E se um piloto adormecer aos comandos de um avião… isso não é raro

Fadiga é problema significativo, diz associação europeia de pilotos. Regras de descanso mudaram nos EUA após acidente, na UE mudam no próximo ano.

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A fadiga dos pilotos pode levar a vários erros durante o voo Nelson Garrido

A fadiga é um problema para os pilotos – e para a segurança. Os Estados Unidos alteraram as regras de descanso em Janeiro do ano passado, a Europa terá novas directrizes a entrar em vigor em Fevereiro de 2016.

A European Cockpit Association (ECA), que representa pilotos europeus, congratula-se com estas novas medidas para lutar contra a fadiga que representa um perigo, alerta. Um inquérito feito a 6000 pilotos em oito países europeus entre 2010 e 2012 mostra dados preocupantes: a fadiga é comum, é tão forte que os pilotos por vezes adormecem, tem consequências na tomada de decisões, e os profissionais têm relutância em admitir o cansaço e dar conhecimento à empresa.

Na Alemanha, 92% dos inquiridos disseram já ter voado quando estavam demasiado cansados para o fazer pelo menos uma vez nos três anos anteriores. Mais: quatro em cada cinco pilotos alemães disseram já ter cometido erros em voo por estarem cansados (o número é de 3 em 5 na Suécia, Noruega e Dinamarca). Em Maio de 2012, lembra um relatório da associação, um avião da Air Berlin pediu para aterrar de emergência em Munique por fadiga dos pilotos.

O inquérito mostrava ainda que cerca de metade dos pilotos em vários países já tinha adormecido involuntariamente aos comandos de um avião em pleno voo. No Reino Unido, um terço desses pilotos relatou já ter acordado e encontrado o co-piloto também adormecido ao lado. Este sono não está incluído em previstos períodos de descanso em que os pilotos podem fazer uma “sesta” quando passam os comandados ao seu colega do lado.

Mas apesar da frequência destas ocorrências, apenas 20 a 30% dos inquiridos fizeram um relatório dizendo que estavam demasiado cansados para trabalhar. A maioria (41%) não via nisso qualquer benefício e 13% não queria provocar uma opinião menos positiva do seu desempenho.

O vice-presidente da Associação dos Pilotos Portugueses de Linha Aérea, João Santos Costa, diz por telefone ao PÚBLICO que a fadiga é claramente um problema. “A fadiga nos pilotos obrigados a voar em vários fusos horários é uma preocupação enorme”, admite. “Os efeitos do cansaço são grandes a nível físico e mental.” É um “dever” dos pilotos reportá-la e não voarem se não estiverem em condições. O que acontece, diz o responsável, embora não “muito frequentemente”.

A ECA elabora: tempos de reacção mais lentos, perda de memória de curto prazo, dificuldade em avaliar situações e tomar decisões, menor percepção visual. Pior, raramente há consciência disto por parte do piloto. E é precisamente “no final de um longo dia de trabalho, quando as pessoas estão mais cansadas – no caso dos pilotos, é aqui que têm de estar no seu melhor”, sublinha a associação.

Por isso, a associação congratula-se que esteja para breve a alteração das regras do tempo de descanso na União Europeia.

João Santos Costa ressalva que as novas regras são muito complexas (a ECA tem mesmo uma aplicação para ajudar a fazer cálculos com os novos tempos de voo e de descanso e número de pilotos e tripulantes em cada voo). Por isso, haverá coisas que mudam para melhor, outras mudarão para pior, diz. É difícil dar exemplos concretos do que será diferente, mas o responsável explica que os voos nocturnos que atravessem vários fusos horários deverão ver um reforço de pilotos e tripulantes.

Nos EUA, por exemplo, passou-se no ano passado de um panorama de tempos de descanso muito permissivo para um mais estrito do que o europeu, após vários incidentes e acidentes que tiveram como factor a fadiga. O mais conhecido foi a queda do avião da Colgan Air perto de Buffalo, no estado de Nova Iorque, em 2009, em que morreram 50 pessoas, lembrava o diário americano USA Today no dia em que entraram em vigor as novas regras, em Janeiro do ano passado.

A indústria reagiu com vigor contra as alterações, dizendo que iriam causar o caos e atrasos, mas estas acabaram por seguir. Entre as novas condições estavam tempos de descanso mínimos de dez horas, das quais oito tinham de ser em sono sem interrupções ou “repouso horizontal”, pilotar no máximo oito ou nove horas dependendo do início do voo, e 30 horas consecutivas de repouso por semana (um aumento de 25% em relação às regras anteriores).

Apesar de haver leis europeias de tempos máximos, nota João Santos Costa, há empresas que trabalham mais encostadas à lei e outras que dão condições mais favoráveis aos pilotos. Questionado sobre o panorama nas companhias portuguesas, diz que há variações, mas que “a melhor empresa portuguesa dá tempos de descanso maiores, o que é um benefício para os pilotos”, nota.
com Miguel Castro Mendes, em Bruxelas

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