Localização do túmulo de Cervantes é já “mais do que uma hipótese”

Não há confirmação científica via ADN, mas os investigadores que procuram os restos mortais do autor de Quixote acreditam tê-los encontrado.

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Francisco Etxeberria, o antropólogo que lidera a equipa de investigação, na conferência de imprensa desta terça-feira Andrea Comas/Reuters
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Os restos mortais de Cervantes estão misturados com os de outros 16 adultos e crianças Sociedad de Ciencia Aranzadi/AFP
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Ana Botella, presidente da câmara de Madrid, com Etxeberria Gerard Julien/AFP

Faltava uma confirmação oficial e ela chegou esta terça-feira, numa conferência de imprensa. Tudo indica que os 30 investigadores que há um ano procuram o túmulo de Miguel de Cervantes no Convento das Trinitárias Descalças, em Madrid, encontraram mesmo os restos mortais do autor de D. Quixote de la Mancha, que ali fez questão de ser sepultado.

“É possível considerar que no solo da cripta da actual igreja das trinitárias estão alguns restos pertencentes a Miguel de Cervantes”, disseram aos jornalistas. As ossadas deste escritor universal, que morreu em 1616, aos 68 anos, estarão misturadas com outras de 16 adultos e crianças, o que dificulta, para já, o trabalho dos investigadores. “Acreditamos que [Cervantes] está localizado”, assegurou a antropóloga Almudena García, citada pelo diário espanhol ABC, “mas separar os restos mortais dentro desse grupo é mais complicado”.

Há já uma semana que fontes próximas da equipa de arqueólogos e cientistas forenses dirigida pelo antropólogo Francisco Etxeberria, citadas pela agência de notícias espanhola Efe, falavam destes avanços nos trabalhos, mas ainda com muitas reservas. As mesmas que os especialistas mantêm hoje: “Há compatibilidade [das ossadas] com os dados documentais e antropológicos conhecidos, mas não é possível individualizar os restos mortais”, insistiu a antropóloga, precisando que no subsolo da cripta onde estarão sepultados mais de 200 corpos se identificaram três níveis de enterramentos.

Foi esta cripta, um espaço de 70 metros quadrados a que se acede através de uma escada na sacristia e que fica quase cinco metros abaixo do solo da igreja, sob o altar, que a equipa de Etxeberria transformou num laboratório desde finais de Janeiro, com os seus scanners 3D, aparelhos de raios X, microscópios, espectómetros de massa e câmaras semelhantes às que se usam nas cirurgias. É com base nos dados históricos, arqueológicos e antropológicos recolhidos que o director do projecto diz agora “ser possível” que alguns dos fragmentos pertençam a Cervantes, mas sem certezas absolutas, acrescenta por seu lado o diário El País, já que não há confirmação via ADN.
O antropólogo forense defende, no entanto, que agora a localização do túmulo do escritor e dramaturgo é já “algo mais do que uma hipótese”, porque, mesmo sem provas bioquímicas, “existem muitas coincidências e nenhuma discrepância”.

Túmulo será visitável
A conferência de imprensa desta terça-feira, que durou quase duas horas, destinou-se à apresentação dos resultados de um projecto de investigação que tem vindo a contar com o apoio da autarquia madrilena e que custou já 136 mil euros. Ana Botella, presidente da câmara, espera agora que a próxima fase dos trabalhos possa confirmar os dados reunidos até aqui.

Esta terceira fase, explicou ainda Etxeberria, pode destinar-se a reunir as tais provas bioquímicas, uma tarefa difícil: “Desconhecemos se os ossos poderão vir a ser isolados. Vamos tentar extrair ADN destas amostras, mesmo que a comparação seja praticamente impossível, porque os restos mortais da sua irmã estão num ossário em Alcalá de Henares”, cita o ABC.

No final de Janeiro, quando deu início aos trabalhos de campo, a equipa deste antropólogo disse que iria estar particularmente atenta a marcas que os ferimentos sofridos na Batalha de Lepanto deixaram no corpo de Cervantes – vestígios do impacto de balas no esterno e traços de atrofia óssea na mão esquerda –, mas acabaram por não identificar nenhum.

O local onde agora foi encontrado junto à sua mulher – os cientistas localizaram também os restos mortais de Catalina de Salazar, uma fidalga com quem Cervantes esteve casado 30 anos e a quem muitos comparam a Dulcineia de Quixote – não é o da sua sepultura primitiva. O corpo do autor terá sido transladado do túmulo original entre 1673 e 1690, período em que a igreja deste convento sofreu obras de ampliação. É por isso que até aqui se podia dizer que o local da sua sepultura era um mistério com 400 anos.

Este convento do Bairro das Letras – assim chamado porque por ali andaram Cervantes e outras grandes figuras da literatura do século de ouro espanhol, como os poetas e dramaturgos Lope de Vega e Calderón de la Barca – poderá vir a transformar-se num dos principais pontos turísticos de Madrid, acredita a presidente da câmara.

É natural que a autarquia esteja já a pensar na fonte de receita que a “romaria” ao túmulo do escritor representará. Se a sepultura do dramaturgo inglês William Shakespeare for tomada como exemplo, as autoridades civis e religiosas – Botella revelou estar já em conversações com representantes eclesiásticos para estudar a possibilidade de vir abrir o túmulo ao público – podem estar optimistas.

Sepultado na Igreja da Santa Trindade de Stratford-upon-Avon, a pequena cidade onde nasceu, o autor de Romeu e Julieta e Macbeth recebe 250 mil visitantes por ano, de acordo com o ABC. A igreja não cobra entradas, mas cada pessoa é convidada a fazer um donativo de duas libras (quase três euros), o que, se todas cumprirem, significa que o túmulo do dramaturgo rende qualquer coisa como 700 mil euros por ano. E isto sem contar com o impacto que milhares de turistas têm nos hotéis, restaurantes e comércio de uma cidade de 25 mil habitantes. Uma capital europeia como Madrid, com muito mais motivos de interesse do que Stratford-upon-Avon, tem razões para esperar pelo menos o mesmo número de visitantes na igreja onde o autor de Quixote quis ser sepultado.

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