Angola: a liberdade de expressão é mais importante do que os diamantes
A lei relativa à denúncia caluniosa pela qual Rafael Marques vai ser julgado deve ser considerada uma violação da Constituição de Angola e das obrigações de Angola à luz do direito internacional.
O jornalista Rafael Marques de Morais escreveu um livro e, por esse motivo, pode ir para a prisão. O seu livro, publicado em Portugal em 2011, descreve alegadas graves violações de direitos humanos cometidas por generais do Exército e empresas nas minas de diamantes de Angola. Esses generais e empresas vão levá-lo a tribunal no próximo dia 24 de março em Angola, por denúncia caluniosa, punível pela atual lei angolana, não só com prisão mas também com uma penalização monetária.
Rafael Marques tem um longo historial de trabalho através do qual responsabiliza o Governo angolano, nas suas investigações jornalísticas, não só fundamentadas mas conceituadas, por violações de direitos humanos e corrupção. Rafael Marques recebeu numerosos prémios internacionais de prestígio pelo seu trabalho. É um defensor da igualdade de oportunidades no âmbito dos direitos humanos, e trabalha para expor violações, independentemente de quem as pratica. Devido ao seu trabalho, foi preso e detido várias vezes em Angola. O Comité de Direitos Humanos das Nações Unidas determinou que uma anterior condenação por difamação violava os direitos à liberdade e à segurança pessoal, liberdade de movimento e liberdade de expressão.
O livro pelo qual Rafael Marques vai a tribunal, Diamantes de Sangue, Corrupção e Tortura em Angola, faz graves acusações de flagrantes violações de direitos humanos cometidas contra residentes na região das Lundas, no decurso de escavações em minas de diamantes, nomeadamente mortes, tortura e desalojamentos forçados. Os militares, as empresas das minas de diamantes e as empresas de segurança privada envolvidas tentaram inicialmente processar Rafael Marques por difamação em Portugal, mas o caso foi arquivado. Mudaram depois de local, e avançaram com uma ação legal contra Rafael Marques em Angola.
Já ocorreram irregularidades neste processo legal contra Rafael Marques, incluindo interrogatórios sem a presença do seu representante legal, notificações e citações inapropriadas, e uma contradição de fundo: a aparente intenção do Governo de chamar Rafael Marques como testemunha, de que resultou a sua constituição como arguido e como testemunha do Estado no seu próprio julgamento.
As organizações e os indivíduos abaixo assinados mostram-se preocupados com a possibilidade de Rafael Marques não ter um julgamento justo, assim como com os repetidos esforços do Governo angolano para restringir a sua liberdade de expressão, e, ainda, de outros jornalistas e cidadãos no país. A Amnistia Internacional, a Human Rights Watch, a Media Legal Defence Initiative, o Centro de Litigação da África Austral, o Comité para a Proteção dos Jornalistas, os Repórteres sem Fronteiras, a Freedom House e muitos outros expressaram preocupações relativamente a mortes documentadas, desaparecimentos, intimidação e violência contra jornalistas e cidadãos no exercício da sua liberdade de expressão.
Instamos o sistema judicial angolano a reconhecer a decisão de dezembro de 2014 do Tribunal Africano para os Direitos Humanos e dos Povos num caso de difamação contra um jornalista no Burkina Faso, segundo a qual as penas de prisão como sanção para a difamação violam a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos e o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos. A lei relativa à denúncia caluniosa pela qual Rafael Marques vai ser julgado deve ser considerada uma violação da Constituição de Angola e das obrigações de Angola à luz do direito internacional.
Signatários:
Amnistia Internacional – Deprose Muchena, Diretor para a África Austral
Amnistia Internacional Portugal – Teresa Pina, Diretora Executiva
Amnistia Internacional EUA – Steven Hawkins, Diretor Executivo
Anistia Internacional Brasil – Átila Roque, Diretor Executivo
Transparency International – Cobus de Swardt, Diretor Geral
Transparência e Integridade, Associação Cívica - João Paulo Batalha, Diretor Executivo
Iniciativa de Defesa Legal dos Media – Peter Noorlander, Diretor Executivo
Centro de Litigação da África Austral – Kaajal Ramjathan-Keogh, Diretor Executivo
Repórteres Sem Fronteiras – Christophe Deloire, Secretário-Geral
Comité para a Proteção dos Jornalistas – Susan Valentine, Coordenadora do Programa de África
Global Witness – Simon Tayor, Diretor
Freedom House – Mark Lagon, Presidente
Front Line Defenders – Mary Lawlor, Diretora Executiva
PEN American Center – Suzanne Nossel, Diretora Executiva
Newseum – Peter S. Prichard, Diretor Executivo e Presidente
Associação Mundial de Jornais e Editores de Notícias – Alison Meston, Diretora de Campanhas Globais
Centro Robert F. Kennedy para a Justiça e Direitos Humanos – Jeffrey Smith, Responsável por Advocacy
Associação Justiça Paz e Democracia – Maria Lúcia da Silveira, Presidente
Open Society Foundation Angola – Elias Isaac, Diretor Nacional
Comissão Internacional de Juristas – Arnold Tsunga, Diretor do Programa África
Projeto de Defensores dos Direitos Humanos no Oriente e no Corno de África – Hassan Shire, Diretor Executivo
Rede Pan-Africana de Defensores de Direitos Humanos – Hassan Shire, Presidente
ARTICLE 19 – Henry Omusundi Maina, Diretor Regional para a África Ocidental
Advogados do Zimbabwe para os Direitos Humanos – Irene Petras, Diretora
Instituto para os Direitos Humanos e Desenvolvimento em África – Gaye Sowe, Diretor de Programas
Instituto de Direitos Humanos da África do Sul – Corlett Letlojane, Diretora Executiva
Ação dos Cristãos para a Abolição da Tortura – Jean-Etienne de Linares, Diretor Executivo
OMUNGA – José Patrocínio, Coordenador Geral
União dos Advogados Pan-Africanos – Donald Deya, Diretor Executivo
Federação Internacional dos Direitos Humanos – Tchérina Jerolon, Vice-Diretora do Departamento Africano
DITSWANELO – Alice Mogwe, Diretora Executiva
Fundação para as Iniciativas de Direitos Humanos – Sheila Nabachwa, Diretora Executiva
Equal Rights Trust – Dimitrina Petrova, Diretora Executiva
WLSA Moçambique – Calista Terezinha da Silva, Coordenadora Nacional
Associação de Advogados da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral-SADC – Gilberto Caldeira Correia, Presidente