Fica na Rua: mistura fina de música clássica e cocktails

Chama-se Fica na Rua. Mas vale a pena entrar. No Porto, uma casa que convida aos petiscos ou cocktails, às artes e à música (até a clássica)

Fernando Veludo/nFactos
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Não é um bar clássico, mas é um bar com música clássica; não é um bar classista, mas é um bar com classe — e tratamos já de explicar para não deixar espaço a equívocos: as portas estão abertas (e vão estar escancaradas quando chegar o calor — lá iremos) a todos os que gostem de beber sem ter por objectivo “a bebedeira”, que não desdenhem de acompanhar com alguns petiscos, que tenham (alguma) apreciação pela arte contemporânea e que se deixem entranhar pelos sons clássicos que saem da moderna aparelhagem sonora. Atrevemo-nos a dizer que não haverá muitos bares assim, em que se entra ao som de Mozart — e entramos apesar de o nome dizer o contrário: Fica na Rua.

Só podia ser um bar de melómanos, neste caso acrescido da responsabilidade de ser também pai de um melómano. E foi, aliás, o filho de Miguel Moura, sobrinho de Cristina Moura — e aqui está a filiação do Fica na Rua, dois irmãos —, que deu o mote para esta surpreendente banda sonora que é a molécula insuspeita do ADN deste bar, aquela que lhe concede a maior singularidade. Sendo estudante de composição, conta Miguel Moura, o filho “não quer ouvir senão música clássica”; o pai faz-lhe a vontade: “Ele vem e eu ponho música clássica”. Vinis ou CD, “para ter qualidade de som”, diz Miguel, que se assume muito “esquisito” neste aspecto. E sempre “de ponta a ponta”, ou seja, o álbum integral, mesmo se isso vai contra o senso comum num bar, mesmo se isso vai contra conselhos de amigos. Escolhe cuidadosamente a música de acordo com os clientes da casa e a música clássica não é dieta integral, reconhece. Durante a tarde é quase sempre omnipresente, à noite nem tanto. Podem entrar jazz, blues e algum rock clássico, tudo na base de que só há dois tipos de música, “a boa e a má”.

Estamos longe, portanto, do tempo em que o espaço albergava um bar de karaoke e se vestia de vermelho, nas paredes, nos sofás. “Nós aproveitámos o balcão.” E, descobre-se pouco depois, também a parede coberta da chapa ondeada que será zona de exposição. Porque o Fica na Rua também quer ser galeria de arte e isso é herança da actividade anterior de Miguel Moura, antigo galerista, sempre artista. São dele os trabalhos que forram a parede mais recolhida do bar, onde ele estreita e em breve dará caminho a uma esplanada, nas traseiras. Há pintura com clara influência cubista, há fotografia, resumindo o seu percurso artístico. A galeria fechou, mas não o seu espírito. “Com o bar junto as coisas de que eu gosto. Fechei a galeria porque pensei que conseguia continuar a fazer o que lá fazia. Não só vender os meus quadros como os dos outros.”

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Aberto no início do ano, o Fica na Rua está a começar a erguer uma programação cultural que passa não só pela arte, mas também pela música ao vivo. A estreia foi no final de Fevereiro, com um concerto de blues e rock’n’roll de Pedro Fonseca, e outros alinham-se já no futuro próximo. O mesmo onde o Fica na Rua passará a abrir mais cedo — e aqui já há a influência clara da outra metade do bar, Cristina Moura. Se o irmão sempre quis ter um bar, Cristina queria ter algo mais semelhante a um salão de chá, algo que vivesse mais de dia. No meio termo surge então o Fica Na Rua, na Baixa do Porto porque o seu movimento “chamou a atenção”.

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“Pelo conceito, pensámos também na Foz, mas chegámos à conclusão que essa zona é mais restrita às pessoas que lá vivem.” Aqui, entram pela porta pessoas de todas as nacionalidades — o facto de ter um hostel mesmo ao lado ajuda. São os estrangeiros os que mais pedem os snacks que aqui se servem, desde hambúrgueres a ovos mexidos com salsichas alemãs, passando por sanduíches de queijo manchego, brie, chèvre, e é esta a área em que Cristina quer investir mais, abrindo de manhã para acompanhar o almoço.

Na tarde e noite que por agora fazem os dias do Fica Na Rua investe-se na criação do hábito de tomar algo após o trabalho, insiste Miguel Moura. Por isso há happy hour, também por isso há uma aposta clara em cocktails. A lista, aliás, já é vasta e pouco comum nestas paragens: vejam-se, por exemplo, o Tom Collins, o New Yorker, o Alice Springs, o Journalist, o Orange Blossom, o Balalaika, o Black Russian, além do Almada 349, o cocktail-assinatura, criado por Miguel à base de gin. Tudo, claro, sempre servido em copo de vidro — “para pessoas que apreciam beber, não apanhar bebedeiras”.

E se o nome deste bar pode parecer contraditório, que não haja dúvidas: a ideia é mesmo sair de casa. Quanto a ficar na rua, este bar até tem dupla personalidade: primeiro porque haverá a tal esplanada, depois porque, com o calor, a fachada abrir-se-á completamente para a rua. E se por estes dias a fachada pode parecer anódina, caixilhos negros e vidraças no rés-do-chão de um prédio onde apenas o quadro de giz anuncia a existência do bar, quando se abrir vai dar directamente a uma espécie de sala de estar.

Na parte da frente, mesas altas, quadradas e redondas, e cadeiras mais ou menos desirmanadas, um aparador que é também mini-hemeroteca; na parte lateral, recolhida entre o balcão negro e a parede coberta de quadros de Miguel, baixam as mesas e as cadeiras, intrometem-se puffs e candeeiros “individuais”. Para quê ficar em casa quando se pode ficar na rua?

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