O primeiro milho…

Henrique Neto foi o primeiro a assumir formalmente a sua intenção de ser candidato a Presidente da República.

Ainda terá de recolher entre 7500 e 15.000 assinaturas para ser formalmente candidato, mas deu o passo que é a sua propositura e, mesmo que desista, foi o autor do tiro de partida numa corrida que irá terminar no início de Janeiro, nas eleições que deverão realizar-se no dia 10. Neto é um político com experiência, foi eleito deputado pelo PS, partido de que é militante, em 1995 e 1999, abandonando o lugar em São Bento, já que as suas actividades privadas como gestor geravam um conflito de interesses, demitindo-se então tal como Álvaro Barreto.

O facto de ser o primeiro não aumenta nem diminui as expectativas e as possibilidades de Henrique Neto em relação a uma vitória. E, embora seja já dado como adquirido que não conta com o apoio formal do seu partido, resta perceber qual vai ser o seu discurso e o fio condutor da sua campanha, se de facto conseguir entregar o processo no Tribunal Constitucional. Mas, por agora,  é o primeiro a assumir formalmente aquilo que tem sido a intenção expressa pelos próprios ou o desejo de terceiros em relação a diversas personalidades: Marcelo Rebelo de Sousa, Pedro Santana Lopes, Rui Rio, António Guterres, António Vitorino, Jaime Gama, Guilherme d’Oliveira Martins, Carlos César, Maria de Belém Roseira, Carvalho da Silva, Sampaio da Nóvoa.

À distância de nove meses das eleições para Presidente da República, tudo o que se disser é prematuro e precipitado e nada impede que quando se chegar à campanha o que está hoje em cima da mesa neste domínio esteja absolutamente ultrapassado. Até porque há um dado fundamental para se analisar e desenhar cenários sobre presidências: o facto de que no final de Setembro ou início de Outubro se realizam eleições legislativas.

O peso das legislativas neste cenário não é tanto em função do resultado destas, ou seja, saber quem ganha e forma governo. Vale o que vale a ideia, que Mário Soares divulgou, de que os portugueses não querem pôr os ovos todos no mesmo cesto, mas que não se verificou com mais nenhum presidente, já que quer Jorge Sampaio, quer Cavaco Silva presidiram com governos de ambos os lados do hemiciclo de São Bento.

O que está em causa é que muito provavelmente os candidatos decisivos só quererão falar e afirmar-se como tal após resolvida a querela das legislativas. Não faz muito sentido alguém que vai ser o supremo magistrado, o titular do primeiro órgão de soberania, ter de acompanhar uma campanha legislativa e sujeitar-se a ser diariamente questionado sobre a espuma dos dias da política.

Henrique Neto saiu já a terreiro a procurar ocupar um espaço. É uma atitude táctica possível. Jorge Sampaio fez isso em 1995 e, com o seu gesto, cortou as pernas a uma candidatura de Fernando Gomes, o putativo candidato do PS. Mas sublinhemos que Jorge Sampaio tinha já sido líder do PS e presidente da Câmara de Lisboa e tinha um proeminente passado antifascista. Agora, Henrique Neto parece não tapar caminho a ninguém da área do PS ou na esquerda. E é possível que vejamos mesmo virem a ser apresentadas as candidaturas de Sampaio da Nóvoa ou de Carvalho da Silva.

Ao que tudo indica, António Guterres terá já feito saber que não é candidato. Curiosamente, nunca o disse de viva voz. Pelo contrário, todas as declarações que tem feito sobre o tema deixam em aberto que noutro momento poderá vir a dizer sim. Mais: Guterres tem feito declarações típicas de quem não se quer deixar condicionar e prender na categoria de candidato presidencial de um partido, seja o seu, o PS, seja qualquer outro. Tem-se assumido como dono da sua vida, logo senhor para decidir o que fazer, quando quiser fazê-lo.

Por isso, nada impede que Guterres apenas se pronuncie sobre o assunto depois das legislativas. Ao fazê-lo, foge a ser o candidato do PS e de estar apenas ligado a António Costa, e evita ter de disputar uma luta que não é a dele, as legislativas. Pode sempre lançar a sua candidatura, depois de eleito o Parlamento e de o Governo estar formado. Aliás, esta táctica não é nova, foi usada por Cavaco Silva, que só se assumiu oficialmente como candidato em 20 de Outubro de 2005, numa cerimónia no Centro Cultural de Belém. Ou seja, em cima das presidenciais.

Se assim agir, Guterres estará em condições de surgir como candidato suprapartidário e até acima dos outros candidatos de esquerda que estejam no terreno, quer se chamem Henrique Neto, Sampaio da Nóvoa ou Carvalho da Silva. E é duvidoso que não venha a conseguir uma vitória à primeira volta. Até porque nestas coisas de presidenciais aplica-se um provérbio que reza: "O primeiro milho é dos pardais."

Jornalista

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