O "CSI Cervantes" vai continuar

Equipa que acredita ter localizado os restos mortais do autor de Quixote vai traçar o seu perfil genético. Mau estado das ossadas vai dificultar o processo de recolha do ADN.

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Cervantes, segundo Juan de Jáuregui, c.1600 DR

Foi na conferência desta terça-feira que a equipa de 30 investigadores dirigida pelo antropólogo forense Francisco Etxeberria disse aos jornalistas que era bem “possível” que tivesse identificado os restos mortais de Miguel de Cervantes (1547-1616), o autor do célebre romance de cavalaria D. Quixote de la Mancha.

Ao longo de quase duas horas, antropólogos, historiadores e outros elementos da equipa que há um ano procura a sepultura deste escritor universal – e que nos últimos 50 dias transformou a cripta da igreja do Convento das Trinitárias Descalças, em Madrid, num verdadeiro laboratório -, explicaram de que hipóteses partiram, que documentos analisaram e como chegaram às conclusões preliminares com base nos dados científicos recolhidos. Agora, em entrevista ao diário espanhol ABC, Etxeberria, também professor de Medicina Legal da Universidade do País Basco e director da Sociedade Científica Aranzadi, garantiu que o projecto terá continuidade, sendo a próxima fase dos trabalhos, a terceira, dedicada a traçar o perfil genético de Cervantes.

Para isso, a equipa deste antropólogo que também já dirigiu a exumação dos corpos do poeta Pablo Neruda e do presidente chileno Salvador Allende, bem como de dezenas de partidários republicanos depositados em valas comuns durante a Guerra Civil de Espanha, vai pegar nos ossos atribuídos a Cervantes e deles extrair ADN, “mesmo não havendo comparação possível [com o ADN de familiares do escritor]”.

O perfil genético, explica, “é uma espécie de código de barras que inclui sinais de identidade provenientes do pai e da mãe. Esse código torna cada indivíduo singular. No caso de Miguel de Cervantes, e porque se tratam de restos mortais deteriorados, não sabemos como surgirá tal perfil”, disse, lembrando que o escritor e dramaturgo morreu há 400 anos e que as suas ossadas, enterradas no solo da cripta das trinitárias, estavam misturadas com as de outros 16 adultos e crianças, o que pode comprometer os resultados.

Na mesma entrevista ao diário espanhol, o director desta equipa multidisciplinar, que inclui também vários arqueólogos, lamentou ainda não terem conseguido executar a reconstrução facial do escritor – os restos atribuídos a Cervantes não incluíam ossos que permitissem fazê-la – nem identificar vestígios com marcas dos ferimentos no esterno e na mão esquerda que o autor de Quixote terá sofrido na Batalha de Lepanto.

Esta terceira fase dos trabalhos será “estritamente científica”, depois de uma primeira “mais técnica”, de localização e identificação dos restos mortais, e de outra “claramente científico-cultural”, em que os dados recolhidos foram analisados à luz das provas documentais e históricas conhecidas.

O projecto prossegue agora em laboratórios especializados, mas Etxeberria continua cauteloso em relação ao que se poderá vir a concluir e, para o demonstrar, invoca um princípio da medicina forense que toma como conselho: “quando há pouco osso é melhor falar pouco.”

 

 

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