Relação recusa perigo de fuga mas teme risco de Sócrates perturbar inquérito

Defesa já está a preparar novo recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa a contestar o despacho que revalidou a prisão preventiva, decretado há dias.

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Juízes da Relação tomaram decisão sobre recurso da prisão preventiva em 14 dias Carlos Lopes (arquivo)

O Tribunal da Relação de Lisboa rejeitou que existam indícios que possam fundamentar o perigo de fuga do ex-primeiro-ministro José Sócrates, mas aceitou que os dados existentes no processo conhecido como Operação Marquês permitem comprovar o risco de perturbação da recolha e conservação da prova, confirmando, por isso, a prisão preventiva do antigo governante.

Esta decisão debruça-se apenas sobre o primeiro despacho do juiz Carlos Alexandre a determinar a prisão preventiva, de 24 de Novembro, não abrangendo o reexame da medida de coacção feito a 24 de Fevereiro e a 9 de Março. A reacção à renovação da prisão preventiva já está a ser preparada pela defesa de Sócrates, que irá interpor um novo recurso na Relação de Lisboa.  

Relativamente à decisão conhecida esta terça-feira, a defesa de Sócrates remete a reacção para esta quarta, depois de analisar com cuidado as 66 páginas da decisão. “Neste momento, apenas registo que fomos notificados duas horas depois da publicitação da decisão por parte do presidente da Relação de Lisboa”, critica o advogado Pedro Delille. O representante diz ter sido contactado já depois das 17h por um funcionário da Relação de Lisboa que o informou que devido a problemas no Citius não conseguia notificar os advogados através da plataforma informática, solicitando os respectivos emails para fazê-lo dessa forma.

“Se o ex-primeiro-ministro estivesse preso preventivamente apenas devido ao perigo de fuga, a Relação tinha-o libertado hoje. Mas como também foi invocado o perigo de perturbação da recolha e conservação da prova e esse requisito foi confirmado o antigo governante mantém-se em prisão preventiva”, explicou ao PÚBLICO o presidente da Relação de Lisboa, Luís Vaz das Neves.

Estes dois requisitos foram apresentados pelo juiz Carlos Alexandre para fundamentar a necessidade de Sócrates ficar preso preventivamente, num despacho proferido a 24 de Novembro. Em despachos e informações conhecidas no âmbito dos processos de habeas corpus, ficou-se a saber os factos que levaram o magistrado a considerar a existência do perigo de fuga. Por um lado, Carlos Alexandre refere uma viagem que Sócrates tinha previsto para o Brasil, como consultor da empresa farmacêutica Octapharma, com início a 24 de Novembro e, por outro, as relações privilegiadas que mantinha com responsáveis políticos de países da América do Sul, que o poderiam acolher.

Relativamente ao perigo de perturbação do inquérito, o argumento central do juiz teve a ver com o facto de, após a detenção do então motorista de Sócrates e do seu amigo Carlos Santos Silva, terem sido retirados de sua casa pela empregada doméstica um computador portátil e dispositivos electrónicos para armazenar informação. Isto na véspera da detenção do ex-primeiro-ministro. Isso foi admitido pela defesa, que alegou ter sido a mãe de Sócrates a dar essa ordem e acabou por dar indicações durante o interrogatório judicial que permitiram recuperar os equipamentos dois dias após a detenção do antigo governante.

Os juízes que analisaram o recurso – o relator Agostinho Torres e o adjunto João Carrola - avaliaram e confirmaram a existência de fortes indícios dos crimes de fraude fiscal qualificada, corrupção e branqueamento de capitais, pelos quais Sócrates está indiciado, cuja existência era contestado pela defesa de Sócrates no recurso. 

O presidente da Relação de Lisboa adianta que a decisão, tomada por unanimidade, rejeitou as nulidades processuais invocadas pelos advogados do ex-primeiro-ministro. Em causa, segundo Vaz das Neves, estava o facto de a defesa entender que Sócrates deveria ter sido ouvido pelo juiz Carlos Alexandre imediatamente antes de este ter decretado a sua prisão preventiva, uma decisão que consideravam igualmente não se encontrar devidamente fundamentada. Isto porque no despacho que aplicou as medidas de coacção, o juiz Carlos Alexandre remeteu para os argumentos apresentados pelo Ministério Público. 

Vaz das Neves fez ainda questão de fazer uma breve cronologia sobre o desenrolar do recurso dentro da Relação de Lisboa, realçando que os magistrados encarregues deste caso tomaram uma decisão em menos de 15 dias. Vaz das Neves lembrou que os autos chegaram àquela instância apenas a 2 de Fevereiro, tendo no dia 11 o Ministério Público que está junto daquele tribunal emitido um parecer. A defesa foi notificada para se pronunciar sobre esta posição e utilizou o prazo máximo disponível, tendo respondido apenas a 3 de Março. O recurso foi para as mãos dos juízes a 4 de Março, tendo esta terça-feira, passados 14 dias, sido anunciada a decisão.   

Esta quarta-feira será a vez de ser conhecida a decisão da Relação de Lisboa quanto ao recurso apresentado por Carlos Santos Silva, um empresário amigo de Sócrates, que está igualmente em prisão preventiva no âmbito deste caso.  

Juízes dificilmente poderiam ter mandado libertar ex-governante
Os juízes da Relação de Lisboa que avaliaram a prisão preventiva de José Sócrates dificilmente estariam em condições de mandar libertar o antigo primeiro-ministro. Isto porque o que os magistrados analisaram neste recurso foi o primeiro despacho a determinar a prisão preventiva do antigo governante e, enquanto essa acção estava pendente, houve uma nova decisão a reavaliar as medidas de coacção, que manteve Sócrates na cadeia.

Com base em novos factos apresentados pelo Ministério Público, o juiz Carlos Alexandre renovou a prisão preventiva de Sócrates, num despacho intercalar de 24 de Fevereiro e noutro de 9 de Março. Cumpriu assim uma determinação legal que o obriga a reexaminar a prisão preventiva no máximo de três em três meses.

“A Relação de Lisboa não teve sequer conhecimento do despacho de reapreciação da prisão preventiva. Essa decisão só pode ser atacada por via de um novo recurso”, admite o presidente da Relação de Lisboa, Luís Vaz das Neves.

O magistrado defende que os prazos previstos para os recursos, tanto para a defesa como para o Ministério Público, deviam ser encurtados, para que não possa existir uma reavaliação da prisão preventiva antes da segunda instância se pronunciar sobre a primeira decisão. “Normalmente a Relação decide antes do reexame da medida de coacção. Só em casos como estes, em que a defesa esgota os prazos na totalidade, é que a questão se coloca”, afirma Vaz das Neves.

O recurso de Sócrates entrou no Tribunal Central de Instrução Criminal a 19 de Dezembro e o procurador Rosário Teixeira teve um mês para se pronunciar (o mesmo prazo que a defesa teve para interpor o recurso). Por isso, só entrou na Relação a 2 de Fevereiro. O processo foi primeiro ao Ministério Público junto da Relação e, como este deu um parecer, a defesa teve que ser notificada para se pronunciar. Tal aconteceu apenas a 3 de Março, tendo chegado às mãos dos juízes no dia seguinte. Bem depois do prazo limite dos três meses para reavaliar a prisão preventiva que se esgotou a 24 de Fevereiro.

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