Directo ao assunto

Foto
Tiago Lacrau: é um prazer seguir-lhe as letras Pedro Marcelino/Workmove

Directo ao assunto, mas directo ao assunto à antiga. Tiago Lacrau, que é Tiago Guillul, apelido enterrado após a edição do magnífico V, e que é, como o actual apelido indica, um dos Lacraus, homens do rock’n’roll que encararam o lobo em 2011, escreve no interior do álbum agora lançado um mapa de referências. Coisa ecléctica: vai de Tom Waits aos Guns N’Roses, dos Censurados a Huey Lewis & The News, dos Rancid aos GNR, de Tom Zé aos Queen. Quem lhe acompanha o trabalho não se surpreenderá. Tiago é um melómano de boa cepa, daqueles avessos a compartimentações estéticas estanques.

Quem o ouve aqui, neste Sou Imortal Até que Deus Me Diga Regressa, frase decididamente Guilluliana (apesar de pertencer a um sermão de Charles Spurgeon), encontra o homem da lírica inventiva, dado a proclamações inesperadas de efeito imediato (“Sugiro a minha sepultura para Capital da Cultura”), a provocações de que não se exclui (junta-se, enquanto “suburbano de Queluz”, aos “fadistas”, “à burguesia de Leiria” ou “à miudagem do Minho” que perdeu a frustração por ter ganho um Prémio Blitz) e a trocadilhos com cultura pop na ponta da língua (Qual é o meu tom, Zé?), a atacar o cânone rock sem sombra de subtileza. Rock directo, como escrevemos acima. Com citação ao metrómono Beastie Boys logo a início (cowbell e guitarra distorcida a marcar o compasso), com produção muito 90s (bateria metálica e som comprimido) e canções que seguem com rigor o mandamento inicial: “Nesta guitarra não há palheta, há gatilho, há um refrão que só sabe rimar”.

Em meia-hora, Lacrau acelera na estrada punk com refrão na ponta da língua (Respirar não dói), lança-se em rock para um rock de estádio que já não existe (e como não já não existe, “Os meus braços estão aqui” ganham travo lo-fi), recebe Nick Nicotine para a balada countryficada, gospel no horizonte (e no órgão em fundo), que é Música no coração e elabora um “back in da day” típico do hip hop em modo agitação rock’n’roll (e tem Ricardo, dos For the Glory, a gritar “Bíblia e ponta e mola / foi o que aprendi na escola / é preciso uma lâmina / para abrir o coração). 

Treze canções em trinta minutos. Continua a ser um prazer seguir-lhe as letras e a pregação pelo futuro – ei-lo, por exemplo, a dirigir-se aos nostálgicos militantes: “Mesmo os cantores vivos que ouves / já morreram mas não sabem / quando lhes ouço o refrão / parece uma manobra de reanimação”. E continua a ser igualmente um prazer constatar que Lacrau é um larápio dos bons, utilizando a citação e modelos retirados à sua vasta discoteca caseira para delas extrair matéria sua.

O problema de Sou Imortal Até que Deus me Diga Regressa, onde ouvimos também, além dos convidados já citados, Tiago Bettencourt e Manuel Fúria, é ser demasiado transparente nas intenções e na concretização. É um comprimido de efeito imediato e deixa-nos com vontade de correr para próximo de um palco ocupado por Lacrau e companhia. Mas, como as paixões adolescentes (e, de certa forma, Lacrau regressa aqui aos amores musicais da adolescência), é um álbum de desgaste rápido. É provável, de qualquer modo, que fosse essa a intenção. 

 

Sugerir correcção
Comentar