Sindicato confirma que existe lista VIP com “aval político”

Associação sindical dos inspectores tributários não assume que o filtro exista, mas se for real ameaça com processos judiciais os seus responsáveis.

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Paulo Ralha Miguel Manso

A lista de contribuintes VIP existe, foi preparada, controlada por altos funcionários e teve o “aval político” do secretário de Estado Paulo Núncio. Há provas da intervenção do governante? Não, apenas “testemunhas directas” não identificadas. Foi esta a versão que Paulo Ralha, presidente do Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos, apresentou aos deputados. Já o representante sindical dos inspectores tributários tem dúvidas de que a lista exista, mas exige esclarecimentos. A maioria PSD/CDS, com indisfarçável incómodo, quis salvaguardar Núncio, mas garantiu que quem está envolvido tem de ser “penalizado”.

Só um ponto pareceu unir sindicatos e deputados de todas as bancadas: uma lista de contribuintes cujo acesso é mais restrito por parte dos funcionários é inaceitável. De resto, as versões sobre a situação divergiram nas duas audições na comissão parlamentar de Orçamento e Finanças.

Paulo Ralha disse aos deputados não ter dúvidas de que a lista VIP existe tendo em conta que, em Outubro de 2014, mudaram os procedimentos para averiguar o acesso indevido por parte de funcionários. Se antes essa averiguação era a posteriori – depois de notícias ou de denúncias de violação do segredo fiscal de um dado contribuinte – agora (desde Outubro) é a priori. O sindicalista referiu as centenas de processos disciplinares abertos a funcionários desde Outubro passado por acesso indevido a dados fiscais contra “zero” anteriormente registados.

Para provar a existência de uma mudança de procedimentos no registo do acesso a determinados números de contribuinte, Ralha fez distribuir um despacho (ao que o PÚBLICO teve acesso) em que é referido que “no âmbito do controlo de acesso às aplicações informáticas” a “estratégia de monitorização” foi “objecto de sancionamento” por José Maria Pires, subdirector demissionário e em substituição do director da Autoridade Tributária (AT).

O envolvimento e o conhecimento do secretário de Estado nesta estratégia foi a principal pergunta dos partidos da oposição – PS, PCP e BE. O sindicalista respondeu não ter “nada de palpável, nada de concreto”, mas disse que pelas informações que tem “dos colegas a lista terá sido entregue por Paulo Núncio”. Ralha acabou por dizer que tem “testemunhas directas” da intervenção do secretário de Estado na elaboração da lista, mas que não as pode identificar na comissão. E acrescentou: “Nenhuma administração deste país implementa um processo destes sem o conhecimento, sem o aval político.”

Questionado sobre o perfil dos contribuintes que constam da lista, Paulo Ralha disse apenas de ter conhecimento de que Passos Coelho, primeiro-ministro, Paulo Portas, vice-primeiro-ministro, e Manuel Pinho, antigo ministro da Economia do PS, estão na bolsa, tendo em conta os processos de averiguação instaurados a funcionários por acesso indevido.

Entre os altos funcionários que estão envolvidos na elaboração da lista e que, na opinião de Paulo Ralha, “não têm condições” para continuar em funções estão o chefe de auditoria interna, Vítor Lourenço, a directora-geral de Informática, Graciosa Martins, Morujão Oliveira, chefe de Segurança Informática, além de José Maria Pires, sub-director da Justiça Tributária, que já se demitiu.

Mais uma vez foi pedida a cabeça de Paulo Núncio. “Se o secretário de Estado não sabia – e o gabinete dele está a 300 metros do gabinete do diretor-geral da Autoridade Tributária (AT) –, não tem capacidade para controlar a máquina aduaneira. Se sabia, é incompetente, e então também não deve estar no cargo”, afirmou o dirigente sindical. Mais à frente apontou o dedo a José Maria Pires como o “pivot” de toda a situação. E insistiu na “proximidade” a Núncio: “É muito duvidoso que [José Maria Pires] o tenha feito por iniciativa própria”.

Ao longo da audição, as declarações de Paulo Ralha agitaram os deputados da maioria PSD/CDS, numa audição muito concorrida, chegaram a estar oito parlamentares sociais-democratas e cinco democratas-cristãos na sala. Foi ainda lembrado que o sindicato optou por revelar o caso publicamente depois de alguns alertas internos aos responsáveis sem aparente consequência. Houve ainda uma reunião com o PSD, a 21 de Janeiro, em que esteve o deputado Duarte Pacheco, também presente na audição, em que foi dada a conhecer a bolsa, mas o parlamentar nega ter registo dessa informação.

Sem conseguir esconder a irritação e o embaraço, os deputados da maioria exigiram provas. “Se essa lista existir é inaceitável, estamos de acordo. Se existe essa lista VIP os responsáveis devem ser penalizados”, afirmou Virgílio Macedo do PSD. Na mesma linha, o CDS, defendeu o seu secretário de Estado. “É inadmissível que exista uma lista como esta. Fez referências vagas para provar o que diz”, disse Vera Rodrigues, dirigindo-se a Paulo Ralha.

Ameaças de tribunal
Só na segunda audição os deputados da maioria descontraíram mais um pouco. É que o presidente da Associação Sindical dos Profissionais da Inspecção Tributária, Nuno Barroso, disse não ter provas documentais sobre a existência da lista ou que Paulo Núncio sabia deste filtro. “Não temos provas documentais de que tenha sido introduzida esta metodologia no sistema informático”, afirmou. Questionado pelo PS sobre se é possível criar uma lista VIP sem o conhecimento do secretário de Estado, Nuno Barroso respondeu positivamente. “Sim é possível sem o conhecimento de um responsável político. Os responsáveis [os mesmos apontados por Paulo Ralha] têm acesso a todas as bases de dados desta casa e é possível fazer alterações aos registos de acesso”, afirmou, acrescentando que um técnico sozinho não o consegue fazer.

O representante sindical dos inspectores tributários exige esclarecimentos totais sobre a situação e ameaçou com processos judiciais os responsáveis pela criação e gestão de uma eventual lista VIP. “Nós não assumimos que [a lista] existe, queremos saber se existe e quem a despoletou. E proceder judicialmente quem a despoletou”, afirmou Barroso, divulgando um conjunto de dez perguntas sobre a matéria que foram dirigidas ao director da AT, Brigas Afonso, no passado dia 10 de Março, e que ficaram sem resposta até hoje.

Apesar de não envolver o secretário de Estado, Nuno Barroso não descarta para já as responsabilidades políticas. Essas “dependem” de respostas dos que vão ser ouvidos esta sexta-feira: Brigas Afonso, José Maria Pires e o próprio Paulo Núncio.

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