O novo circo à mesa do velho

Novo-Velho Circo, criação conjunta de Clara Andermatt e da companhia Radar 360º, estreia-se este sábado em mais um capítulo do programa Circus Lab, em Viseu.

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Lara Jacinto/NFACTOS
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Tem alçapões e fundos falsos por onde cospe e engole bailarinas sem pernas (mas que dão à perna), balões, cabeças de bonecas e copos de cristal, o chapiteau que a coreógrafa Clara Andermatt e a companhia de novo circo Radar 360º construíram a partir de memórias já bastante longínquas do velho circo (aquele em que ainda havia palhaços, muito antes dos reality-shows) e das irresistíveis aliterações do poeta, crítico e tradutor brasileiro Haroldo de Campos. Algures entre uns e outros, as portas da percepção que um Aldous Huxley movido a LSD e mescalina abriu em meados do século XX escancararam-se diante deles e por aí foram, em direcção a uma estranha e hipnótica festa onde encontraram ainda, de copo na mão, Angela Carter, a ficcionista de Noites no Circo e de As Infernais Máquinas de Desejo do Dr. Hoffman, a História do Soldado, de Igor Stravinsky, e os universos paralelos de Jorge Luis Borges.

Foi uma longa viagem, estrada fora em direcção a este Novo-Velho Circo que este sábado se estreia na Tenda Grande do Teatro Viriato, em Viseu – como, logo ali no pós-guerra, Gelsomina e Zampanò, os sem eira nem beira de Fellini ou, mais à frente, muito depois dos reality-shows, Os Idiotas de Lars von Trier. Novo capítulo do programa Circus Lab – operação de reflexão e criação artística aplicada às artes circenses que Giacomo Scalisi coordena até ao final de 2016 para o Teatro Viriato, em colaboração com o Cirkus Xanti, da Noruega –, Novo-Velho Circo é ao mesmo tempo a celebração dos dez anos da Radar 360º, uma companhia do Porto especialmente vocacionada para o espaço público, e uma celebração do próprio circo, nem novo nem velho.

“Sempre gostámos de trabalhar para além do núcleo duro da companhia e dos colaboradores regulares com que nos identificamos artisticamente – Joana Providência, John Mowatt... – e os dez anos pareceram-nos um pretexto irresistível para festejar”, explica ao PÚBLICO um dos directores da Radar 360º, António Oliveira. “Se havia alguma coisa em particular que nos interessava nesta fase era um trabalho de desconstrução da linguagem do circo em paralelo com um investimento na composição coreográfica e na criação de objectos que são mais orgânicos do que mecânicos. Ao mesmo tempo, queríamos encontrar um novo olhar sobre as matérias e os materiais do circo – um olhar que a Clara, com o seu percurso transdisciplinar na dança, no teatro e na música, podia acrescentar às artes do circo”, continua.

Debaixo dos sobretudos que André Araújo, Bruno Machado, Francesco Cerutti, Jolanda Loellmann, Julieta Rodrigues e Mickaella Dantas – o conjunto de intérpretes e co-criadores que Clara Andermatt encontrou sobretudo em audições – vestem e despem em Novo-Velho Circo, há roupas fluorescentes e figuras de fantasia que podiam ter saído de uma caixinha de música ou de uma garrafa atirada ao mar, à atenção do novo mundo. Aqui, como chega a dizer uma das personagens, “o tempo não passa” e “o avesso da história” pode ser “escória (tudo depende da glória)”.

E há glória nisto de fazer uma festa não propriamente pelo passado mas pelo futuro, porque “o circo não é nem novo nem velho, é circo”, repete António. “Mas sim, as imagens do novo, do velho e do circo estiveram sempre nas nossas cabeças”, admite Clara, que a Radar 360º foi buscar para desarrumar este espectáculo-celebração. “Houve muito desbravar de caminho, muita conversa, muita decisão, muita abertura para que este encontro entre a dança, o circo e a música pudesse acontecer – com imensas dúvidas em relação ao espaço, à cenografia, à montagem financeira... De resto, esta vai ser uma história de adaptação, porque quando chegarmos a Guimarães, em Junho, faremos o espectáculo ao ar livre e depois no Porto estaremos no palco do Grande Auditório do Rivoli.”

Entre o que cedeu e o que descobriu – com a direcção artística da Radar, com o músico Jonas Runas e com os intérpretes, “que deram muito de si ao espectáculo” e para aqui trouxeram personalidades e bagagens alegremente assimétricas –, Clara Andermatt viu-se a “tentar explicar o inexplicável” e a tomar partido “em relação às questões mais essenciais da própria existência”, a maior parte delas “completamente fora do âmbito da razão e do óbvio”. Figuras “icónicas” do velho circo como a roda-cyr, os malabares e a própria tenda (gorado o plano de “descobrir uma nova arquitectura e reinventar o lugar onde o circo acontece”, a Radar regressou à tenda “como espaço de resistência, nómada e efémero”) fizeram o seu caminho até Novo-Velho Circo, assim como uma espécie de máquina invisível, a máquina do subpalco e dos bastidores, organismo mutante e vivo que vai atirando estímulos para a arena ou fazendo desaparecer objectos da vista dos espectadores.

Este sábado, às 21h30, e amanhã, às 16h, o circo recompõe-se para se festejar a si e ao facto de continuar vivo – não apenas como entretenimento mas como espaço aberto à autoria e como ponto de encontro de várias gerações de públicos e de artistas. Diz António Oliveira: “É importante que o circo deixe de ser periférico e volte a ser nuclear. O Circus Lab é uma segunda oportunidade que se abre nesse sentido, depois do esforço que nos anos 2000 a Isabel Alves Costa dedicou à criação de uma rede.” Mesmo que seja próprio do circo não precisar dela.

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