“Árbitros e clubes têm de trabalhar juntos”

António Moita, antigo internacional português e actual árbitro, considera que o râguebi em Portugal “já não é uma modalidade marginal”, apesar de o “amadorismo continuar a persistir”

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Filipe Monte

Com mais de 40 anos de ligação ao râguebi, primeiro como jogador e agora como árbitro, António Moita foi um dos mentores e impulsionadores das Escolas de Arbitragem em Portugal, fundamentais para o crescimento do número de árbitros a nível nacional. No entanto, este antigo internacional português reconhece, em entrevista ao P3 Râguebi, que esse aumento não tem acompanhado a evolução do número de jogadores. António Moita diz ainda que são precisos mais observadores e que “é importante os árbitros e os clubes perceberem que têm de trabalhar juntos”.

Como avalia a evolução do râguebi em Portugal a nível de equipas e das selecções. E a evolução da arbitragem?

A evolução do râguebi foi muito boa até cerca de 2011. Depois, com o falhanço da ida ao Mundial 2011, houve um retrocesso geral, a que não é alheia também a crise económica, que infelizmente ainda atravessamos. Além dos patrocinadores terem mais dificuldades em contribuir, também a saída de alguns jogadores estrangeiros e portugueses de qualidade, fez com que o nível geral do jogo na Divisão de Honra baixasse e isso reflectiu-se, sem dúvida, na selecção nacional. Sou, no entanto, da opinião que ao nível da primeira divisão e do râguebi de formação, na generalidade, se trabalha mais e melhor do que antes da nossa ida ao Mundial. A evolução na arbitragem também não tem sido fácil. Apesar da evolução, algo precoce mas conseguida de alguns jovens árbitros como Paulo Duarte e Afonso Nogueira, a saída da arbitragem de homens como Pedro Murinello, João Mourinha, Rohan Hofman ou João Erse, entre outros, não foi benéfica. No entanto, com a ida de Jorge Mendes Silva para a presidência do Conselho de Arbitragem da federação, penso que estarão reunidas todas as condições para a situação melhorar, dada a sua experiência no sector e o gosto de trabalhar em equipa. Faltam, no entanto, observadores de árbitros para complementar o bom trabalho dos últimos anos de quem está dentro de campo. Não me resta a menor dúvida de que, com observações e “coaching”, a evolução de qualquer árbitro é mais rápida, mais consistente e com isso, o râguebi nacional só terá a ganhar.

Quais são os maiores constrangimentos com que se deparam jogadores, equipas e árbitros?

Os maiores serão a falta de tempo para treinar devido ao amadorismo que continua a persistir. Também a iluminação deficiente na grande maioria dos campos do país não ajuda na evolução do jogo e torna-se mesmo perigoso para a integridade física dos jogadores. O “boom” de novos campos de râguebi, na presidência do engenheiro Raul Martins, merecia uma melhor atenção de todos os intervenientes relativamente à questão da iluminação ou à falta dela.

Como acha que se deve lidar e orientar os jovens em relação a uma modalidade que ainda é marginal em Portugal?

Desculpe discordar, mas o râguebi já não é uma modalidade marginal. Após a ida ao Mundial 2007, o râguebi nacional nunca mais foi o mesmo e chegou finalmente ao povo. Até 2007 o râguebi era baseado em equipas universitárias, oriundas ainda do primeiro “boom” que aconteceu nos anos 50. Com a ida ao Mundial, o número de jogadores em Portugal disparou para mais do dobro e apesar da pequena retracção após o falhanço de 2011, a modalidade chegou definitivamente a todas as classes sociais e para ficar, pois os jovens adoram jogar. No fundo, o râguebi é um jogo da “apanhada” com bola e 99% da população brincou na sua juventude à “apanhada”. É muito fácil ficarmos cativados, logo após o primeiro contacto com o jogo. As iniciativas da Associação de Rugby do Sul, à qual estou ligado pela Escola de Arbitragem, relativamente á introdução do Tag Rugby nas escolas tem sido muito frutuosa e faz com que todas as crianças toquem no “melão” e muitas fiquem logo bastante interessadas. Quando mete contacto e colisão, transforma-se em paixão.

O número de árbitros cresceu de 29 em 2006 para 40 em 2015.Que análise faz desse crescimento?

O crescimento dos árbitros tem sido, principalmente, devido ao trabalho realizado nas Escolas de Arbitragem, mas ainda está atrasado relativamente ao aumento do número de jogadores. É importante os árbitros e os clubes perceberem que têm de trabalhar juntos. Quase todos os árbitros praticaram râguebi num clube. Lá fora, nos países mais desenvolvidos, os árbitros trabalham com os treinadores. Cá, infelizmente, isso é muito raro. O que acontece normalmente é que o treinador treina a equipa e também arbitra o treino. Só que a sua atenção, foca principalmente nos aspectos tácticos e técnicos da sua equipa, deixando quase sempre de parte um capítulo tão importante do jogo como são as suas leis. Os árbitros deviam treinar com os vários escalões dos seus clubes e não se limitarem a dar umas corridinhas ou irem ao ginásio fazerem fortalecimento muscular. Treinarem ao ritmo de jogo ou por vezes a um ritmo mais elevado do que o jogo é deveras importante e essencial para arbitrarem melhor aos fins-de-semana.

Qual a sua opinião sobre as mudanças a nível da mêlée?

Desconheço as estatísticas a nível de top, mas na minha opinião são importantes para a defesa da integridade física de toda a primeira linha. Com um encaixe mais perto do adversário, o embate das primeiras linhas tornou-se um pouco mais suave e isso defende a integridade física dos jogadores, capítulo prioritário para qualquer árbitro da modalidade.

O que foi feito por parte da FPR para dar respostas às questões levantadas no ano passado quando os árbitros fizeram greve? E o que falta ainda fazer?

A questão dos atrasos nos pagamentos, não é de agora mas sim de longa data e é uma falsa questão. Comecei a arbitrar há 14 anos e quase sempre houve atrasos nos pagamentos. Uma coisa é certa, é uma realidade que a FPR. se atrasa bastantes vezes, mas mais tarde ou mais cedo honra os seus compromissos. Pelo que sei, nem sempre isso acontece em alguns clubes. Posso até adiantar, que isso aconteceu-me mais do que uma vez, nos últimos três anos em que fui treinador. A questão das greves tem acontecido sempre na altura em que os períodos de atraso ultrapassam os prazos normais, mas ultrapassam-se rapidamente com diálogo e regularização dos pagamentos. Quanto ao plano estratégico para evolução da arbitragem, tem sido implementado, principalmente com a chegada do novo conselho de arbitragem., mas há que dar tempo ao tempo. Como atrás referi, precisam-se de mais observadores e que quem deixe da arbitrar não se afaste do jogo, como infelizmente tem acontecido com as últimas gerações de árbitros. No que diz respeito ao livro da leis ainda não existir em português, penso que isso se vai resolver na próxima época, com o tão desejado regresso do râguebi aos Jogos Olímpicos. Estou certo que o World Rugby não deixará de fazer a tradução para a nossa língua, que como sabemos também é a língua do Brasil, país organizador.

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