Vale da Benémola esconde 30 espécies de orquídeas e muitos mais segredos

Rosa Pinto, investigador da Universidade do Algarve, serve de guia a visitas de estudo informais. Entre o barrocal e a serra algarvia, há plantas que apareceram à superfície da terra antes das baratas – há mais de 300 milhões de anos.

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Filipa Farinha
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Chegou o tempo dos perfumes, ao vivo e a cores. “Lembro-me desta flôr, em forma de abelhinha”, diz José Maria Guerreiro, médico, com o olhar preso a uma das 30 espécies e sub-espécies de orquídeas selvagens, existentes no Vale da Benémola (Querença). Afinal, no Algarve ainda há coisas por re(descobrir), conclui o clinico acabado de chegar de Lisboa, mal começa a caminhada que o haveria de levar de regresso às origens – ao tempo em que a avó lhe contava as virtudes das mezinhas. José Maria Guerreiro é um dos participantes numa das visitas de estudo informais que Rosa Pinto, investigador da Universidade do Algarve (UAlg), se dispôe sempre a orientar neste sítio protegido, entre o barrocal e a serra, aberto como um bouquet com três centenas de plantas para observar.

Lição primeira, diz o professor, "aprender a conhecer as plantas". “Há espécies  medicinais, com bons resultados terapêuticos, mas há outras que matam”. Rosa Pinto exemplifica: uma folha de loendro “pode matar um homem com 80 quilos”. João Costa, agrónomo, com trabalhos publicados sobre a flora do barrocal, pede licença para fazer o contraponto, sublinhando os benefícios da erva cavalinha, implantada na margem da ribeira. O chá desta planta, explica, “pode ser usado para curar infecções do fígado, baço, bexiga e próstata” O médico radiologista José Maria Guerreiro pergunta em jeito de brincadeira: “Não são curas a mais?” Na verdade, acrescenta o investigador – antigo coronel do Exercito - “tem múltiplas aplicações. Trata-se de uma das plantas mais antigas que temos à superfície da terra. Já existia quando apareceram as baratas, há 300 milhões de anos”.

Gabriel Gonçalves, agrónomo, reformado, junta-se ao grupo, mostrando particular interesse em conhecer o contributo da flora no desenvolvimento do mundo rural. Ao aproximar-se de uma aroeira [pistacia lentiscus] revela uma particularidade da planta. Os antigo pastores, conta, quando tinham sede e não levavam água, atiravam um bocado de aroeira para um charco. “Forma-se uma aura à superfície, afastavam-se as impurezas, e depois bebiam”. Rosa Pinto não revela se já conheceia esta propriedade da espécie. Porém, seguindo a leva das curiosidades, acrescenta que durante a II Guerra Mundial, na Sicília, se extraiu das bagas desta espécie uma óleo semelhante ao azeite. “O que eu estou a aprender”, exclama o médico, recordando uma história que ouvira, quando era criança. Na altura, um vizinho, conhecido pelo “Ti Costa Grande”, ( alcunha relacionada com a altura) sofreu uma forte cólica renal. Não havia médico nem fármacos na aldeia. O que o salvou, diz, “foi o chá da tal erva-cavalinha ou pinheirinha”.

Do conjunto da investigação desenvolvida para a UAlg, Rosa Pinto identificou mais de 1800 plantas que se podem encontrar no interior da região. A aplicação dos conhecimentos científicos sobre a flora do barrocal e serra na arquitectura paisagística é uma das teses defendidas por João Costa, funcionário da Direcção Regional de Agricultura do Algarve. As pessoas, diz,” porque não conhecem as espécies, não as valorizam – ainda são vistas como plantas do mato”, lamenta.

Gabriel Gonçalves afasta-se do caminho, aventura-se por um trilho. Faz equilíbrio a pisar pedras soltas, depois atira um apelo:  “Venham cá, isto está cheio de tomilhos”. Aproxima-se a hora do almoço e logo surge, a propósito, a descrição da  importância desta e de outras plantas aromáticas nas novas criações gastronómicas

O Vale da Benémola, aos olhos do leigo, parece apenas um bonito espaço verde, situado na zona de intersecção entre o barrocal e a serra algarvia. Mas não é só beleza. “Aqui nada aparece por acaso”, explica Rosa Pinto, lembrando que o uso das plantas para fins terapêuticos exige “conhecimento técnico especializado”. Um exemplo: a dedaleira (dygitalis) pode trazer benefícios quando usada de forma moderada. “Uma dose de 1 miligrama cura, de 2 miligramas já é tóxica e de 3 miligramas é mortal”. Utiliza-se em chás. Outro caso: o trovisco é uma planta tão venenosa, sublinha, que as cabras podem estar a morrer de fome que lhe passam ao pé e não lhe tocam.

José Maria Guerreiro termina a jornada a lembrar a orquídea “abelhinha” que lhe fez bater as asas da memória. “Vou ter que fotografar mais esta (de cor branca) para mostrar à minha mulher”. Antes que o “aluno” tivesse a tentação de a arrancar para levar como recordação da visita de estudo, o professor avisa que ela pouco duraria numa jarra. “Morreria ao fim de dois ou três dias”.

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