Macau pode não estar coberto pelos TPI celebrados pela República da China

Decisão do Supremo Tribunal de Singapura determina que investidores macaenses e os investidores em Macau podem não estar menos protegidos do que anteriormente se pensava.

Em 20 de Janeiro de 2015, o Supremo Tribunal de Singapura determinou que a sociedade macaense Sanum Investments, que realizou consideráveis investimentos na República do Laos, na área do jogo e da hotelaria, não podia recorrer ao Tratado de Protecção de Investimentos celebrado entre a China e Laos para contestar medidas da República do Laos que puseram em causa a rentabilidade dos seus projectos.[1] A decisão do Supremo Tribunal de Singapura obriga a repensar em que medida os investimentos realizados em Macau e a partir deste território em outros países se encontram protegidos pelo Direito Internacional.

Os factos essenciais da decisão do Supremo Tribunal de Singapura

A decisão do Supremo Tribunal de Singapura é consequência de um pedido por parte do Governo do Laos de anular uma decisão de um tribunal arbitral, constituído sob os auspícios das regras Uncitral, que se considerou competente para julgar a disputa entre a Sanum Investments e o Governo do Laos. Este último requereu a anulação da decisão do tribunal arbitral, argumentando, essencialmente, que o Tratado de Protecção de Investimento celebrado entre a República da China e a República do Laos não é aplicável ao território de Macau.

O Supremo Tribunal de Singapura concordou com os argumentos avançados pelo Governo do Laos. Para tanto, o Supremo Tribunal analisou, tal como já tinha o feito o tribunal arbitral, as provisões estabelecidas na Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados de 1969 (“CVDT”) e a Convenção de Viena sobre Sucessão de Estados em Matéria de Tratados de 1978 (“CVSMT”). Em particular, o Supremo Tribunal analisou, com base nos elementos factuais disponibilizados pelas partes e pelos relatórios de peritos em Direito Internacional, se a intenção das partes era que o Tratado de Protecção de Investimento se estendesse ao território de Macau.

Relativamente a esta questão, o Supremo Tribunal de Singapura discordou da posição tomada pelo Tribunal Arbitral. Em particular, o Supremo Tribunal considerou existirem elementos suficientes para considerar que, numa análise probabilística e tendo em conta as declarações de ambos os governos relativas à aplicação da convenção, a melhor interpretação passaria por considerar que a intenção das partes não era estender a sua aplicação ao território macaense.

O Supremo Tribunal de Singapura procedeu a uma cuidadosa análise de um conjunto vasto de elementos, incluindo: cartas trocadas entre o Ministério dos Negócios Estrangeiros do Laos e a embaixada chinesa no Laos, o conteúdo de outros tratados bilaterais de protecção de investimento, a Declaração Conjunta Portugal-China de 1987 e a Notificação da China de 1999 ao Secretariado das Nações Unidas relativamente à anexação de Macau.

Na opinião do Supremo Tribunal, não sendo a análise de todos os elementos igualmente conclusiva, no seu conjunto, e tendo em particular atenção o conteúdo das cartas trocadas pelas partes e que não tinham sido disponibilizadas ao tribunal arbitral, ficou claro que a interpretação do Tribunal Arbitral não tinha sido a mais correcta.  

Possíveis consequências desta linha jurisprudencial para o futuro dos investimentos em Macau e a partir deste território

A decisão do Supremo Tribunal de Singapura obriga a que os investidores em Macau e aqueles que realizem investimentos a partir deste território no estrangeiro reavaliem até que ponto estão protegidos pelos tratados de protecção de investimento celebrados pela China. De facto, a interpretação do Supremo Tribunal de Singapura, se for replicada em futuras decisões, determina que uma parte muito significativa dos mais de cem tratados de protecção de investimento em vigor na China não vigorará em Macau.

Assim, futuros investimentos em Macau ou a partir deste território deverão, tendo em conta os referidos riscos de menor protecção, procurar estruturas e enquadramentos jurídicos que melhor os protejam de acções estatais de carácter expropriatório ou equivalente. De facto, o território de Macau apenas estabeleceu dois tratados bilaterais que foram celebrados, respectivamente, com Portugal e os Países Baixos.

A possibilidade de recorrer a tribunais arbitrais internacionais para resolver disputas entre investidores e Estados apresenta-se um dos componentes mais relevantes do actual sistema internacional de protecção de investimentos. Torna-se relevante, face aos novos desenvolvimentos jurisprudenciais, que Macau, a China e os seus governos revejam (e alarguem) o quadro de protecção que a que estão sujeitos os investimentos feitos neste território e feitos por investidores macaenses no estrangeiro. No entretanto, especial cuidado na análise do quadro legal aplicável a presentes e futuros investimentos recomenda-se.

[1] A decisão encontra-se disponível em: http://globalarbitrationreview.com/cdn/files/gar/articles/Singapore_HC.pdf

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