“O râguebi é lutar, chorar e sangrar pela camisola”

Adérito Esteves reconhece que nem sempre é fácil “puxar e agarrar” os jogadores mais novos, que não têm o espírito que caracterizava os Lobos em 2007

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Numa análise ao estado do râguebi nacional, Adérito Esteves acredita que o aparecimento de jovens jogadores vem trazer outra energia à modalidade, mas alerta para a necessidade de todos mostrarem que querem realmente evoluir e fazer evoluir o desporto. Em relação ao campeonato, considera que a superioridade das duas equipas que habitualmente disputam os títulos entre si pode trazer falta de competitividade, porém defende que não pode faltar “o querer” aos restantes conjuntos.

 

Concordas que depois do Mundial de 2007 o râguebi nacional não deu o “salto” que as pessoas esperavam que desse?

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Nós temos um problema: o râguebi no nosso país ainda e pequeno. E nem toda a gente acha piada a este desporto. As pessoas ligam mais ao futebol. Mas acho que não se perdeu tudo. Eu vejo alguns clubes como o meu [Direito], o CDUL ou o Belenenses, que conseguiram chamar mais miudagem para o râguebi nacional depois do Mundial. E isso é bom. Permite construir, desde as escolinhas, novos jogadores. Mas continua a ser complicado. O râguebi é um desporto que não tem grande projecção. Não se olha para o râguebi e pensa fazer vida disto. Acho que os nossos governantes também não olham para este desporto – e para outros – como deviam olhar. Mas acredito que estamos num bom caminho. Temos um projecto com o XV, com malta jovem que está a trabalhar bem.

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Achas que ainda existe aquele espírito de “Lobos” que tornava aquela geração tão carismática?

Isso tem muito a ver com o país. Nós estamos numa era em que não é dada, pelos governos, uma grande opção de escolha aos jovens que querem apostar no desporto. E isso leva a que a maioria dos jovens desportistas acabe por desistir. Porque pensam: “Eu vou continuar aqui e o que é que vou fazer a seguir”? Isto não garante um ganha-pão para a vida, e muita gente prefere tornar isto num “hobbyzinho”. Vão treinar de vez em quando e não se chateiam muito. E aquela geração que eu ainda conheci, apesar disso, deu tudo. Esforçou-se e lutou. E alguns sacrificaram estudos, empregos e família para ir ao Mundial. O espírito de sacrifício e a força de vontade foram outros. Actualmente, alguns jovens – alguns –, não têm esse espírito de deixar as suas coisas e durante “x” tempo dedicar-se só ao râguebi. Para muitos isso é impensável.

 

Perdeu-se aquele “amor à camisola” e aquela garra transmitida, por exemplo, a cantar o hino?

Isso ainda temos. Naqueles mais velhos que continuaram a acompanhar. O difícil é puxar e agarrar aqueles mais novos que estão agora a aparecer, e mostrar-lhes que isto vale a pena. Mostrar-lhe que o râguebi é lutar, chorar e sangrar pela camisola. É lutar dentro do campo até ao fim. Não é fácil conseguir atletas assim. Mas tens. Tem-los no país, escondidos. Tens é de os ir buscar a ferros e fazê-los acreditar que o râguebi vale a pena.  

 

E o que achas que as novas gerações de jogadores que estão a surgir podem trazer ao râguebi nacional?

Acho que podem trazer mais força e energia. Têm é de vir mais. Têm de partir do princípio que têm de mostrar que querem ficar com aquele lugar. Têm de querer evoluir como jogadores e lutar para fazer os clubes evoluírem. É isso que espero dos meus colegas mais novos: que eles agarrem a oportunidade. Se os mais velhos não estão lá, são eles que têm de dizer que pertencem ali e que querem ganhar.

 

Consideras que o actual modelo competitivo do campeonato é o mais indicado?

Nós não temos muitas equipas. Mas acho que o nosso campeonato não está assim tão mal. Agora, parte das equipas de baixo trabalharem mais e quererem vir para cima para criar mais dificuldades às equipas que estão no topo. Têm de mostrar que querem râguebi. Que querem jogar. É isso que falta: o querer.

 

Esse querer que é tanto a imagem do râguebi…

É verdade. É o querer. É aquele espírito de união. O espírito de grupo. É saber que, juntos, queremos ir para cima. Não podemos desistir. Esse foi sempre o meu espírito desde que entrei para o râguebi.  

 

Sentes que o facto de haver duas equipas muito superiores às restantes traz falta de competitividade?

Sim, pode trazer. Mas é como eu estava a dizer, as outras equipas têm de querer desfazer a superioridade das equipas de cima. Têm de querer chegar aos primeiros lugares. Têm de querer ir à final four. Têm de querer vencer. É assim que se transcendem, com vontade e querer. Não podem pensar só na manutenção. Manter? A manter não se ganham taças nem campeonatos. Afinal, queres ganhar, ou não queres ganhar? Foi isso que eu aprendi.

 

De que é que gostas mais, do XV ou dos sevens?

Sinceramente, gosto dos dois. Sevens é aquele glamour, o ambiente festivo. Mas também gosto muito do XV. Se eu tivesse de escolher, talvez dissesse sevens.

 

Que é considerado por alguns como o desporto de equipa mais difícil do mundo. O que é o torna tão difícil?

Acho que é a disponibilidade física que é necessária. O espírito de sacrifício que temos de ter para estar sempre a correr de um lado para o outro. É muito desgastante. No râguebi de sete são 14 minutos a correr de um lado para o outro. É placar. Levantar. Correr. Placar. Correr. Passar a bola. É muito cansativo. Já viste o tamanho do campo? (risos) Não é fácil. 

 

Entretanto tornaste-te o melhor marcador de ensaios de sempre. Qual é o limite para ti?

Como se costuma dizer: o limite é o céu (risos). Não sei. Enquanto eu tiver forças para jogar, vou continuar a dar tudo. Vou continuar a lutar por marcar pontos. Mas não marco os pontos sozinho. Se eu marco, é porque houve uma jogada que os meus colegas fizeram. É sinal de que o trabalho colectivo foi bem feito. Em termos de objectivo, queria chegar aos 100 ensaios. Não sei até quando vou continuar a jogar, porque isto é difícil. Não é como o futebol que temos aquela garantia de que quando acaba temos a vida feita.

 

O teu nome já é bastante conhecido internacionalmente. Achas que és mais conhecido lá fora do que no teu país?

É difícil. Mas em certos momentos, sim. Quando eu chego lá fora é completamente diferente do que acontece cá. Lá fora temos uma maior projecção. Somos jogadores internacionais que jogam contra Inglaterra, França. As pessoas têm curiosidade em saber quem somos. Quando chego a Hong Kong – para mim é um dos melhores torneios e foi onde eu me estreei – o ambiente é brutal. É formidável. É mesmo fora de série. E aquele estádio dá-me imensas alegrias. Não quero parecer convencido, mas é onde ouço o meu nome e chega aquele calor das pessoas. Das pessoas que gostam de râguebi. E quando tu ouves o teu nome gritado por aquela multidão toda… O [nome] Esteves (risos). Adérito já é mais difícil. E quando não sabem pronunciar “Esteves”, dizem o número (mais risos).

 

Essa maior projecção lá fora não te leva a pensar experimentar outros campeonatos?

Eu já estive em França, cerca de três ou quatro meses. Só que as coisas não correram como podiam ter corrido e acabei por voltar. E aí, dediquei-me só ao meu clube e à selecção. Entretanto juntei-me, agora sou pai. E não me passou pela cabeça voltar a sair. Claro que, agora, vejo alguns colegas que estão lá fora – o Zé Lima ou o Pedro Bettencourt -, e fico com aquela ideia, “se eu pudesse”… (risos). Mas não sei. Vamos ver os como correm os JO. Se correr bem, pode ser que abra a porta de uma última cartada. Depois também quero voltar ao outro sonho que eu tenho, de ser chef. Vamos ver.

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