A arte de matar com humanidade

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O condenado à morte senta-se e é amarrado à cadeira. Diz as últimas palavras. Um polícia cola na combinação que veste um alvo na zona do coração. Tapa-lhe a cabeça com um capuz. Cinco polícias, à distância de oito metros, apontam as espingardas Winchester ao coração. Uma das armas tem balas “brancas”, sem carga. Nenhum executor terá a certeza de ser autor do tiro mortal. Dada a ordem de fogo, disparam e o condenado tem morte clínica em menos de um minuto.

Na terça-feira, o senado do Utah (EUA) aprovou o regresso ao fuzilamento dos condenados à morte, método usado neste estado até 2004. Falta a aprovação do governador. O fuzilamento foi abolido por dar uma imagem de “brutalidade”, embora um condenado pudesse por ele optar. Pode agora ser reintroduzido como método “mais humano e mais rápido” do que a injecção letal.

A injecção perdeu a eficácia. Sucederam-se os casos de execuções falhadas e com longas e dolorosas agonias. Os abolicionistas falaram em tortura. Vários estados começaram a estudar o regresso aos métodos antigos: a câmara de gás, a cadeira eléctrica ou a forca. O Arkansas, a Florida e o Missouri encaram também a bala como método alternativo quando não há drogas disponíveis.

A Constituição proíbe mortes cruéis. A injecção letal tinha a vantagem de parecer um método asséptico. Mas os laboratórios (os europeus e o americano Hospira) foram pressionados a deixar de fornecer o mais potente anestésico que era usado no cocktail letal. E, em nome do juramento de Hipócrates, médicos e enfermeiros recusam-se a colaborar ou a determinar as doses das drogas aplicadas, tarefa executada por funcionários prisionais. Como garantir uma morte “humana”? (ver Revista 2 de 10-08-14).

Em Junho de 2010, Ronnie Lee Gardner foi executado a tiro no Utah por sua vontade. Disse: “Prefiro o pelotão de execução. É muito mais fácil e não há erro possível.” A bala é menos dolorosa do que o gás, a cadeira eléctrica, o enforcamento, para não falar na lapidação, afirma um estudo americano de 1993. Deborah Denno, professora de Direito que estuda os métodos de execução, aprovou a opção de Gardner dizendo: “Aos meus olhos, é a escolha mais humana.” Ironia: a China, o país que mais fuzila, começou a usar a injecção letal com o mesmo argumento — “mais humano.”

Humano? É uma velha história. Em 1789, o dr. Guillotin, que era contra a pena de morte, propôs que as execuções se fizessem por decapitação mecânica para evitar o sofrimento. Ficou com o nome associado à máquina de matar da Revolução.

Resta a pergunta radical de Camus? “Que é a pena de morte senão a mais premeditada forma de homicídio?”

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