Vamos trocar cartas e postais e fazer novos amigos?

Se há coisa que preserva a vontade de continuar a escrever para moradas desconhecidas é “chegar a casa depois de um dia cansativo e perceber que se recebeu novos postais”

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Ana Melo

Uma “felicidade inesperada” é o que as cartas representam para Mariana Mamede. Por isso mesmo, ela sempre cultivou o hábito de escrever à família, aos amigos e às suas paixões. As histórias partilhadas — muitas vezes somente em papel —, os cheiros que o papel carrega e os sentimentos que a letra transmite, são alguns dos prazeres que a ligam à escrita.

Porque “cartas escritas por alguém de que se goste muito são mais do que cartas”, Mariana tem um carinho especial por aquela que recebeu da mãe no último aniversário, o vigésimo primeiro, que veio “embrulhada” num envelope.

A vontade de espalhar a alegria de ter a caixa do correio recheada levou Mariana a criar, em meados de 2012, o “Projecto Cartas Cruzadas”. Assim que lançada no Twitter, o pássaro azul ajudou a passar a mensagem às mais de cem pessoas que já participaram.

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Ana Melo

A ideia do projecto é conhecer pessoas que tenham vontade de trocar cartas e transmitir a felicidade deste pequeno gesto. A correspondência é feita entre a Mariana e quem queira participar, tudo de forma gratuita.

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O postal preferido de Fabiana Ana Melo

“Por vezes é difícil conciliar a vida pessoal e escrever atempadamente a todas as pessoas”, explica ao JPN a licenciada em Reabilitação Psicomotora na UTAD. No entanto, continuam a surgir novos pedidos de participação, alguns de países como França, Finlândia e Áustrália, e o "feedback" tem sido muito positivo.

Teresa Tomaz, de 25 anos, relaciona-se com as cartas de forma algo diferente: escreve-as aos amigos espalhados pelo país porque considera a Internet “algo despersonalizada e vazia”. Para a jovem, são vários os pormenores que tornam a carta um acto mais íntimo que revela o estado de espírito da outra pessoa, seja a letra ou o papel escolhido, e fazem deste ritual “um elo de ligação maior”.

Já lá vão quatro anos desde que o Postcrossing invadiu o quotidiano de Teresa e, graças a esta ideia lusitana que saltou para a web em 2005, nunca mais parou de trocar postais. O entusiasmo de conhecer novas culturas surgiu num ambiente de partilha, em que a vontade de mostrar a identidade portuguesa, “incluindo locais, expressões e estilos musicais”, era mais que muita.

Se há coisa que preserva a vontade de continuar a escrever para moradas desconhecidas é “chegar a casa depois de um dia cansativo e perceber que se recebeu novos postais”. Para Teresa, este passatempo até ajuda a combater o egocentrismo: “É como um relembrar constante de que existe no mundo muito para além de nós”.

“Embora seja agradável receber um postal esteticamente bonito, a verdade é que são as palavras que acabam por nos marcar”, diz Teresa ao JPN. Talvez por ser médica, um dos seus postais favoritos foi escrito por um colega de profissão chinês que relatou as complicações diárias que enfrenta no trabalho, aconselhando-a a “viver honesta e verdadeiramente, desfrutando cada momento”.

São várias as histórias caricatas que se guardam depois de anos a corresponder com pessoas de todo o mundo, mas há uma que Teresa não esquece: “Já recebi um postal totalmente em mandarim e fui incapaz de compreender uma palavra do que o remetente tinha escrito”.

Viajar sem sair do sítio

Fabiana Silva tem 22 anos, é estudante de Engenharia Química no ISEP, e sempre gostou de “trocar bilhetinhos”, mas começou a levar o assunto mais a sério aos 14. Nunca tinha saído de Portugal, eram muitos os locais que desconhecia e arranjou nos postais “uma boa maneira de ver as coisas”.

Agora que já anda nestas andanças há quase dez anos, o entusiasmo mantém-se: “É mesmo espectacular ir à caixa de correio e ver que tenho um postal novo, ver os selos e o que as pessoas escrevem”.

Graças ao "postcrossing", o serviço que usa para trocar postais, Fabiana conseguiu fazer algumas amizades e até se correspondeu com uma rapariga italiana durante dois anos, mas admite que “é difícil manter o contacto a longo prazo, porque a ideia é variar e falar com pessoas de sítios diferentes”.

Outra peculiaridade destas amizades fomentadas por borrões de tinta em papel é que não é imperativo conhecer as feições da pessoa que está do outro lado, o imaginário é que conta e, para Fabiana, “as redes sociais não existem”, porque “a primeira imagem que se tem da pessoa é aquilo que ela escreve”.

Hoje tem uma colecção que ascende aos 400 postais vindos dos quatro cantos do mundo: Bahamas, Austrália, Japão, Tailândia, Açores e por aí fora. O postal do coração é o dos Beatles, porque é a sua banda favorita, mas também gosta muito dos postais japoneses, porque é uma cultura que aprecia e que gostava de visitar.

Apesar de agora não enviar tantos postais como há uns tempos, já que “os selos estão caros”, e de ser uma fã incondicional das tecnologias — quer “um telemóvel novo” —, Fabiana mantém os postais bem presentes na sua vida, até porque gosta de conhecer novos locais pelos olhos das pessoas que lá vivem e quer preservar a magia “das coisas mesmo antigas”.

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