz a galerista.

Haverá também casos frequentes de financiamento directo de exposições, e alguns deles foram tornados públicos. Segundo o jornal The New York Times, uma exposição de Takashi Murakami no LA MoCA, em 2007, recebeu dotações individuais de três galerias (incluindo a Gagosian), cada uma delas no valor de centenas de milhares de dólares. Somas elevadas, mas que podem ser razoavelmente irrelevantes quando comparadas com o impulso que uma grande exposição num museu pode dar às vendas de um artista.

Os directores de museus de arte americanos têm a sua própria associação, mas esta não tomou ainda qualquer posição sobre o tipo de apoios que se considera aceitável que os museus possam receber das galerias. E são raros os museus com critérios publicamente assumidos nessa matéria. Julia Halperin cita as excepções do MoMA e do Walker Art Center, em Minneapolis, que não aceitam apoio financeiro directo das galerias às exposições que promovem.

No balanço que fez para o PÚBLICO do que de mais relevante 2014 trouxe, em Portugal, ao mundo da arte, Nuno Crespo observa que, em detrimento das exposições colectivas, de investigação, se assiste “a uma deslocação da atenção nas obras para a atenção no artista e a uma insistência na exposição antológica, na afirmação da autoridade de um autor, na confirmação de um percurso”.

E acrescenta que “as exposições são hoje, sobretudo, reflexo das dinâmicas do mercado e não expressão da singularidade das propostas artísticas”. Num período de fortes constrangimentos, diz Nuno Crespo, “é o mercado que possibilita exposições, são os seus agentes que através de generosos patrocínios possibilitam e viabilizam exposições, pagam catálogos, oferecem obras a troco da promoção e valorização do conjunto certo de artistas”.

A consequência óbvia é que “as exposições que requerem mais investigação, mais tempo, maiores riscos, são secundarizadas e esquecidas”.

 

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