Die Von Brau: um homem na cidade inerte

Um homem, Sérgio Faria, e dois álbuns surpreendentes. Num deles desenha uma geografia da apatia em Lisboa a partir de electrónica emotiva como Die Von Brau, e em Dedication For Project 01 explora as possibilidades da hipnose minimalista.

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O nome é uma sátira. Die Von Brau. Não é inglês, alemão, holandês ou francês. Mas soa bem. Até parece “estrangeiro”.

A ideia foi essa. “Queria brincar com essa ideia de que aquilo que é estrangeiro é que é bom e com o facto de haver muitos artistas a adoptarem nomes em inglês. Queria criar um lugar de estranheza: um nome que parece alemão, mas não o é. Não é nada, no fim de contas”, ri-se Sérgio Faria, 26 anos, ou seja o próprio Die Von Brau, justificando a adopção da designação.

Em Die Von Brau nada acontece por acaso. A sua electrónica instrumental é envolvente, ritmicamente evolutiva, sedosa. Tecno pacificador. Mais do que dança, música para meditar. Pelo menos foi o propósito no álbum de estreia. “Dedico o álbum a Lisboa. É uma forma de descrever a forma como vivemos a cidade, num estado de inércia, de não-fluidez”, diz. É isso. O álbum chama-se Inércia. À venda na internet (https://dievonbrau.bandcamp.com) e em algumas lojas físicas. Edição de autor. E temas com nomes como Príncipe Real, Lapa, Saldanha ou Almirante Reis, geografia afectiva da cidade. O torpor, a indolência, em Lisboa.

Em Av. Liberdade ou Alameda os ritmos house ou tecno estendem-se, há elementos sintéticos pelo meio, respira-se vitalidade. Quando chegamos a St. Apolónia ou Lapa o ritmo desacelera, os elementos melódicos intrometem-se, sendo o convite ao torpor expresso em Monsanto ou IC19, submergidos pelas notas de piano emotivas, pelo ruído organizador, pelas sonoridades de atributos ambientais.

Sérgio viveu três anos em Londres. Quando regressou, há seis meses, encontrou uma cidade paralisada, gente apática, um quotidiano vazio. E resolveu fazer um disco. “Essa quase alienação da realidade está presente quando se anda na rua, quando se olha para a TV, na distância entre as pessoas, na forma como a cultura está estagnada. Não há conteúdo”, diz.

Em Londres o perigo de letargia também existe, como reacção ao excesso de estímulos. Talvez por isso, quando estava lá, por oposição, fazia música ambiental. Quando regressou a Lisboa acordou outra faceta. A inércia portuguesa é diferente. “Aqui existe uma calma que é fictícia, que não é real. E isso é nítido quando se chega de uma cidade como Londres, com um ritmo brutal, onde conheces não sei quantas pessoas por dia que te podem dar algo em troca. Aqui não. E isto não é necessariamente um apontar de crítica. É uma constatação.”

Em Lisboa estudou design industrial na Escola de Belas-Artes. Foi aí que acordou a música que havia dentro de si, um pouco por influência da editora e colectivo Discotexas, da qual faziam parte alunos da escola como Bruno Cardoso, ou seja Xinobi. Depois seguiu-se um mestrado na Escola Superior de Artes e Design das Caldas da Rainha e, finalmente, a capital inglesa.

“Londres foi bom em termos de experiencia de vida. Tive oportunidade de trabalhar em ateliers de design e acabei na marca Maharishi no Soho, enquanto, ao mesmo tempo, ia fazendo música mas com pouco tempo para compatibilizar.”

Ali viria a conhecer outros jovens músicos portugueses, nomeadamente Luís Dourado (Purple), Ivo Pacheco (IVVVO) e Bruno Deodato (Trikk), todos eles do Porto. “Curiosamente, quando estava em Londres fazia mais música ambiente, como se servisse para desanuviar. Eram exercícios, esboços. Tinham um registo não finalizado. Só mais tarde peguei em tudo isso e meti na cabeça que tinha de fazer qualquer coisa em concreto.”

Já em Lisboa não criou apenas o disco de estreia de Die Von Brau. Acaba de ser lançado também um outro álbum da sua autoria – Dedication For Project 01. Um disco surpreendente, de apenas uma faixa, de 52 minutos, longa, hipnótica e minimalista deambulação por sons ambientais, camadas de som e de melodias sobrepostas em câmara-lenta.

“É um novo projecto mais ligado à arte sonora, onde tento elevar o som a outros níveis”, justifica, “até porque me apetece tocar noutros locais como galerias de arte.” E é isso que irá fazer a 16 de Abril, na galeria Mute Art Project, ao Príncipe Real, em Lisboa.

Em Dedication For Project 01 o tempo estende-se, torna-se eterno presente, circular, tudo parece estacionário mas é sempre diferente. Pensa-se na obra do americano William Basinski, que também opera a partir de longos loops e melodias suspensas que acabam por redimensionar a realidade. “A música do Basinski ajudou-me a descobrir a minha zona, o meu centro, em Londres”, diz.

Seja quando aborda as electrónicas mais físicas ou elaborações mais mentais e experimentais, sente-se que o tempo e o espaço são noções trabalhadas com rigor. “A maneira como faço música é repetitiva. Faço um esboço e depois oiço o que fiz até à exaustão.” A construção, apesar do resultado final diverso, acaba por conter pontos de semelhança, seja em Inércia ou em Dedication For Project 01. “O segredo é encontrar aquele ponto em que nos deixamos ir, acompanhando o movimento e deixando as coisas fluir.” Sem inércia.



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