Supremo encontra irregularidades no reexame da prisão preventiva de Sócrates

Juiz de instrução diz que José Sócrates e Carlos Santos Silva ocultaram obras de arte. Relação de Lisboa anuncia esta terça-feira decisão sobre recursos das medidas de coacção.

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Sócrates saberá esta terça-feira o resultado do recurso da prisão preventiva.

O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) recusou esta segunda-feira o pedido de libertação imediata – habeas corpus – apresentado pela defesa de José Sócrates, apesar de ter apontado duas irregularidades no processo de reexame da prisão preventiva do ex-primeiro-ministro. Considera, contudo, não estar perante ilegalidades grosseiras que relevem no âmbito de um processo tão excepcional como o habeas corpus.

Entretanto, esta terça-feira à tarde o Tribunal da Relação de Lisboa anuncia a decisão sobre os recursos das medidas de coacção. O facto de, entretanto, ter havido a reavaliação da prisão preventiva de Sócrates, com base em novos factos que não constavam da primeira decisão, a que está em análise, pode colocar em causa a utilidade deste recurso, interposto em Dezembro.

Entre os novos factos apresentados pelo Ministério Público a propósito do reexame da medida de coacção estão “novos indícios do perigo de perturbação da recolha de prova, traduzidos na forma como foram pagas determinadas despesas de viagens e de estadias em hotel e na forma como foram ocultadas determinadas obras de arte, adquiridas pelo arguido Carlos Silva e colocadas na esfera do ora requerente [Sócrates]”. A novidade consta de uma informação enviada pelo juiz Carlos Alexandre ao Supremo, no âmbito do habeas corpus e citado nele.

Os juízes Santos Cabral e Oliveira Mendes, que assinam a decisão do STJ, consideram que Carlos Alexandre deveria ter dado ao antigo governante a possibilidade de se pronunciar antes de ter determinado o reexame da medida de coacção e devia ter fundamentado a sua decisão, o que dizem não aconteceu. Falam, por isso, na existência de irregularidades, que, contudo, dizem não devem ser analisadas em sede de habeas corpus.

As críticas dos juízes conselheiros têm por base o pressuposto de que a prisão preventiva do ex-primeiro-ministro foi revista num despacho de 24 de Fevereiro, quando se perfaziam três meses sobre a determinação da mais gravosa medida de coacção a Sócrates, e não num outro de 9 de Março.

No primeiro despacho, o juiz Carlos Alexandre decide notificar a defesa de Sócrates dos novos factos apresentados pelo Ministério Público para defender a necessidade de Sócrates continuar em prisão preventiva, a propósito da reavaliação da medida de coacção. “São invocados novos elementos de prova. Entendo ser útil a pronúncia do arguido”, sustenta o juiz numa curta exposição, que termina com a frase: “No ínterim, mantenho o estatuto processual vigente.”

Só no despacho de 9 de Março e já passado o prazo dado à defesa para se pronunciar sobre os novos factos é que o juiz Carlos Alexandre fala expressamente do reexame da medida de coacção. “Por entender que se mantêm em concreto os perigos que estiveram na base da aplicação ao arguido José Sócrates Carvalho Pinto Sousa da medida de coacção de prisão preventiva” e “não tendo surgido qualquer facto novo susceptível de alterar as circunstâncias e pressupostos que fundamentaram tais medidas renovando o exame a que alude o artigo 213 n.º1 a) do CPP, decido mantê-la”.

Os juízes do STJ ainda questionam qual será o despacho que reavalia a medida de coacção, mas acabam por concluir que é o primeiro. Tal consideração evita que os magistrados se pronunciem sobre o efeito do não cumprimento do prazo máximo de reexame da prisão preventiva, obrigatório pelo menos de três em três meses.

"Em nosso entendimento, no caso vertente e quanto ao despacho de 24 de Fevereiro, a fundamentação inexiste. Falha que conduz necessariamente à irregularidade da mesma decisão. Porém, e como já se referiu, a providência em causa constitui um mecanismo expedito que visa pôr termo imediato a situações de prisão manifestamente ilegais". E acrescentam:  “O habeas corpus não é o meio adequado para impugnar as decisões processuais ou arguir nulidades e irregularidades processuais, as quais terão de ser impugnadas através de meio próprio”.

Outra irregularidade apontada pelos juízes conselheiros diz respeito à audição do arguido antes da reavaliação da prisão preventiva. “Não se tendo procedido a tal audição, e não se proferindo despacho a fundamentar a sua desnecessidade, provocou-se a existência de uma irregularidade do despacho judicial. Vício de simples irregularidade uma vez que não se trata de acto processual legalmente obrigatório e que não conduz, como tal, à nulidade”, escrevem os juízes do STJ.  

A decisão não responde de forma cabal à questão da eventual incompetência do Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC), afirmando apenas que, mesmo que esta existisse, tal não anularia os actos praticados pelo juiz Carlos Alexandre, apenas exigiria que o Supremo reavaliasse a prisão preventiva de Sócrates.

"Assim sendo é manifesto que a hipotética declaração de competência do Supremo Tribunal de Justiça não conduziria à libertação do requerente por prisão ilegal, mas tão somente à necessidade de reapreciação da medida de coacção pelo tribunal competente e a uma convalidação dos actos praticados", lê-se no acórdão.     

No fim, contudo, o juiz adjunto Oliveira Mendes faz questão de juntar à decisão um esclarecimento, onde defende categoricamente que o STJ não possui competência neste caso. "Não possuindo o requerente José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa a qualidade de Presidente da República, presidente da Assembleia da República ou de primeiro-ministro, é a meu ver indiscutível ser inaplicável no caso vertente a noma da alínea a) do artigo 11.º do Código Processo Penal", que determina excepcionalmente a competência do STJ.

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