Os inexplicáveis caminhos da Justiça

Há casos em que tudo falha. A começar pela humanidade.

Há cada vez mais pessoas a pronunciarem a frase “Eu acredito na Justiça”, de cada vez que está em averiguação ou em julgamento um caso judicial delicado. Não devia ser necessário fazer essa profissão de fé, porque o exercício de uma Justiça justa, ou seja, cega, e por isso imune à condição de quem é alvo do seu julgamento, é um direito básico das sociedades democráticas. Acreditar na Justiça devia, por isso, ser tão natural como respirar, e daí ser inútil repeti-lo. O caso de Liliana Melo, uma cabo-verdiana a quem o Tribunal de Família e Menores de Sintra mandou retirar sete filhos, em 2012, talvez explique o aparente contra-senso. A história é longa, mas o essencial resume-se a isto: uma mãe de dez filhos, pobre e desempregada, ficou repentinamente sem sete das suas crianças e impedida de as visitar ou com elas ter qualquer contacto. Não havia quaisquer sinais de maus tratos e, pelo contrário, foram detectados fortes laços familiares. O problema era a desorganização, a falta de emprego dos progenitores e as consequentes carências económicas. No entanto, nem Liliana nem o pai dos seus filhos recebiam RSI ou qualquer apoio do Estado, que preferiu usar de uma violência sem nome a dar meios e acompanhamento para ajudar esta família a reestruturar-se. Agora, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem deu razão a Liliana, permitindo-lhe ver os seus filhos. Mas a decisão não é irreversível. O menino mais novo dos que foram institucionalizados já tem três anos e o mais velho quase 11, pelo que o natural é que os laços afectivos desta família estejam irremediavelmente cortados. Indiferente a tudo o que há de mais primordial, a Justiça arrasta-se como se casos destes fossem mera estatística. E é tudo tão dolorosamente inexplicável que talvez seja mesmo necessário dizer-se que se acredita na existência da Justiça. Talvez um dia?

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