“Mãe, é bué fixe, o Sol está a ser tapado”

Centenas de pessoas em Lisboa e no Porto reuniram-se logo de manhã para ver o eclipse solar parcial em locais preparados para tal.

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No Porto a observar-se o eclipse com óculos especiais Fernando Veludo/NFactos
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Um milhar de pessoas esteve na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa a ver o eclipse Daniel Rocha
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O eclipse visto no céu, a partir de um avião, por cima do mar da Noruega Sergei Karpukhin/Reuters
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O eclipse visto na Inglaterra Toby Melville/Reuters
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Uma mulher em Toulouse, na França, usa uns óculos especiais para ver o eclipse com um Sol a dizer: "Pode observar-me com estes óculos porque a luz está dividida por 100.000." Remy Gabalda/AFP

Uma pequena dentada na parte superior direita do Sol anunciava nesta sexta-feira, por volta das 8h, o eclipse solar parcial. Pedro Ré, biólogo, astrónomo amador e subdirector da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL) está a chamar: “Venham cá ver, já começou o eclipse!” Pela sua luneta, instalada mesmo à frente do edifício C8, no Campo Grande, é possível ver o início de um fenómeno que durou cerca de duas horas e atraiu ali um milhar de pessoas.

O primeiro eclipse solar de 2015 agraciou uma região da Terra muito pouco povoada. Só as pessoas que estiveram nesta sexta-feira nas ilhas dinamarquesas de Feroé, entre o Reino Unido e a Islândia, e as ilhas Svalbard, da Noruega, já perto do Pólo Norte, tiveram direito a um eclipse solar total — quando a Lua passou entre o Sol e a Terra, escondendo-o completamente.

Em Portugal, tanto nos arquipélagos da Madeira e dos Açores como no Continente, bem mais a sul do que a região apanhada pelo eclipse total, o espectáculo foi mais humilde. Quem estava em Lisboa, por exemplo, viu a Lua tapar o Sol em 66,9%.

Ainda assim, as poucas pessoas que iam chegando ao C8 uns minutos antes dos 7h59 — a hora marcada para o início do fenómeno —, deparavam-se com dois telescópios maiores, colocados à direita da luneta de Pedro Ré. Havia ainda muitos óculos de eclipse para a observação — olhar directamente para o Sol sem protecção pode causar danos irreversíveis na visão. Os telescópios e a luneta também foram montados de forma a proteger os olhos dos curiosos.

Atrás dos vários aparelhos começaram a formar-se filas à medida que o Sol ficava comido. No céu, as nuvens tapavam às vezes o espectáculo.

À espera de observar o fenómeno num dos dois telescópios, encontramos António Porfírio, de dez anos, com o pai e a mãe numa fila. “Acho que vi outro eclipse a olho nu, à noite”, diz-nos, depois de olhar pelo telescópio. Pedro João Porfírio, o pai, explica-lhe que esse era um eclipse da Lua, agora estava a ver a Lua a tapar o Sol. Na cara do rapaz percebe-se que a mensagem causou estranheza, e ele põe os óculos de eclipse para voltar a olhar como se fosse a primeira vez.

“É importante aprender no lugar”, defende Maria João Miguens, a mãe de António Porfírio, acrescentando que estar a observar o eclipse é emocionante. “Este fenómeno tem a ver com estarmos aqui na Terra. O Sol e a Lua sempre foram dois astros muito importantes para nós.”

As lajes entre o relvado do C8 e os telescópios vão começando a desaparecer, à medida que mais gente vai chegando. José Luís Ribeiro e André Silva, dois alunos de física da FCUL, têm óculos de eclipse na mão. Quando se olha para o eclipse com os óculos, o Sol é de um laranja encantador, e surge cada vez mais comido.

“A última vez que vi um eclipse foi em 1999”, recorda José Luís Ribeiro, de 20 anos. “Estava em casa da minha tia e não o vi até ao fim. Fartei-me. Era pequeno”, justifica, acrescentando que este “é um fenómeno interessante que não se vê frequentemente”. André Silva, de 19 anos, diz que sempre gostou de astronomia. Quanto ao eclipse, diz que é difícil explicar este fascínio, mas que ele está ligado “à afinidade com o desconhecido e com o sistema solar”.

Por volta das 8h30, Rui Agostinho, astrofísico e professor na FCUL, e director do Observatório Astronómico de Lisboa (OAL), agarra no microfone e assume o papel de mestre-de-cerimónias, explicando o fenómeno, incitando à sua observação e fazendo rir a “plateia”: “O eclipse é o último das vossas vidas... até ao próximo.”

O astrofísico foi um dos organizadores da iniciativa. No próprio OAL, na Tapada da Ajuda, também havia telescópios preparados para ver o fenómeno. Mais de uma centena de pessoas esteve lá, de acordo com a agência Lusa. Estavam marcadas em muitas cidades do Continente, e nos Açores e na Madeira, iniciativas semelhantes que permitiam a observação segura e informada do eclipse.

No Porto, mais de 500 pessoas viram-no junto ao planetário, segundo o astrónomo Ricardo Cardoso Reis. Aqui, o ambiente é descontraído, há muitos pais a acompanhar os filhos, há jovens estudantes e pessoas de outras idades. Os visitantes vão-se dividindo entre telescópios, para ver o eclipse com filtros diferentes.

“Sou uma apaixonada pela astronomia”, confessa-nos Justina Matos, professora de biologia de 66 anos. “Sei de tudo o que se relaciona com a astronomia. Estou sempre informada. Vim até aqui porque não queria estar a ver o eclipse sozinha, gosto de companhia. É como as pessoas que vão ver os jogos de futebol ao estádio. Gostam que ele esteja cheio.”

Para Ricardo Cardoso Reis, o facto de haver meios de observação foi importante para as pessoas: “Está aqui muita gente curiosa. A principal causa é o facto de estarmos a ver o Sol, aparentemente, a desaparecer.”

Para os mais novos, esta pode vir a ser a primeira memória de sempre deste fenómeno. “Nunca tinha visto um eclipse. Agora já vi a Lua cortada em cima do Sol”, diz Eva Romão, de nove anos. Já João Correia, de sete, quer manter a paixão pela astronomia: “Quero ser polícia, mas ao mesmo tempo espero continuar a gostar de astronomia.”

De volta a Lisboa, ao Campo Grande, à

s 9h01 o eclipse atingiu o auge. O ar frio da manhã parece não querer ir-se embora e sente-se menos luminosidade do que o normal. Junto ao C8, há agora uma massa de gente. Para um dos telescópios, a fila tem 45 pessoas. Um jovem levanta para toda a gente um caderno A4 onde se lê a palavra “Apocalipse”, enquanto diz em voz alta “Olha o Apocalipse!”.

“Está aqui um milhar de pessoas”, estima Rui Agostinho. “As pessoas vêm e vão. Mas há famílias que vieram para ficar”, diz-nos. Caminhando por ali, vê-se um rapaz boquiaberto, com os braços abertos e os óculos de eclipse postos. “Mãe, é bué fixe, o Sol está a ser tapado”, diz, traduzindo a alegria que se sente no ar.

À medida que a segunda hora do eclipse avança, a Lua já estava a destapar o Sol. As pessoas também começam a esvaziar o espaço. “O eclipse já está a chegar ao fim, está agora em saldo. Aproveitem, aproveitem!”, diz Rui Agostinho ao microfone, enquanto convida os transeuntes a frequentar os cursos da área da física, onde se explicam os fenómenos astrofísicos observados nesta sexta-feira — além do eclipse, a Terra passa pelo equinócio da Primavera e, devido ao alinhamento da Terra com a Lua e o Sol, há supermarés nestes dias.

Inês Oliveira, de 20 anos, confirma a ideia: “Agora, estando no curso de física, as coisas fazem mais sentido, consigo compreender melhor o fenómeno.” Mas continua a ser difícil explicar o fascínio do eclipse: “É uma coisa que me ultrapassa.”

Algumas turmas de escolas primárias só agora é que apareceram. Rui Agostinho defende que ver o eclipse é importante para a educação: “No ensino da ciência é tão importante as crianças irem ver os animais como irem conhecer aspectos da geologia. E o eclipse é mais um fenómeno que caracteriza o planeta.”

No céu, às 10h08, o Sol voltou a surgir inteiro. As nuvens desapareceram. O espaço esvaziou-se. O eclipse acabou, resta desmontar o equipamento. Quem quiser poderá voltar a observá-lo no site do OAL. O próximo eclipse solar significativo em Portugal será a 12 de Agosto de 2026. Em Portugal, 90% do Sol ficará então tapado. E Rui Agostinho já está a pensar no futuro: “Está marcado um novo encontro aqui para daqui a 11 anos. Apareçam!” 

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