Beatriz, a jovem fotógrafa do cante quer ser cosmóloga

A jovem de 15 anos que fotografa desde os 13 com uma máquina herdada do pai, ainda não teve tempo para se aperceber o que aconteceu, mas reconhece que é “uma boa sensação” ver a sua fotografia seleccionada entre 6600.

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A fotografia que valeu o prémio o Beatriz Rocha foi registada no Teatro Garcia de Resende em Évora Beatriz Rocha

Beatriz Rocha ainda não se habituou à ideia. “Ainda não consegui parar um bocadinho para reflectir sobre o que verdadeiramente me aconteceu”. Desde há uma semana, o desassossego invadiu a sua vida, com o prémio anunciado de um dos maiores concursos de fotografia do mundo, o Sony World Photography Awards (WPA). Ao desassossego, junta-se a energia dos 15 anos de Beatriz. Quem lhe pergunte se é a contemplada recebe logo um convicto e telegráfico “Afirmativo!”.

A fotografia faz parte da família. Natural de Évora, é filha de Telmo Rocha, conhecido entusiasta da fotografia na região, e neta do “Velho Rocha”, jornalista e também fotógrafo. “Foram influências do meu pai”, explica. Começou com 13 anos a retratar o quotidiano do Alentejo, quando o pai comprou uma máquina nova. “Eu fiquei com a velha” recorda a jovem. Procurava, então, “tirar fotografias bonitas”. Passaram dois anos. “Agora já penso como as pessoas podem interpretar o que fotografo. Procuro ter maior sensibilidade nas coisas que registo”, como a que foi tirada ao Grupo de Cantares de Évora, no Teatro Garcia de Resende, uma semana antes da UNESCO declarar o cante alentejano como Património Imaterial da Humanidade.

Tudo começou numa iniciativa da Câmara de Évora, onde o pai trabalha como economista, e depois do comité de avaliação da UNESCO ter considerado “exemplar” a candidatura do cante. As expectativas de aprovação eram altas. Antecipando-se à decisão final, a autarquia procurou associar numa única imagem dois aspectos de uma memória em comum: a cidade de Évora Património Mundial da UNESCO desde 1986 e o cante Património Imaterial da Humanidade, simbolizado no Grupo de Cantares de Évora e no património histórico mais representativo.

Um dos testemunhos escolhidos foi o Teatro Garcia de Resende, onde Beatriz registou o momento que colocaria o seu registo fotográfico a circular pelo mundo. “Era quarta-feira, não tinha aulas de tarde e fui com o meu pai fotografar o grupo”. Não ficou parada a observar. Levava, como sempre, a máquina e começou a captar planos. “Num instante feliz apanhei os membros do grupo, descontraídos, à vontade e naturais”.

Foi precisamente esse pormenor que mais a cativou. A ela e ao painel de especialistas da Sony World Photography Awards liderado por Sam Barzilay, director de criação da United Foto Industries que a escolheu como a melhor foto da edição de 2015, do concurso Juventude, na categoria de Cultura e de entre mais de 6600 imagens.

O pai está atento à agitação que de repente tomou conta dos dias de Beatriz. “Não consigo imaginar o que se estará a passar no seu pensamento neste momento” confessa. Para além da esmagadora surpresa, esta jovem 15 anos vê à sua volta uma projecção mediática com consequências ainda não previsíveis.

Quando a Beatriz lhe comunicou que enviara três fotos para os temas retrato, ambiente e cultura, teve vontade de lhe dizer: “'Espera lá, filha! Esse prémio tem uma dimensão que é extremamente difícil de alcançar’, mas não a quis desanimar, tal era o seu entusiasmo e confiança”. O assunto já quase tinha caído no esquecimento quando da organização do concurso lhe comunicam o que nem em sonhos imaginara. Telmo Rocha recorda o momento. “Estava de tal maneira eufórica que se agarrou a mim a gritar ‘Pai! Pai! Pai! Eu ganhei! Eu ganhei’. Acabámos os dois a chorar de alegria”.

Também Joaquim Soares, líder do Grupo Cantares de Évora, não esconde a emoção. “Sentimos um grande orgulho e satisfação” com o prémio atribuído “à moça”. Lembra-se que ela entrou com o pai, juntamente com outros fotógrafos no Teatro Garcia de Resende para uma sessão fotográfica. Do grupo coral que é misto, estavam nove dos seus 25 elementos. Na foto da jovem aparecem oito homens e uma mulher, nos camarotes, descontraídos, risonhos, à espera de indicações.

Beatriz percebeu que era na informalidade e no imprevisto que poderia colher planos diferentes, como também percebeu Joaquim Soares quando a viu a cirandar pela sala de espectáculos. “Alguns de nós olhámos na sua direcção e ela fez o retrato que agora é um estímulo para ela e para nós”.

Estímulo que é extensivo à professora Paula Duarte, do conselho directivo da Escola Secundária Gabriel Pereira em Évora, onde a Beatriz Rocha frequenta o 9.º ano. Em tempo de férias, a comunidade escolar teve conhecimento da boa nova através da comunicação social. “Sensibilizou-nos bastante a reacção da Beatriz” que diz ter ficado “chocada” com a atribuição do prémio. “Deixou a todos muito orgulhosos e surpreendidos” observa a docente.

E agora, Beatriz, o que se segue?, perguntou-lhe o PÚBLICO: “Agora não posso descer de patamar”. O passatempo da fotografia subiu de exigência e a exposição pública marca-a. “É uma boa sensação” reconhece. Contudo, o objectivo da sua vida vai noutro sentido. A vencedora de um prémio num dos mais importantes concursos de fotografia do mundo sonha em seguir uma carreira na área da Física, mais precisamente em Cosmologia.

“Temos em casa muitos livros sobre a área que gostaria de seguir”. A influência, confessa, é também do pai, com a ajuda de “professores que explicam bem, sobretudo a professora de Física”. A atribuição do prémio já garantiu a Beatriz Rocha uma câmara, um kit de lentes, um telemóvel da Sony, a participação numa exposição em Londres e a publicação no livro dos Sony World Photography Awards de 2015.

Os WPA têm-se afirmado entre os prémios de fotografia de abrangência mundial. Criados em 2007 pela marca de electrónica de consumo nipónica Sony, os WPA parecem cada vez mais apostados em cativar o maior número de candidatos possível, aceitando os mais variados géneros e culturas da imagem fotográfica, que vão desde a febre do Instagram aos mais clássicos portefólios de fotojornalismo.

Para a última edição, foram submetidas a concurso 183.737 imagens, um número que não deixa de impressionar se se tiver em conta, por exemplo, que o World Press Photo, estabelecido há seis décadas e especializado em fotografia documental, recebeu no ano passado cerca de 97 mil imagens. Autodenominado como o “maior concurso de fotografia do mundo”, o WPA atribui todos os anos 30 mil dólares em prémios monetários para além de variados galardões em material da marca.

Apresentando-se com uma estratégia de comunicação muito bem montada, os WPA dividem-se em cinco grandes grupos: Concurso Profissional, Concurso Aberto, Concurso Juventude e Concurso Telemóvel. O “concurso aberto” é na realidade o campo onde os ditos “amadores” jogam os seus trunfos, mas a organização procura fugir sempre desse selo que ganhou uma certa carga pejorativa.

Numa tentativa de se impor como um concurso relevante e para fugir desse lado salonista ou de fotografia domingueira, a WPA tem sabido agrupar no júri de premiação nomes com peso e reputação na área (fotógrafos de nível internacional, galeristas, académicos, críticos, editores…). Nomes que foram sendo associados a uma instituição criada pelo prémio, a The World Photographic Academy que também começou em 2007 com 12 membros, onde se incluíam por exemplo Mary Ellen Mark, Nan Goldin e Martin Parr (hoje conta com mais de 160 membros). Para além deste posicionamento, todos os anos, o WPA distingue a carreira de um fotógrafo com o Outstanding Contribution to Photography Award, como se quisesse dizer que sabe reconhecer quem ajudou a elevar o suporte fotográfico aos mais altos níveis da arte contemporânea. Em 2015, numa cerimónia agendada para o dia 23 de Abril em Londres, será Elliott Erwitt, uma dos mais lendários fotógrafos vivos, a receber o prémio carreira. Com Sérgio B. Gomes

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