Agora é a vez de Obama e Rohani imporem o acordo nuclear nos seus países

Tanto o Presidente americano como o iraniano têm de enfrentar as vozes mais conservadoras para tentar que o acordo histórico sobre o nuclear venha a vingar. Não será fácil.

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John Kerry e a sua equipa em Lausanne, a assistir ao discurso de Obama Brendan Smialowski/REUTERS

Barack Obama vai ter a oportunidade de merecer o Prémio Nobel da Paz esforçando-se para convencer os republicanos a aceitarem o acordo com o Irão. E em Teerão, o Presidente Hassan Rouhani terá de fazer o mesmo esforço para lidar com as figuras mais conservadoras do regime – embora a recepção ao encerramento das negociações em Lausanne na quinta-feira tenha sido mais positiva no Irão do que nos Estados Unidos.

Multidões felizes saíram à rua para comemorar a notícia de que os diplomatas e ministros tinham concluído um “acordo-quadro”, que até 30 de Junho dará lugar a um documento definitivo. O conservador ayatollah Emami-Kashani, que presidiu às orações de sexta-feira na Universidade de Teerão, elogiou os resultados das conversações, relatou a Reuters: “A equipa de negociadores é firme, sábia e calma”, afirmou. E o ministro dos Negócios Estrangeiros, Javad Zarif, foi recebido como um herói por populares ao regressar a Teerão.

Nada disto aconteceu com o secretário de Estado norte-americano, John Kerry, que mergulhou a fundo nas negociações. Nem os americanos reagiram com um entusiasmo equivalente ao discurso do Presidente Obama na Casa Branca, que classificou este acordo como “histórico”. Pelo contrário, teve de telefonar imediatamente ao primeiro-ministro israelita Benjamin Netanyahu – que depois de reunir o Governo anunciou que qualquer acordo sobre o nuclear “tem de incluir o reconhecimento claro e sem ambiguidades por parte do Irão do direito à existência do Estado de Israel”.

Mas Obama também teve de falar com outros Estados do Golfo, em especial a Arábia Saudita, cada vez mais inquieta com o Irão e a ameaça que considera representar. O rei Salman disse-lhe esperar que o acordo final “reforce a estabilidade e segurança da região e do mundo”, diz a Reuters. Mas as palavras públicas escondem o desconforto privado, segundo os observadores. A atitude saudita continua a ser a do recentemente falecido rei Abdullah, que tinha encorajado os EUA a “cortar a cabeça da serpente” e bombardear instalações nucleares iranianas.

Riad considera que o Irão tem desestabilizado o Médio Oriente apoiando o Hezbollah no Líbano, o Presidente Bashar Al-Assad na Síria, milícias xiitas no Iraque e os huthis no Iémen, e que este atiçar das chamas xiitas cria condições para a formação de grupos jihadistas sunitas. “Não é que esperemos que as relações do Ocidente com o Irão se tornem muito próximas… Mas se forem levantadas as sanções, mesmo com o preço do petróleo mais baixo, o Irão pode sentir-se mais forte”, comentou à Reuters um empresário saudita que conhece o pensamento oficial de Riad.

"Voltar a página"
O Presidente iraniano, Hassan Rohani, confirmou o desejo de o Irão “voltar a página” e “iniciar novas relações de cooperação com o mundo, no nuclear e noutros sectores”, num discurso transmitido na televisão. “Temos tido tensões e mesmo hostilidade com alguns países, e aspiramos ao fim destas tensões e hostilidades”, assegurou, sem precisar a que países se referia.

“A nossa discussão não é apenas sobre o nuclear”, afirmou ainda – palavras que parecem ir na direcção inversa de um discurso do Líder Supremo Ali Khamenei, a 21 de Março, quando disse que o Irão estava a negociar simplesmente por causa de uma disputa nuclear.

O facto de as negociações em Lausanne terem chegado a bom porto – e terem sido tão bem recebidas pelos cidadãos, que comemoraram nas ruas como outros celebram grandes vitórias no futebol – reforça a posição no regime de Rohani, um religioso de 66 anos que defende uma linha moderada: “A moderação não significa que nos desviamos dos princípios e não é igual a conservadorismo face à mudança e ao desenvolvimento”, afirmou.

A forma como o acordo for aceite no Irão pode ajudar também Obama a impor o acordo ao Congresso, dominado por republicanos mais dispostos a simpatizar com a visão dos israelitas ou dos sauditas do que com o Presidente americano. “Se o Congresso matar este acordo, os EUA serão acusados de ter feito fracassar a diplomacia”, afirmou Obama, que telefonou pessoalmente aos líderes parlamentares.

A maior parte dos congressistas reagiu de forma cautelosa – querem ter mais pormenores sobre o acordo, mas estes só irão surgindo nos próximos meses, até 30 de Junho, a data-limite para a negociação dos pormenores técnicos que não foram discutidos em Lausanne. Mas mesmo sem conhecerem os termos mais precisos, há já propostas de congressistas para limitar o levantamento de sanções contra o Irão.

O que John Kerry levou da Suíça, na verdade, foi o tiro de partida para mais negociações com o Irão e para um intenso processo de lobbying em Washington, cujo resultado positivo para a Casa Branca está muito longe de estar garantido.

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