O amor não está no ar mas Merkel e Tsipras esforçaram-se

Primeira visita do primeiro-ministro grego a Berlim decorreu sem diferenças de substância e num tom conciliador sobre discussão grega.

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Merkel recebe Tsipras à entrada da chanceleria JOHN MACDOUGALL/AFP
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Os dois líderes ouvem os hinos dos respectivos países TOBIAS SCHWARZ/AFP
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A conferência de imprensa de Tsipras e Merkel decorreu sem incidentes TOBIAS SCHWARZ/AFP
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A chanceler alemã e o primeiro-ministro grego mostraram um tom cordial TOBIAS SCHWARZ/AFP
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Os dois repetiram o que têm afirmado: Merkel quer controlo nas contas e Tsipras fazer diminuir a crise humanitária no seu país JOHN MACDOUGALL/AFP
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O tom do encontro foi conciliador TOBIAS SCHWARZ/AFP

O relato da conferência de imprensa após o encontro entre o primeiro-ministro grego, Alexis Tsipras, e a chanceler alemã, Angela Merkel, na primeira visita de Tsipras a Berlim, focava-se mais na interacção dos dois, no modo como falavam, e em pequenos detalhes do que foi dito do que em declarações decisivas para a crise da dívida grega.

Jornalistas dedicavam-se a analisar imagens da mesa da reunião entre as duas equipas (“há mais pastas do lado alemão”, comentava um veterano da crise do euro) e de quão longe iriam palavras elogiosas e gestos simpáticos. Em termos de linguagem corporal, a dada altura parecia existir um claro desequilíbrio entre um ar enfadado da chanceler Angela Merkel e um ar (esforçadamente?) simpático de Alexis Tsipras. Na pequena pausa para as fotos no final da conferência Merkel posa com rapidez mas sorridente.

O discurso de Merkel não foi diferente do que se esperaria – a Alemanha é só um dos 18 países do Eurogrupo pelo que não irá avaliar o plano de reformas grego sozinha. O encontro serviu para um melhor conhecimento entre dois líderes de dois países com ligações fortes – muitos gregos trabalham na Alemanha, muitos alemães passam férias na Grécia, notou a chanceler.

“Queremos uma Grécia forte, com crescimento, e queremos que o desemprego, especialmente entre os jovens, seja reduzido”, disse Merkel, acrescentando o habitual contraponto: “A Grécia precisa de reformas estruturais e um orçamento sólido como base para o regresso ao crescimento.”

O primeiro-ministro grego agradeceu a Merkel a oportunidade para trocar ideias sobre o futuro da Europa e começou por uma declaração para consumo alemão: “Podem imaginar que não vim a Berlim para pedir à chanceler alemã para pagar os salários e reformas dos gregos”. Seguiram-se promessas de respeitar regras e tratados, e de que a Grécia irá honrar os seus compromissos. Isto desde que – mais um comentário habitual em Tsipras – não seja à custa do aumento da crise humanitária que a Grécia vive. Uma crise para a qual, frisou o primeiro-ministro grego desta vez, não é certo culpar simplesmente os estrangeiros: “também há razões internas para a situação da Grécia”.

Nas perguntas e respostas houve muitas referências à II Guerra Mundial. Merkel diz que a questão das reparações da Alemanha à Grécia pelos danos causados está “política e legalmente encerrada”, mas admitiu que muitos alemães não têm plena noção da situação da Grécia durante a II Guerra e sublinhou que essa questão não será esquecida. Ao lado da chanceler, Tsipras não deixou cair a reivindicação grega, dizendo que a Grécia não desiste das reparações e que as considera uma obrigação moral.

Merkel mencionou a discussão sobre um fundo (da II Guerra), e Tsipras negou que houvesse alguma intenção de confiscar propriedade alemã na Grécia (como o Goethe Institut em Atenas), algo que um ministro do seu Governo sugeriu recentemente. Em qualquer caso, notou Tsipras, esta questão não deve ser ligada à discussão sobre a crise da dívida grega.

O primeiro-ministro grego criticou ainda comparações entre a Alemanha de hoje e a do nazismo. “Não se pode identificar a Alemanha de hoje com os crimes do Terceiro Reich”, declarou. Criticou um cartoon que fazia esta analogia que saiu num jornal do seu partido. E fez questão de deixar um elogio pessoal à chanceler: “A minha experiência pessoal é que é uma pessoa que está disposta a ouvir. Por vezes a imagem é diferente”, defendeu.

Os dois seguiram então para um jantar com o objectivo de continuar um caminho de entendimento mútuo.

Se Tsipras queria ter ouvido elogios às reformas propostas pelo seu Governo, isso não aconteceu. Se a expectativa do encontro era minorar alguns estereótipos que ambos têm permitido, num clima de discussão que tem estado especialmente envenenado, já houve algum avanço.

Verbas acabariam em Abril

O encontro entre Merkel e Tsipras surge na sequência de um sprint para tentar assegurar que há uma solução aceite tanto pelo novo Governo grego, eleito em Janeiro, como pelo Eurogrupo (e BCE e troika), que equilibre as contas gregas, faça reformas adiadas e contenha algumas medidas para aplacar a crise social destes seis anos de recessão em que o PIB caiu 25%.

A Grécia propôs uma série de reformas que receberam luz verde inicial mas os credores continuam à espera que sejam clarificadas para efectuar a transferência da última tranche do empréstimo, 7,2 mil milhões de euros. Até agora, o Governo grego aprovou no Parlamento as medidas de assistência social (sobretudo ajuda alimentar e electricidade para famílias que não a conseguem pagar) e os credores querem assegurar-se de que estas não farão derrapar as contas e que as restantes reformas serão concretizadas.

Pouco antes do encontro em Berlim, o diário britânico Financial Times divulgou uma carta de 15 de Março que Tsipras enviou a Merkel avisando-a de que Atenas poderia não conseguir pagar a sua dívida aos credores se a União Europeia não desbloqueasse no curto prazo a verba dos parceiros europeus (a última tranche do empréstimo está bloqueada desde antes das eleições por não terem sido feitas reformas consideradas chave).

Tsipras dizia que o país poderia ficar sem dinheiro até ao final de Abril e que nesse caso seria forçado a escolher entre pagar salários e reformas ou entrar em incumprimento com o pagamento previsto ao FMI. A segunda hipótese iria “levar a uma degradação aguda na situação já deprimida da Grécia”, por isso o Governo grego iria sempre escolher a primeira.

“Com esta carta, peço-lhe que não permita que um pequeno problema de liquidez, e uma certa inércia institucional, se torne num grande problema para a Grécia e para a Europa”, escreveu o primeiro-ministro grego.

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